22.12.09

suspensó(RIO)

Um suspensório atara-me ao céu.
Desfeito o nó, espalharam-se pelas terras húmidas os vestígios alados.
Na tentativa de recuperar a forma – essa inquieta permanência – os joelhos revelaram a sua transparência.
Foi nesse lugar que me quedei, escutando-o:
- O contorno;
- A ruga;
- A ferida.
Qualquer coisa de sideral explodia-se em fumo:
A memória trazia em braços um pirata, um barco e uma vela,
Coisas, por acaso, simples,
Contrariando o espectro dos factores,
Destes, cito os nomeáveis:
Uma cortina de mulher, sete ossos de um penedo, um baloiço estagnado,
uma criança de bigode ferrugento, mãos acres tocando um violino (um som estridente rasgando penínsulas).

Voltar a um lugar é sempre desaparecer.
Um catálogo pode manchar para sempre uma memória,
Cingi-la a nada.
A concepção é moldar barro e esperar maturação.

Esta plasticina que me caiu por engano in personna multiplus difusus,
Contesta a permanência e rói com o esqueleto um plano mutável,
Convoca para a cerimónia um apego de longe.
O coração está cheio, transborda,
O líquido bebe-se mas não evita o granulado,
Recua do palato, condensa-se nuvem e chove.

A inevitabilidade de um caco é bela:
Repara na poética harmónica. Emociona-te.
No entanto, sem o velho, é vazio o som.
O velho chora e eu choro com ele,
Enchemos uma garrafa e desenhamos ondas,
Este mar é um improviso para a nossa dor.

Nesta pauta deixo tudo quanto herdamos.
É um poema mas devia ser gente e andar pela rua,
Ter pernas falantes e estímulos para a luz.

É inútil esta perícia de pensar,
Se esquecemos a música dentro da caixa.
Eu quero lembrar-me para sempre deste quedar de folhas,
Envelhecer primaveralmente, outonizando a neve.

A errância é lúcida.
Enal-TECE.

2.12.09

CEIA

Volátil é a comida no prato onde pintas os olhos dos legumes.

Rasga em dois a mousse que fizeste com o medo do teu próprio fantasma,
é doce - a mousse com o medo- mas não gera cerejas, nem se arboriza clareira.
Essa criatura que te afaga, contrariando a correria dos ventos
pode ter segredos que te interessem,
repara como a rotativa serigrafia contraria a teoria,
transladando-se de palco para palco.
Traça -trança- um plano de fuga com fumo de chaminé antiga,
ali encontrarás ancestrais encantadores,
como um cântaro de barro
ou uma colónia de rosto,
gastos pela cinza.
Refugia-te nesse pequeno espaço que é um vale entre precipícios e crateras.
São nuvens mentais, dirias,
mas eu engaveto tudo e numero, só depois baralho.
Agrada-me o excesso de substância evasiva em mim.
No mesmo quintal cultivo folia e solidão,
para quem nunca me sabe, a morada não tem nome nem ideologia.
Guitarra-se porque a música faz parte do seu improviso,
de resto, devora relógios e cospe ponteiros.
não tem pontaria porque não aponta,é leve,
no entanto, quando se esvoaça cai-lhe um peso em cima chamado beleza
e tem medo...
será que aprenderá a nomear tais matérias?
Dialoguemos:
Como vês esta beleza que agora mesmo avistei?
Descrevo-ta:
uma estrada estreita dividida em dois, onde não cabe mais do que um pardal e um gato,
cada um, em cada lado, fugindo, enamorados.
Prevendo a tua resposta, rabisco com algum cansaço este recado:
NÃO ETIQUETAR A SINTONIA A PARTIR DO SEU PRÓPRIO PADRÃO.
A DISFUNÇÃO PROVOCA URTICÁRIA, REBOLA-SE E NÃO SABE PARA ONDE CAI.

Dejecta-te desse prédio abaixo,
volta a subir pelas costuras dos alicerces,
faz desenhos nos vidros com o vapor dos teus dióxidos,
a estrutura da construção é um mi(N)to ocidental.

Vou regar-me de sol,
longe onde as plantas ordenam o crescimento das lagartas, em partos sem dor.
Padronizar envelopes de plasticina
como quem se nega a respirar duas vezes sob a quotidiana superficie de um quadrado.
Quantas imagens cabem no teu nariz?
Qual é o lado por onde começa a manhã?
Qual é o mar que um pirata escolheria para morrer?
Com que idade o coração cicatriza em borracha para pinchar mais alto?

Fico-me suspensa neste acorde impraticável.
A música consome-se do prato.
Na hora da ceia repartirei este pão pelo poema
sempre me encantaram as migalhas.

9.10.09

tenho 7 metros de corpo, se comparado em galáxia morre-se
Eu sempre gostei de vampiros gemerosos.

20.9.09

Divino -parte 3

Hoje encontrei-te o rosto:
analiso, verifico,
sou pragmática nas metafísicas de ti,
agrada-me segurar os frágeis cabelos de ar onde te sustentas, magnífico,
sempre diferente do poema-poéme.

Enquanto arquitectas possibilidades,
invado o teu reportório,
componho-te poemas,
foi de propósito que quebrei o copo,
queria engravidar qualquer coisa que não fosse a minha utopia,
tenho sete palmos de imaginação soterrados nas crateras longas dos olhos,
se parares mais tempo,
podemos converter esta tonelada num desafio de Pictionnary.

Páro-me de propósito,
o pensamento atarracado em minúsculas garrafas,
tenho um vinho e uma propaganda:
não sei vender nada que não me prove,
o vinho sabe-me de cor o palato,
é ele que me visita,
que não te engane:
o copo pega-me na mão,
o líquido derrama-se,
abro a garganta na página 33 onde figuram os rostos e os amantes,
depois durmo e sonho.

Eu devia dizer-te que Díonisio leu demasiada literatura,
amou mulheres como homens,
reverteu, converteu-se, humilhou-se, glorificou-se.
No fim, não escreveu livros,
compos vinhos.
Deixou-os de herança, especialmente para ti,
é natural que te tentem.

Lambo um livro, fujo de presenças vivas,
carrego-te, fugudio não veleiro,
não tens mar dentro e isso é uma coisa rara
nos homens atlânticos.
Duras escreveu-te as rotas,
geometricamente falhaste,
bastou compreenderes o somatóro das partes.
Quanta matemática existe num poema?
E numa mulher?
No tubo de ensaio onde te vertes em velocidades ambivalentes,
verifico-te o bolor das asas,
digo-te, quanto mais velho melhor,
desde que não definhes em filosofias autodissecantes.
Escreves-me porque me avanças,
ditos os nomes todos,
estas palavras continuam a ser tuas.

Onde guardaste o coração?

17.9.09

Divinus- parte II

Vim dizer-te:
tenho uma tragédia chamada coração,
podes rasgá-la, de nada se vale quando projectada para lá de mim.

O futuro é uma linha e uma vidente
e todas as possibilidades que se manifestam a partir daí.
Tenho um útero ferido,
um pássaro por remendar,
não me projectas para os ocasos solares,
sou de nascentes:

- Da primeira vez que vi nascer sol á tinha nascido e eu amei como se fosse meu;
- Da segunda vez que supus que nascesse desfez-se onda em espuma;
- Da terceira vez trazia tudo tão certo -até os colarinhos da alma - pensei que fosse a sério.

Rasga esse título,
somo-nos sementes de desertos,
a orgigem valeu-me sempre mais do que aquilo que
os homens não estão dipostos a dar-

estou cansada de dar....

11.9.09

DIVINO . parte 1

A minha ultima filosofia foi esta:
engolir vento para distrair o pensamento.
parece absurdo, mas antevejo um mundo poético e surdo,
não te arrelies se me vires a esboçar gestos para a lua,
no fundo sempre me cativaram os silêncios.

Conto a história de 2 homens que tiveram 3 filhos,
a partir daí fizeram palácios,
para mim tornaram-se inúteis as antiguidades,
eles eram presenças multiplicadas em beleza:
Um fez-se música, o outro fez-se vinho.

PIERRE MAUBILLE ESTUDA O MARAVILHOSO,
DEFINE-O COMO O ACASO RARO E IMPROVÁVEL QUE NOS REVELA O DIVINO-DIVINUS.
Este poema foi feito de propósito para ti,
para que te coubesse inteiro numa quimérica conversa
de lés a lés longa,
diversa.
Sei que te inadequas em busca de centro,
o avô transformado motor,
avião de rapina,
iminente movimento que se persegue em redutos inarráveis e alquimicos.
Estou longe e escuto o som veloz com que te corres em sangue.
No limite só recorto papel para que me escutes,
perco-me em estratégias que me diversificam,
prevejo nas tuas mãos linhas que não asseguram conjugações perfeitas.
Explico-te agora
o que não caberia num teclado inútil,
fazes-me barulho dentro,
iluminas artérias.
Deixa-me por enquanto inábil,
procuro a perícia com que encantas os móveis imemoriais,
devias profetizar as sensiveis sabedorias que recolhes
em respiros.
Dispara-me histórias,
tenho epidérmicas sedes,
dói-me quem morre mesmo que não seja dos ditos meus,
sensibilizo-me com paisagens simples,
não me sai da cabeça a imagem do saco de plástico do American Beauty a esvoaçar
durante longos segundos na tela do cinema.
Tenho pericia para inúteis afazeres,
gosto de botões sem casa,
guardo coisas pequenas em espaços mínimos como um coração.
Tens medo?
Ignoro a resposta,
mina-me a pobre intuição.
No entanto, sei:
Nunca temerias ver-me acordada sobre nenúfares,
mas não sou rã, nem mulher,
misturo-me em mesclas,
pinto-te o cabelo a ouro acetinado,
teach me something wonderful!
No entanto,
agressivamente afagas a prateleira dos vinhos alentejanos,
divides por regiões o que não se pode dividir.
Tenho uma península demarcada,
reajo a combustões,
escapo por conveniencia,
educadamente celebro e destruo,
tenho duas mãos aptas e polarizadas.
Registo neste espaço aquilo que o quotidiano inutiliza,
para que leias o que te couber em delícias.
Devia dizer-te mais,
mas tardam-se os dedos e eu vou mais veloz.
Vejo-te amanhã?

3.9.09

M -i- AU

passei o dia a catar luz ao sol,
não é por acaso que ardem brasas nos desejos.
este é um estado que se contempla sem sossegar,
levanta-se cedo, mas infrange a lei do silencio.
este estado grita-se, despe-se devagar.

devia trazer agarrado à saia um nome estranho,
um sobreaviso que acautelasse quem se aproxima.
tenho doenças nos dedos: escrevo demais.

é claro que pensando na minha situação de felino domável,
limo as garras e faço de conta(s),
somo os inversos e faço chapéus que cobrem telhados.
tento ser perfeita na arte de incendiar janelas e comer cinzas.
tenho tudo certo num calendario de improvaveis.

a minha unica malicia é alimentar-te,
trazer-te numa jaula que me bate dentro,
sorrir-te de esguelha para não te ver os dentes.

estou a curar a ferida do joelho,
antes de voltar a cair.
a cautela nunca foi demais.

M(i)AU, M(i)AU!

26.8.09

Cada menino tem a sua aldeia... cada menino tem a sua ilha...

MELANCOLIADOCEÉUMACOISAQUEOCUPA OSOLHOSOCORAÇÃOETUDO.TÃODEPRESSAAQUECECOMO ARREFECE.ESTAÉAILHAREALDETRODEMIMREALCOMSERESREAISDEAUTENTICO
AMOR.

TODOS OS RASCUNHOS. AS ESCRITAS QUE FICARAM SUSPENSAS NO TECTO DA CASA.

Os proximos textos a serem publicados agora mesmo estiveram na sombra da casa, debaixo do telhado, tímidos de meter dó, porque não estavam inspirados, estavam meios mortos, tentavam ser interessantes.
Os textos que se seguem depois deste estão incompletos, estão tortos, são frágeis. São defeito. Vão saltar agora para fora da casa, passear no jardim, só porque sim.
Finalmente livre.
Nota: Como foram textos escritos ao longo dos meses e guardados, alojaram-se agora nos devidos quartos. Sairam dos fundos para ver alguma luz. Estão numerados de 1 a 27, nos respectivos meses em que se escreveram.

POEMA . o jogo do poema

POEMA
com P escrevo pato e patife
com O escrevo olho e ovo
com E escrevo
com M mio porque sou gato
com A Amor porque ainda não encontrei palavra que se ouvisse melhor, que soubesse melhor, que fosse tão, tão, tão boa de se dizer e fazer.

MANIFESTO só porque sim, simples homenagem às composições que nos iniciaram nas artes de pensar nas evidências e repeti-las até à exaustão

eu escrevo nesta casa, porque esta casa pensa-se mais rápido do que eu. Os trabalhos de costura da escrita, faço-os no escurinho, só eu é que vejo e mais nada., mais ninguém.

esses trabalhos depois vão para montras e podem até fazer livros... não se sabe... nunca se sabe.

esta casa, como é a minha casa, é também um espaço de liberdade e coisas boas e más e ... um espaço do que as coisas lhe apeteçam ser. e isso é bom. e isso faz falta.

todos devemos ter uma casa.

Nota:
Evidências repetidas até à exaustão nas composições:
1. A Primavera é uma estação do ano.
2. O Dia do Pai é no dia 19 de Março. Eu gosto do meu pai.
3. Quando crescer quero ser ... porque ...
4. Nas férias diverti-me muito.
5. ...

Carta da cidade queimada

Eu vinha dizer-te que houve um último incêndio. As pessoas em delirio entraram pelas bocas dentro. Eram pessoas caídas por todo o lado... uma devastação. Eu passara tantos anos a amar-lhes o rosto, não pude crer que morriam por ali, dentro de mim, dentro da cidade que também sou.

Recuperar a terra demorou tempos que não te sei contar, mas fez-se, porque o tempo tem tudo o que é relativo dentro: estica, estreita-se, dilata, esfuma-se. O tempo é uma doença que se cura com..... tempo.

Neste incendio também senti feridas as aves, as estrelas, as figuras dos museus. Ficou tudo devastado nesta última estação.

Enfim, não vim para causar confusão, vou sair de mansinho para que não me escutes. Conto-te o último relato desta embarcação quando já não avistar terra.

Silêncio que se vai cantar o nada.

25.8.09

Falhar (so glad to see you . Hot Chips)

Se voltares,
aconchega as pedras da rua.
dá-lhes a docil tendencia dos astros
sob o céu de Verão.

Quando voltares a escrever,
diz-me desses dias onde estiveste, silencioso e atento,
a observar uma floresta crescer dentro da mão de um provável amor.

Esqueci-me -mais uma vez-
que o coração não se força a nada,
tentei amar um corpo plástico e perfeito.
todo ele feito à medida do meu capricho:
enervava-me,
atirei-o às margens do vazio (donde nunca saíra).

Eu nunca pedi para escreveres poemas,
basta deixares um número para o qual possa ligar,
a noite tem picos de dor,
é uma febre estranha que me visita.

Posso ligar-te pela manhã?
Há pirilampos que não sucumbem na madrugada,
podemos procurar-lhes as ocultas belezas,
como essas que trazes debaixo de ti.

Vamos repetir tudo,
invertendo as cenas.
Eu farei de ti, acreditas?...
...repara como sou ineficaz
quando tento ludibriar-te..
nunca saí para um terreno que não fosse eu,
mesmo quando me reinventei.
Se amares a metamorfose que te conto,
poderemos criar melodias,
fazer poemas ou saladas,
comer gelados e pensar livre....

Agora calo o poema,
sei que te aflijo quando parto para metáforas sem
pré-aviso
(são 20 segundos de pura beleza,
qual droga tropical no meu delirante desejo de pássaro).

Quando voltares faremos tudo à tua maneira,
gostava de me experimentar em ti, assim,
inteira.

Ainda me vives,
se te ralho é só porque não vês o que eu quero que vejas:
os meus braços, as minhas pernas,
o meu umbigo,
todas as partes de mim.

Devias tornar-te atento à imobilidade.

22.6.09

1

Tinhas deixado na mesa da sala um recado inútil.
rasguei-o para te dizer que do meu avesso,
avistas as palavras certas para compores em verso um sorriso
ou um barco retalhado em papéis dispersos
que sejam apenas ode de amantes
ou náufragos.

Quando voltares a passear nas montanhas do meu umbigo,
seguiremos com as mãos a rota das estrelas.
Ferirás a primeira dor,
para lhe causar medo,
mas de nada valerá

Serão tuas as caricias deste vento que me chega de empréstimo?
Serão tuas as formas que cavalgam a planicie horizontal?
Serão teus os sussurros dos passos invisiveis dos anjos?

Deixa-me ser dramática,
decorar-te o quarto com semblantes de sereias,
inventar-te um itinerário de amor.
Quero-te de braços inteiros semeados nos meus movimentos.
A tua sombra tem eco?
Porque te escuto se deixaste o quarto vazio pousado em cima da minha ternura?
E agora o que faço da minha ternura transformada tesoura?

Cortaste-me o coração à escovinha e ele nunca mais cresceu..
Mirrou e nem um pássaro lhe debica o rosado contorno.

Por isso deixei de te cantar

16.6.09

2

Dez dedos em cada mão
cortados na brusquidão da escrita.
As palavras não suavizam as veias,
arreliam-lhes o interior líquido.


Sei que faltei à tua última festa

mas desde que me mudei para a ilha,
dedico-me a dedilhar poemas vagarosamente.

Tenho plantas lentas no lugar das asas

que se evadem pela madrugada.

Já não bebem da mesma pele,

secaram a ausencia numa corda de linho,

estendida ao lado de três peças de roupa barata.

Ouvi dizer que no evento que organizaras
trajavas como um rei pobre,

ostentando
na cabeça uma coroa de galhos com sede.

O teu rei morrera a tentar um castelo...

A tua casa tinha pó e eu sorri,


porque era um resíduo antigo


- e o último-

que te ficara de mim.

Eu enviuvara de propósito,
para cercar com um círculo vermelho a tua varanda
e disparar-te o silêncio como uma laranja amarga-velha,

capaz de encher de acidez os móveis por onde o teu corpo se segura.


Pediste-me baixinho para voltar,

omitiste o local,

disseste que se eu fosse a número 1

a telepatia resolveria a angustia de te perder em mapas e geografias.




Encontrei-te do lado de fora do portão

onde um velho rachara tábuas para construir o seu próprio caixão.

Ao caixão acrescentou um par de águias

que voaram para lá da vida que respirava,

mas nada que não fosse o teu rosto concreto me comovia

e foi assim que em morreu a poesia.




Não é nada disto que tenho para te dizer,




na verdade só faltei à tua festa porque me doía a dança




de te ver repartido nos passos dela.



O meu coração guarda um espelho por onde te reflectes e metes



e a narrativa que te memoriza ainda sabe que mentes para


me evitares triste.












tem música de violino ao fundo,



como um Atlântico transmutado música.







Tenho-te guardado num frasco transparente. mas sempre me danas



e confundes.



Dei-te das trovoadas apenas a sua revelação de luz,



anulei das estações, as insónias e os presságios.



Movi a terra dos teus sapatos,



que te desdenhava em surdina,



mas nada trazia vida ao pedaço morto de amor que me dedicaras


na estção do sol.




vai para lá de muitos tempos, o dia em que quebraste a rua pela metade.
O caminho tem chaama-se NÓS e disse-me que um amor também se morre.





Não é assim que se separa o mundo, é por vontade.




Um meio mundo imposto é como uma mão sem tinta.

3 FERRUGEM

Sabes,
a ferrugem tem voz.

De nada vale duvidares da idade do coração.
Um coração também tem ferrugem.
Um coração também tem uma voz com ferrugem.

17.5.09

Vi-te primeiro.

(Eras alto, porque eu te via alturas a partir dos olhos.
Eras rude, porque não sabias beber vinho sem destruir a estrada que te levava
seguro, de ti a mim)


Para que não duvidasses do barro
com que cosntruira os três palmos de mim,
cantei-te ao ouvido,
aquilo que era sede e chama,
aquilo que era eu.

Começava a contar-te a história pelo fim:
primeiro voei e só depois,
muito mais tarde comecei a andar.
Iniciar-me pássaro,
foi para os grandes mestres motivo de discórdia.
Teria de te dizer que comprei mais tesouras do que jóias.
Cortei as penas de ter asas
só mais tarde, arranquei com lâminas
a pena por não ter asas.

Sou inofensiva,
nunca matei galinhas
e tenho medo de insectos de carapaça negra

Alimento-me de movimento, basta-me biciclet"ar".

(continua...)

13.5.09

FRIO (difícil dizê-lo em voz alta)

Poderia ser 57 de Agosto de 1923...
O tempo é uma existência cheia de improbabilidades.
Nos ecos escutam-se
orações repetidas de tédio
e há quem caminhe pelo vício
de não se imaginar em amor confinado
ao luto de ser apenas dois.

Inventei-me num vestido
compilado em livro.
Na página 1 lia-se exacatamente a mesma coisa
do que na página 45.
Repetia-se o escrito na página 97
e de tanto leres as mesmas fotografias,
pousaste o livro.
De seguida,
pousei-me também num livro
e numa atitude de bucólica esquizofrenia,
inventei paisagem numa noite mais longa
do que eu.

Devoraste o tecido
para que a minha nudez te surpreendesse,
ou então foi só o indistinto desejo :
pousar corpo como quem pousa cansadas asas,


Retalhos de ave
davam forma às nuvens,
Quando choveu o desepero esvoaçou-se na água.

Se não fores capaz
de escutar
o enorme edificio de silencio
onde assentei as casas e os dedos,
revira de novo o meu corpo,
aponta-me para sul.
O norte,
constataram as nossas sedes diluidas numa só,
é uma estratégia pérfida
e a nostalgia é a acidez do coração.

Deixa que os meus cabelos recuperem a cor
do incêndio,
corpo queimado
a contraluz
num papel de parede colado
por improviso à porta de mim.

Sabe-me a romã este pêssego
que me chega fora de estação.
Não durmo mais do que cinco minutos
há muitos anos,
sinto uma dor que
me queima a intimidade.
Já não me revelo,
suspensa na fotografia por materializar.

No fundo, andava a buscar alguém
para amar,
alguém que fosse novo
e acreditasse na beleza dos pássaros.
mas como esqueci o código que sela a natureza
em castidade,
encontrei as sete magnólias transformadas em manequins
de gosto duvidoso.


Eram mil poemas e um músico sem guitarra.
De pásssaros,
percebo a distância.
Asa, casa,
derrubo a primeira parede
onde escrevera o teu nome
a tinta de água.

Aumenta o volume da música.
dança mais uma vez,
desliga o fluxo
que te leva nas avenidas do sangue alheio,
Vamos começar pelo lado prodigioso
do riso,
ouvir em repeat o tema
que cobre de amor a pele.

A água seca a cor
inebriando de espectros luminosos
a tua palidez.
visto a milimétrica distância
tens a aparencia de um anjo
derrubado em jogo de matraquilhos.

Estende de novo o tabuleiro,
joguemos o corpo a dinheiro,
ou a qualquer coisa de fútil
que não faça poemas quando se ausenta,

cansa-me esta tardia melancolia,
a poesia serve-se fria?
(...)

11.5.09

4

Esta era a última vela.

Quando acabou de arder,

disseste:

- repara na luz que se solta do corpo ocre

do silêncio escuro.



Nao te vejo,

agora que ardeste o tempo inteiro

tenho doente o lado felino,

o escuro não é uma metáfora,

é o meu corpo dentro de água.

Nado e o seu feminino imediato:

Nada é o que fica a ocupar

um território de sangue.



A doença do corpo é milenar.

5.5.09

Dance

(Tinham passado 29 anos. Eu tinha finalmente percebido que sem leres a minha -patética- poesia, nada de mim saberias. Este poema está livre de metáforas. Suicidou todos os aforismos. Este poema é uma árvore plantada no teu jardim).

Nunca soube o que fazer de teu corpo,
tinha desajeitado o desejo,
ao ver-te inteiro e desnudado,
primeiro a pele,
depois o sangue,
depois a guelra e o peixe.
Eras tantos!
Ora terra castanha,
ora transparente água de beber,
ar inviolável de tocar,
casa insonora,
fogo que queima baixinho.
Viesse o poeta
e falasse de tudo o que arde sem se ver,
e então talvez te tocasse no ombro esquerdo.

Duas marcas!...
E as marcas, ficaram lá?...
Como não me eras estranho,
sempre te entranhei a melodia.
Já eras antigo
antes de me nascer corpo
e violinos.
Como te dizer dos teus dedos caídos
nos meus sentidos?

Segurei-te com pregadeiras
às raízes dos meus cabelos
para que crescesses comigo.
Nunca mais tesouras!
Nunca mais cortar-te!
Foram 33 metros de longa cabeleira
multiplicados pelas vísceras,
pelas guelras oxigendas,
pelo mordomo da casa,
que procurava nos escombros da terra
um limoeiro depenado
e rabanetes cor de ferida a sangrar.
Tu rias a bom rir,
que é uma forma de te dizer que o teu riso
-O TEU RISO-
me fazia feliz.

Haveríamos de ver juntos as Índias,
primeiro um caril saboreado ao sol,
depois um deus de papel incendiado
e um gelado de manga para finalizar.

Falo-te de coisas banais,
como quem te diz,
que contigo,
é tudo sempre em primeiro.
Não há corrida nem desvio.

Haverias de fotografar-me
num piscar de olhos.
Eu, vermelha, queimada de sol,
e mais uma vez o teu riso,
a tarde tão cheia
...não tardes,
não tardes...
que haveria de invejar os olhos de transeuntes
quedados em nós,
de espantos muitos.


As palmas dos pés,
já sabes,
estão manchadas de gravidade,
como as sobrancelhas,
ao ver-te suspenso no fio da montanha.
Não me caias,
suspira-me dentro
com bons fôlegos
e carícias de conversa lenta.
Estes são os meus dedos
e tu és o meu primeiro piano.
A melodia com que nos repetimos,
é sempre UM,
a primeira,
irrepetivelmente igual.
Eu tenho poemas em todo o lado
e todo o lado tem um poema que és tu.
Canto-te para dançar.

28.4.09

De nada a tudo

Sentei-me de vez.

Escrevi palavras,
a marcador amarelo,
num livro que não voa continentes.
É pena...
devias saber
como morro,
mas não te sei falar
como se me morre uma alma.
A alma, tu sabes,
tem anagramas escondidos.
A dislexia perdoa as falhas,
sempre que trocamos.
as letras ao mundo.
MUDO?
As luzes cansam-me.
No final de cada consulta
a recomendação foi sempre a mesma:
a melancolia, menina,
há-de destruir-lhe o fígado.
Aceno que sim,
bebo o vinho,
repetindo-o nos gestos.
Afinal, esta era a dança
e dança-se sozinha.

Estar numa ilha é
como estar em mim, afinal.

Mas tu,
incandescente veleiro,
regressa nas ondas
quando te apetecerem as vagas.
Não tenho minutos,
nem guardo moedas para a semanada,
consulto videntes,
só por um acaso.
Não me destruisse a arte
de estar só,
e cantava-te qualquer coisa
mais colorido.
Não posso.
Não sei.
Não quero.

Penélope a cozer
velas de navio,
num cais de fantasmas,
gastronomia inútil
servida à lua.

Era assim que o livro escrevia:
Conhecer o poeta
era melhor do que conhecer o poema.

Eu que sou dada a orações,
voodoos intermináveis,
onde o ritual é o meu próprio corpo,
semeio o poema,
na esperança que nada nasça,
semeio outro
e outro
e outro
e outro.
Sou terreno de sementes.
Que não me nasça o livro,
antes de ti.
Quero ter tempo para te escrever
inteiro,
mas o tempo envelhece
mais depressa os dedos
do que o rosto.

Chegaremos por fim
ao destino,
uma casa que não precisa de
poemas,
um mar que não precisa de navios.
Confundidos na paisagem
do corpo sem leitura,
diremos então nada.

Será tudo.

20.4.09

L'AMOUR LA FOLIE

espero-te.

reguei de sol
a raíz do teu sapato,
para que iluminado o caminho
seguisses
o endereço indicado
no verso
do meu sorriso.
Primeiro esquerdo era a morada
e chamava-se no bairro:
coração.

Rasguei a madrugada,
as 333444 lágrimas
que encheram o livro
dos homens em atlântico.
Soletrei a letra
do teu nome.
Soprando-lhe assim:
L (éle.)
U (úu!)
Z (zzee....)

Teci-me toda de branco,
outra vez,
mais uma vez,
quantas vezes?
para que me confundisses
a pele com a sede:
a sede de beber
a sede de sentar
a sede de lugar.

Tenho-te num segredo
que partilhei ao mundo inteiro.
Explico-te a manobra:
Escrevi na parede do céu
o teu corpo em nuvem
arrastando-te sobre os azuis,
.............................VELOZ!
formavas-te
ora pássaro,
ora castelo,
ora abstracta figura,
filosofia do nada,
vinho sem copo,
constelações de corpos,
compondo as estrelas,
substituindo as estrelas,
renovando os nomes das estrelas:
Capricornius lucidus,
Corpis burlescos,
Travessias infinitus.

Este poema tem uma música
e esta música tem-te a ti.
Somos agora os três:
O ramo - o eu
A folha - o tu
A ave - a música
Espreitamos por esta janela
que espreita o
melhor de ti-mim-ti-mim.
És bonito quando (en)cantas
a ternura que me despe.
Nestes mo(vi)mentos,
cultivo novamente o jardim.
São frágeis as flores,
não pises,não negues.
Deixa que o jardim se alargue,
quanta força inútil existe numa morte breve?

Depois trataremos por tu
o coração,
o teu, mais alto,
avistará as fronteiras,
o meu, mais baixo,
avistará o canto dos teus olhos.

Autoplastia marcada,
sempre que dilacerarmos
o malmequer do jardim.
Nenhuma Primavera será demasiada
para que te chegues
de malas e cotovelos
às pétalas dos lençóis.

Teremos tempo
para contar do que vimos,
do que vemos.
Abres o livro?

Conta-me de novo,
pela primeira vez,
em novo,
a história:

Era uma vez.....

19.4.09

FRIO (difícil dizê-lo em voz alta)

Poderia ser 57 de Agosto de 1923...
O tempo é uma existência cheia de improbabilidades.
Nos ecos escutam-se
orações repetidas de tédio
e há quem caminhe pelo vício
de não se imaginar em amor confinado
ao luto de ser apenas dois.

Inventei-me num vestido
compilado em livro.
Na página 1 lia-se exacatamente a mesma coisa
do que na página 45.
Repetia-se o escrito na página 97
e de tanto leres as mesmas fotografias,
pousaste o livro.
De seguida,
pousei-me também num livro
e numa atitude de bucólica esquizofrenia,
inventei paisagem numa noite mais longa
do que eu.

Devoraste o tecido
para que a minha nudez te surpreendesse,
ou então foi só o indistinto desejo :
pousar corpo como quem pousa cansadas asas,


Retalhos de ave
davam forma às nuvens,
Quando choveu o desepero esvoaçou-se na água.

Se não fores capaz
de escutar
o enorme edificio de silencio
onde assentei as casas e os dedos,
revira de novo o meu corpo,
aponta-me para sul.
O norte,
constataram as nossas sedes diluidas numa só,
é uma estratégia pérfida
e a nostalgia é a acidez do coração.

Deixa que os meus cabelos recuperem a cor
do incêndio,
corpo queimado
a contraluz
num papel de parede colado
por improviso à porta de mim.

Sabe-me a romã este pêssego
que me chega fora de estação.
Não durmo mais do que cinco minutos
há muitos anos,
sinto uma dor que
me queima a intimidade.
Já não me revelo,
suspensa na fotografia por materializar.

No fundo, andava a buscar alguém
para amar,
alguém que fosse novo
e acreditasse na beleza dos pássaros.
mas como esqueci o código que sela a natureza
em castidade,
encontrei as sete magnólias transformadas em manequins
de gosto duvidoso.


Eram mil poemas e um músico sem guitarra.
De pásssaros,
percebo a distância.
Asa, casa,
derrubo a primeira parede
onde escrevera o teu nome
a tinta de água.

Aumenta o volume da música.
dança mais uma vez,
desliga o fluxo
que te leva nas avenidas do sangue alheio,
Vamos começar pelo lado prodigioso
do riso,
ouvir em repeat o tema
que cobre de amor a pele.

A água seca a cor
inebriando de espectros luminosos
a tua palidez.
visto a milimétrica distância
tens a aparencia de um anjo
derrubado em jogo de matraquilhos.

Estende de novo o tabuleiro,
joguemos o corpo a dinheiro,
ou a qualquer coisa de fútil
que não faça poemas quando se ausenta,

cansa-me esta tardia melancolia,
a poesia serve-se fria?
(...)

15.4.09

5. Requiem aeternam dona eis

- Porque partiste?


- Porque a casa estava vazia.


Paul Célan





passaram muitos poemas


numa tecla só,


esquecer-te valeu-me


mais de vinte tabernas,


copos de vinho doente,


amantes como remédios de ocasião.


Eu despejei-te inteiro


no meu sangue.


quando bebias de mim,


atordoado e confundido,


prometias-me a eternidade.


Renovamos a casa,


para que coubesse


O teu sabor, sabe-me a mim...





eu comprava-te ouro


para dourar-te o desespero,


podemos ser um,


ou ser finalmente nenhum?


passeios de moribundo


sob um rio de peixe morto.





pintei-te nos meus olhos,


um frasco de rímel





é certo que assitir às nascentes:


-do dia,


-da sede,


-do desejo


com o teu calor preso ao suor,


fazia imaginar-te eterno.


Um corpo amante de outro corpo,


adquire na realidade


o tamanho certo.








Nunca confiei nos teus braços


alongados aos meus.


Por onde atravessar-te,


se nunca me chegavas inteiro?


Eras um homem em ponte quebrada.





Sim,


a terra que avistávamos


na lonjura do outro lado,


prometia colheitas férteis,


de sol a sol.





Como me julgavas sempre


em parte incerta,


tropeçavas violentamente


no





joguei-te num casino,

mas tenho azar ao jogo,

perdi-te para dentro de ti.

Como te chegar ao silêncio?



Se me perguntares,

se estou feliz,

respondo-te a sorrir

que não,

para que o teu dia empov

Tempo preciso . 1:41 .

Pára a música.

Espera.
Ouve:
1:41
Um minuto
e quarenta e um segundos de tempo cronometrado,
e só agora começo a falar-te.
Este tempo em precisão,
elegeu-se belo,
e é um tempo certo:
1:41
Podemos escutá-lo sem que desapareça,
neste tempo não consta o que dista o universo.
É um fragmento sonoro
atirado ao cosmos,
superfície plana e horizontal.
As músicas têm partes mortas.
Faço a selecção do vivo,
a partir do compasso cardíaco.
O que fica da melodia
conta-se em tempo e cabe num punhado de ouvido.
O reduto final sou eu.
Ela, por exemplo,
não gostava de música.
Tinha um raro vício:
repetir Lhasa.
Depois a música era outra,
porque quando olhava os livros
abria-se em pautas,
mirando-se -mirando-OS-
nesse desfile de almas.
Compunha-se em vozes:
esse coro gritava-lhe as entranhas.

Dizia-me, por exemplo:
Hoje não consegui dormir,
al berto não se calava,
por isso adocicamos a noite,
enquanto pintávamos a parede em azul visível.
Como não me cabia dentro,
derramei-me inteira ao delírio.
Seguras-me à chegada?

Ela lia como quem canta,
que falta lhe faria a música?

É nesta parte que te digo
do silêncio.
Aprendi-lhe a forma,
ao ver como ela morria
cantando-se em recortes
respirando ar dos livros.
Repetindo.
Repetindo.
Tudo igual.
Nada igual.

1:41,
é o tempo preciso onde as extremidades se encontram.
eu,
ela,
a parede azul de Sines em branco,
o comboio por onde desfilam estas
e outras paisagens.

Sabias que morri durante
a noite?
Velaram por mim os insectos
e as pestanas,
depois havia um filme de um rapaz que lía.
De tanto ler
transformou-se num mito
e nunca mais falou de si.
Quando se nomeava,
visitavam-lhe as figuras evocadas
nas leituras.
De resto o filme era inútil,
não fosse uma mulher amarga
que me fazia lembrar cetim em pele enrugada.

Enchi a mala de viagem,
não estranhes se te parecer um envelope.
Afinal,
cabe-me a vida numa carta.
Rasga as folhas finais,
e cola as partes dispersas
onde te apeteça estar,
seja terra de vida
ou terra de morte.
Saberás melhor de mim assim,
em retalhos,
colada por aí.
Que não te importem as palavras cortadas
ou sem leitura.
Que não te chateie o disco riscado,
pousado em todo o lado,
girando-se aleatóriamente.

1:41,
1:41,
1:41,
é o tempo preciso,
onde no meio do coração aberto,
construo a casa,
a morada,
o abrigo.

Estarei lá.

É um aviso para esqueceres que existo.

14.4.09

Um poema em tamanho de noite . Em púrpura o teu corpo arde.


quando escrevias convocavas a lua.

para que nada faltasse
afiavas a lâmina,
marcando a noite funda
na tua boca.
escrevias demasiado
e um poema falava-se,
autónomo de ti.
Ontem, li-te num poema.
Chamavas-te António:
..."sou a vítima, o resultado
de uma maneira de inclinar os ombros,
quero dizer a sombra do teu silêncio"...
Era desse trapézio sem rede
que atiravas precipicios
em formas escritas.
Parceiros tinhas mais de mil,
cada um amante,
um amor ,
um avesso.
Era noite
e era um enigma.
Ela surgia-te no enredo,
o corpo era real e intocável.
por isso,
seguraste-lhe a insegura anca
tornaste-lhe frágil a tez
para que a pudesses ler nos contrários.

Rasgaste a saia da mulher que te passava na rua,
quero-te nua, quero -te inteira,
quero-te minha no espaço de um poema.
...
a mulher fugiu-te,
porque te preferia sólido,
quente,
não vestido nesse corpo frio
onde escrevias poesia,
como quem corta a pele,
na ilusão de revelar o vazio.

depois,
sem mulher
e com uma saia de ausência
pousada na cadeira vermelha,
escreveste outro poema.
a sala cheirava a incenso,
era insuportável e encantatório.
o poema atravessara-se na mesa,
era urgente escrevê-lo.

Agarravas, frenético, a matéria dispersa
e num acto cirúrgico
dissecavas metáforas.
é engraçado pensar que antes,
muito antes
de veres a mulher nua,
já lhe conhecias
a curva do desespero,
a cintura indefinida,
as unhas incertas,
sem verniz
e sem cuidado.

Escreveste o poema inteiro,
durou-te uma garrafa
e alguma tinta.
Ao nascer do dia
enviaste uma carta para mil moradas.
Eram mil mulheres
no teu poema.
Liam-no.
Comoviam-se.
Incomodavam-se.
Eram mil mulheres
e o poema.
vestiram-no como quem veste uma saia,
taparam a nudez
para sair no dia.
E o poema estava em cada uma,
e agora estavam inteiramente nuas,
mas ninguém reparava na subtil diferença
de ver um corpo aberto no espaço de um poema.

E dentro das mil mulheres,
o seu silêncio revelado pensava-se
em aflição,
tapando com a mão
o coração escancarado nos poros
do teu poema.

13.4.09

6. simples e duas vozes

onde estás?

debaixo da tua pele

onde te guardas?

nas ruas incertas.

a que horas chegaste na noite passada?

não me lembro de ter voltado.

não te vi sair...

saí devagarinho...

porque não falaste da ausencia.

não cheguei a partir.

disseste que


10.4.09

White Chalk. PJ Harvey canta-se no vaso onde descreveste a arquitectura da tua casa


No tempo em que falavas de vasos
e de flores que se emprestavam temporariamente aos vasos,
eu segurava em pano de fundo
um bilhete escrito na noite em que te conheci.
Nesse tempo a luz era escura e incandescente,
com qualquer coisa se aquecia a poesia.
Tu dançavas-te por ali,
o teu casaco era de um preto transparente
que te comia a pele.

Nesse dia fizémos esboços de poemas
que mais tarde bebemos em copos de vinho.
Tu dissertavas sobre luas e filosofia,
perdias o fio,
perdias o fim.
Voltávamos a falar.
Volta a falar-me - pedia-te,
mas nada se ouvia,
nem a nossa voz cruzada,
nem o rio onde o tempo se fundia
e regavamos a infância
na esperança que ela nos crescesse outra vez.
Saberás tu quantas coisas ouvi nesse não ouvir?

FOI UMA NOITE COMO UMA MARCA DE SOL.
Depois nunca mais desapareceste de te encontrar
e esse rio onde nos mergulhamos
correu-nos para as margens,
invadindo o ritual dos dias.
Nunca mais fizemos o mesmo caminho
para regressar a casa
Eram sete dias,
às vezes trinta e tu nunca chegavas a ti,
Alterava-se a morfologia do chão,
porque ora pedra ora asa,
derramavamo-nos ao destino,
que é uma coisa que não se vê
quando se é livre.
Estávamos juntas-sozinhas perante o perigo.

Na primeira noite em que te vi
os cabelos tocavam-te a raíz
de ponta a ponta iluminada,
fumavas-te em cigarros,
uns de nicotina,
outros de papel.
Mas havia cigarros que te fumavam
porque viciados de ti.
Tu deixavas-te dissipar em fumo
e era difícil encontrar-te entre as sombras
e os precipicios.

Nessa noite ficamos a ler poemas
e a ver quem arriscava mais sangue para atravessar a ponte.
Já nessa altura brincávamos com o abismo,
como quem sabe que o abismo também está dentro
em desatino.
Dizias-me:
uma árvore não cabe num vaso,
e no entanto,
ontem,
semeei-me num vaso,
reguei-me.
Dei de comer à roupa lavada
e dormi com um corpo quente de termoventilador.
Tenho a vida cheia de objectos,
a casa já não me cabe nesta tralha.
Vou queimar tudo
antes da viagem.
Será que a casa ficará vazia?
Tu sempre disseste que o teu silêncio
é barulhento e ocupa espaço.
Eu digo-te:
é um poeta que te vive
no sangue,
mas nada disto é definitivo.

Envelhece-me o corpo - cantavas.
Nunca te vi envelhecer - respondia-te.
Desde que te vejo de perto,
só envelheceste uma vez ,
mas era demasiado noite
para poder falar-te com precisão dos teus dedos envelhecidos.
Depois vimos um filme
ou deu-nos para o cinema
e andamos pela rua a fingir-nos actores ou actrizes,
tanto nos fazia.
Ainda tenho nos olhos
a cicatriz desse dia.
...disse-te alguma vez que o sangue esfria?
Deste lado do sol o corpo está predisposto à nudez.
Se houver problemas chamo o poeta.
Ele dirá dos vasos e das flores.
Ele dirá do que te viu
e como te chamavas no Verão passado
quando nascemos do mesmo vinho.
Ele dirá que mais vale andar nu
do que em má companhia.
Tu rirás,
dirás para me deixar nua.
Mais tarde quando chegares,
conto-te a última aventura.

8.4.09

7.

este poema começou

por ser teu.



Era assim que se falava de ti,

eu explico-te,

repara:

Não são os poemas, é o poeta. É o poeta que interessa

4.4.09

Água . Altamente biográfico, sob influência da chuva: Midnight Blue

Agora chove.
Água de chuva cobre o corpo.
São litros de corpo diluído..
Chove-me no centro do sangue.
Vi-te chover
e não consigo respirar,
que é como quem te diz:
quando te ausentas para o país triste foge-me o sono.
atormenta-se o piano,
o poema envelhece.
Está frio dentro de mim.
Está húmida a alma,
bate-se um compasso de granizo dentro
(É só o meu coração a bater...
É só o meu coração a tremer...)

Penso,
reflicto depois de ter escrito,
faço a viagem no meu próprio poema:
Primavera, Verão, Outono, Inverno,e...
Reescrevendo-me,
escrevo-te o que vejo:
Foi o coração que me ensinou.
Foi o coração que me despertou.
O poema estava errado.
Ele - o coração- caminhou sozinho durante a última década.
Passaram só dois dias - digo-te.
Não me acreditas.
Tu contas tempo com o coração
e o coração tem gomos diferentes.
Tu compuseste um tema
que me cantava na jornada,
que jorrava a chuva
por qualquer parte onde se tocava.
Depois secaste
e a chuva nunca teve tanto peso.
Eu queria corrigir...
Eu queria corrigir o poema.
Lê-me agora:
Enganei-me quando escrevi
que se escreve sem olhar.
Existem olhos dentro,
olhos fora,
não ver é uma forma de ver.
ver mais fundo é uma forma de REver
- repetir o ver-
dobrar, triplicar, multiplicar o ver.
Uma bola de espelhos oculares
apontando infinitas dimensões.

Este poema chove
e este poema é para ti.

Queria dizer-te:
Se tu me acabares
o céu veste-se de cinza.
a cinza é triste.
a cinza é de árvore que ardeu.
a cinza é de corpo que morreu.

Li não sei onde:
Não me morras..
Agora a frase despertou,
porque queria ser-te dita.
A função de certas frases,
a função de certas músicas é existirem
para se guardarem.
Ocupam arquivos antiquíssimos do esqueleto,
passam séculos sem que ninguém saiba delas,
ou por onde se caminham.
ou por onde se respiram;
depois,
porque chove
ou porque faz sol
a frase regressa.
As frases são climatéricas.
O meu corpo é climatérico.
O meu corpo tem frio
e está calor nesta esfera.
O teu corpo é climatérico?
Depois será Primavera,
li numa carta que me chegou.
Na Primavera há pássaros
e os pássaros são feitos de sol.
Depois,
na estação da luz,
dançaremos.
A parede premedita um baile.
Será azul.
Blue.
Blue rima com triste.
Blue rima com azul.

Não fiques triste.

3.4.09

8.

O plano era este:



pegar fundo na caneta,

dissecar pormenores.



O plano era este,

e era um plano morto

e era um plano vivo.



Era um plano

que às vezes ficava calado de angústia,

como quando se fala

para uma multidão

e a voz se apaga,

mesmo cheia.



Era um plano infantil

mas exterm

1.4.09

Pierrot le fou. Godard visita a casa. 1965. 2009

A Partir dos Equinócios de al berto . Sombra e Luz. Gomos de Laranja.


Intro:
Partem-se os equinócios,
a duração em poema, de Peter Handke,
ressalta na planície.
O poeta é meu guru, tudo me faltará.
O Equinócio:
NOTA 3:A DURAÇÃO DE UM EQUINÓCIO:
-Ocorre excepcionalmente, duas vezes, em cada ano.
-Dia e noite ocupam o mesmo tempo de vida.
-Uma laranja: 24 gomos.
12 gomos de dia.
12 gomos de noite.
Pós-Equinócio ou Pós e Equinócio:
Agora que os dias são laranjas irregulares,
o relógio dança mais.
Houve um dia que se esqueceu de caminhar,
e ficou a dançar
durante mais de 45 gomos de tempo.
Na duração da laranja diurna
os pássaros retornaram ao arco-íris
Foi um espectáculo memorável:
o reinado da luz.
Depois o estado dos pássaros:
uns cansaram-se,
outros cegaram.
A Explicação:
A luz quando aponta o meio-dia
fere os olhos se vista de frente.
Olhos de pássaro ou olhos de gente, pouco importa.
Houve pássaros que depois de (se) repetirem a (na) luz
nunca mais puderam vê-la.
"Dias mais tarde recordo agora"...
Seguiram-se 38 gomos de tempo nocturno,
as cavernas escavaram-se efémeras,
todas de vidro vestidas,
reflectindo-se em sombras.
Pequenas velas regavam o chão,
houve quem se queimasse de propósito,
só para poder falar disso mais tarde,
num poema ou num serão.
Ter o que dizer era uma coisa vulgar nas
laranjas de tempo - noite ou dia-
que corriam.
Os olhos e a noite acostumaram-se.
Apagavam o sol dos desenhos,
repetidamente.
Nasceram rostos sem olhos...
foi hediondo!
Os amantes entristeceram
(Eram tão belos os teus olhos, amor...)
Alguns poetas deixaram mesmo de escrever,
como só escreviam acerca do que viam,
acabou-se-lhes a matéria.
Estava escuro,
os gatos ficaram todos pardos
e as pessoas também.
Eu como laranjas e gomos.
Eu não conto os gomos.
No entanto,
atendendo à diversidade que se me coabita,
explico:
a vizinha do lado de dentro do meu coração
não se importava de viver em equinócio permanentemente.
É bom para as colheitas selectivas!- pensa ela.
O meu pé direito caminha melhor quando há luz,
por isso está atento, só compra laranjas de gomos cor de sol.
A minha mão inspira-se de ar sob a noite profunda,
respira melhor quando os gomos se vestem de escuro.
O meu nariz cheira sempre o mesmo, noite ou dia,
mas quando escreve,
escreve sempre diferente.

Agora leio,
já não escrevo,
porque este poema perdeu-se nos gomos de tempo,
está indeciso:
noite-dia,
sombra-luz.
Fica-se pela citação em Yin e Yang:
- Um excesso de escuridão afecta a mente.
- Um excesso de luz afecta os sentimentos.
- Um excesso de vento provoca doenças nos membros;
- Um excesso de chuva provoca doenças no estômago;

... seria o equinócio a solução?

31.3.09

Escreve na parede do meu peito . (ESTADO: líquido)

"As coisas, por exemplo, começavam todas pelo princípio e acabavam no final. Por isso, nesse tempo, para ele tinha sido uma grande surpresa, e nunca mais as esquecera, umas declarações do cineasta Godard onde dizia que gostava de entrar nas salas de cinema sem saber quando é que o filme tinha começado, entrar ao acaso em qualquer sequência, e ir-se embora antes do filme ter terminado. Seguramente, Godard não acreditava nos argumentos. E possivelmente tinha razão. Não era nada claro que qualquer fragmento da nossa vida fosse precisamente uma história fechada, com um argumento, com princípio e com fim."

Enrique Vila-Matas, Doutor Pasavento (Teorema, 2007)

29.3.09

BANG BANG

Bom-dia, meu amor.

Vim dizer-te qua a rua ardeu
e o avô fez anos de morto.
Desapareceram-lhe os poros,
e já mal se lhe guarda o esqueleto.
A terra comeu-o,
mas um lírico diz-me que o corpo morto
germinou em jardim.

De que me valem essas flores?

Na aldeia ninguém se fala,
o corpo cansa-se de espreguiçar murmúrios,
e depois com as ruas queimadas,
os pés ardem nos caminhos.

Na aldeia não se fala de pés,
mas era através dos pés que se falava.
Havia algo de encantatório nessa conversa que caminhava.
Que se caminhava.
Que se encaminhava.
Agora,
aninhados os pés em silêncio,
tornou-se difícil explorar outras geografias falantes do corpo,
do copo.

Enche-me o copo de sol.

Foi por isso que esta carta
foi nascendo até se gritar.
Eu estava cansada
e parti a guitarra
contra o espelho.
A melodia reflectida,
a melodia despedaçada,
não imaginas como escureci.

Desde que a aldeia está calada
já não se sonha
a não ser que se boceje.
mas ninguém entende de bocas,
ninguém beija essa estrutura de carne feita para amar.

Meu amor,
com a guitarra partida
e os pés calados,
custa-me a chuva
que se cai em cinzento.
A água que me caíu dentro,
era devassa,
arrastou um livro
que tinha ilustrações de uma ilha
onde a boca falava,
onde a boca reinava.


Nada disto esteve para se dizer,
meu amor,
os dias são apenas dias,
quando o pensamento se cansa de se pensar.

Hoje andei a tarde inteira a correr atrás de um poema,
comprei-o por um valor que ele não tinha.
Era um poema de um homem que trazia outro homem dentro.
Quando segurei o poema na mão,
a mão escureceu.
Lavei-a com tinta,
voltou à cor que antes tinha.
Voltarei a ter a cor que tinha?
Esse poema caminhava arrastado
num saco verde
e o pai era um homem magro
que não era bom contador de histórias,
mas de notas sabia,
escrevia-as por todo o lado.
O homem e o seu duplo,
transmutados em estátua,
tinham por companhia uma caravela azul e branca.
Era um bocado feia,
ningúem a queria,
por isso comprei-a
e nunca mais a ofereci.
Somos muitos,
e quando te escrevo
confunde-me a estátua,
arrepiam-se as palavras caladas dos pés,
o esqueleto range no jardim.
a caravela pinta o seu rosto de convés
e transforma-se diva
por cem dias.
É desta aldeia em desatino,
em que de um louco se faz um menino,
que te escrevo.
Estou bem,
os dedos permanecem altos
e apontam nortes como bússolas.
Sossego agora.
Guarda uma fatia do teu silêncio
para te engolir de perto.
Volto no Verão.

Porque é um acto de amor. nota confessionária onde o poema reina devagar





Em casa de livros, quem tem amor singra, se não pela venda, pela criação de um país de infinitudes. Esta casa tinha livros que ocupavam tudo. As paredes eram um livro imenso. Passeavam-se por lá fantasmas idos de escritores nos seus escritos, nas manchas negras que habitam o univeros branco... essa casa metafórica... essa casa em metamorfose que é um livro a acontecer-se.

ESTA CASA É MUITO BELA.

Hoje visitei-a nas imagens.
Eu queria desta casa uma porta aberta, uma sesta no sótão do seu abrigo.
Que assim seja, que assim se leia, pelas ordens que regulam o despojamento.

(Nick Cave em banda sonora aleatória canta no momento da escrita).



23.3.09

LUME


Deixo que o LUME segure a minha mão.

O interior da mão -
imagino,
imaginamos-
é de nuvem que não te chove:
segura-te.

Escrevi-te um livro inteiro e está todo em branco.

Leio-to (lendo-te) para que entendas como é barulhento o silêncio dessas páginas.

Assim,
suspenso no tecto do coração
fotografas a rua,
eu não estou lá,
mas ouço ao longe o soletrar
de uns passos.
Reparo:
a vizinha é alta e esguia,
e ateia o fogo para limpar os móveis do jardim.
A noite, essa, pode esfriar no prato,
porque te distrais a contar
o tamanho de um ovo
e eu penso que é belo ver
como trabalham as tuas mãos.
Dizes que o labor
é precioso,
isso espanta-me,
desperta-me o improviso:
canto alto na rua
para que notes que me comovo
quando te expandes em minunciosas tarefas.

O lume está agora dentro
de casa,
a montanha diáfana enche-se de pássaros
que nomeias pela ordem das visões.
Abres o sol em gomos,
comemos o sol
e é bom.
Esse incêndio de luz
incandesce no sono.

Eu nunca soube se uma aldeia se compra,
ou se se pede de empréstimo
às criaturas e aos montes.
Mas sei que buscaria terra
e plantaria poemas nos vasos,
para que chegasses mais cedo
aos braços que já te moldaram mil vezes.

É noite agora,
as mãos pintam-te no rosto uma palavra
cheia como uma lua.
De manhã,
seremos três,
tu,
eu
e a voz citando al berto:
"quando acordares, e abrires a janela"...

9

para que os dias possam cantar,

espremias estrelas no asfalto.

21.3.09

10. POEMA (realmente) EM DOIS TEMPOS. UM ERA MANHÃ O OUTRO ERA DE NOITE (mas este poema é longo, procura-se terceiro)

Nesse dia,


enquanto a noite era o avesso do dia distante,


eu tinha


-finalmente-


percebido:






Uma história é o que nos pousa nos ombros.


é o que nos fica,


queda-se, hesitante, depois segura.





Mas como as histórias nem sempre têm voz,dedica-se a alma


,que é uma porção do ser, dedicada a causas mínimas de elevadas dimensões)


a descoser as linhas que atravessam



as redes.
São de nevoeiro e ardem.





Eu comecei este poema há mil anos,


eras tu ainda pequeno.


Visto à luz de palma da mão,


assentando a atenção nas tentativas de vislumbre,


confundia-te com uma linha


- dessas que traçam itinerários de riso e de perda.





Cosia-te então,


primeiro à rua,


para que os pés soubessem o caminho,


depois ao céu,


para que os olhos se abrissem em vôo.


(não acredito em ASAS. Faltam-lhes vocação para se humanizarem.


não consigo fazer nada com elas para além da prática de simulacros)

18.3.09

11.

No dia em que te fotografei pela

última vez,

escondi-te o rosto

atrás de mim.



Agora ando com a tua sombra,

que é uma cara sem pernas,

preciso carregá-la nos ombros,

de um lado para o outro lado da rua,

e ás vezes são pesadas as linhas do

teu rosto,

nas linhas da rua

17.3.09

PEDRAS para sentar OU PEDRAS por assentar

Este é o banco
onde podes sentar as
pedras.

Mais tarde, quando voltares a
passar pelo banco,
onde descansam as pedras
adormecidas de sol,
atira-as para longe,
tenta acertar no alvo!
Há quem pense que é uma mulher bonita,
mas não acredites.

Ela não acredita.

Podes escrever-lhe um poema sobre pedras
ou sobre lagos
ou sobre bacias que guardam lagos com pedras.
Ela preferirá sempre o poema que não escreveste.

Podes passar-lhe a mão nas pernas e nos pêlos,
podes ver como arranham,
podes ver como doem.
Não são suaves como sonhaste que seriam os pêlos da
mulher amada,
mas são pêlos e são os dela.

Esta mulher pensa que a estética
se resume quase sempre a um corpo que baile bem.
prefere bronzear livros ao sol,
que é como quem diz deixar os braços fora
da janela do corpo,
e deixá-los avançar,
seguros,
satisfeitos,
num baile sem asas.

Das pedras, a mulher,
sabe de cor (e pela cor) o sabor
...e nunca foi o de sopa.
Fossem deliciosas as pedras
e bordaria com elas um coral.

As pedras são amargas.
As pedras são pesadas,
principalmente se carregadas nos bolsos
de um casaco que não se despe.
(e esse, tenho ouvido,
resguarda-se debaixo da pele,
longe dos toques
e das mãos)

16.3.09

VINIL VIL, VIL VINIL

a página acendeu-se.
este seria o poema certo para te ler,
mas...

não estou aqui para ler poesia,

fechou-se o cardápio,
volta quando a noite cair
do cimo de si onde se sustenta,
espalhada no chão,
confusa de estrelas e astros
assustados pela enorme queda
(chora mais quem cai primeiro,
é a regra do cosmos,
para que o último escute esse eco.
... não é uma questão de ego...
é uma questão de eco-eco-eco-ec-e-...)

Se preferes a lua cheia porque não
compras uma somente para ti?
Tu e a tua-lua-tua-lua.

Não me olhes com cara de mau,
sabes que não é assim que te vejo,
o reflexo é sempre o do outro
e esse já sabes, comove-me
provoca-me inquietude,
deixa-me os dedos calados-colados.
Deixa-me os dedos parados.

Enquanto o teu nome couber inteiro
no vinil antigo
e os Velvet disserem de ti
o que tu apagas,
este dia continuará a ter qualquer coisa de teu
-não sei se a luz, se o cheiro, se a impressão de te ver entre outros-
ou tu, aqui,
neste lugar arredondado
onde guardo mundo
em quadros sem telas.

O vinil é um tipo de plástico muito delicado e qualquer arranhão pode comprometer a qualidade sonora. Os discos precisam constantemente ser limpos e estar sempre livres de poeira, ser guardados sempre na posição vertical e dentro de sua capa e envelope de proteção. A poeira é o pior inimigo do vinil pois funciona como um abrasivo, danificando tanto o disco como a agulha.

(in Wikipédia)

15.3.09

EQUINÓCIO com demasiados parêntesis


De cinzento a cinzento penso a parede.

(a parede é uma matéria ingrata
quando se fala baixinho,
primeiro, gastam-se as palavras nos tijolos,
depois gasta-se a cor com o tempo que as palavras levam
a desenvencilhar tijolos e letras,
por fim, gastas pelo tempo,
as palavras desistem,
comem definitivamente a cor
e o silêncio tem o seu supremo reinado).

O teu silêncio quebra o corpo da flor
(passara horas a desenhá-la no jardim)
O teu silêncio mutila o lado risonho onde navega o segredo filosofal

O poema visto do avesso transformou-se noutra estrutura...

Do fim para o pricípio as letras nunca mais se encontraram,
por isso este poema pode ser mau,
por isso este poema deve ser mau:
é como um corpo que não se entende,
pernas para o ar,
coração em vez de rins,
água inquinada como conversa que se matuta e não se diz.

Nem riso, nem rizomas,
fazem parte deste prato que serves com lágrimas sem sal.
(trago apressada o saleiro,
encho-te os olhos de sal,
não para salgar lágrimas
-eu sei que é uma perda de tempo salgar lágrimas-
mas para trazer viva a memória do primeiro
mar,
do primeiro sorriso
e do teu corpo horizontal a ocupar toda a visão da planície)

O esforço deve ser nenhum
quando a alma é empática,
(sussurra um sábio velho, um sábio chato, um chato velho!)
Mas na verdade,
eu penso que essa filosofia não me cabe dentro da cabeça,
escrevo-a de cor, mas sem salteados.
Não cabe o sapato nesse pé
tropeça, vacila,
é um sapato vazio caído na rua,
(fico triste quando vejo sapatos sem dono,
perdidos na rua.
Fazem lembrar gente morta).

Por fim,
dizes-me para colocar o saleiro num lugar onde eu não o veja,
um mar ido não deve ser evocado com estratégias de diversão.
Agora tudo sério, dizes,
Agora é a sério, dizes,
esfregando as mãos, confiante.

A tinta certa pinta a parede cor-de-laranja que me dedicaras,
já não tem laranjas, nem flores brancas em período de gestação,
é uma parede cinzenta
onde peregrina a melancolia que sabe de cor
o sabor do sal.

(Se este poema tivesse uma etiqueta seria: "EQUINÓCIO",
mas não sei porquê... sabe-me bem esse nome...
Esse nome cabe no sabor deste poema)

NOCTURNO. Nuno Júdice

Nocturno . Nuno Júdice

Sair de casa, digo, ir ao teu
encontro e dizer-te aquilo que
noutro tempo nunca ousei dizer-te: "O amor..."
Ou então, saberás tu que o amor nem sempre
pode ser dito como se diz que vai chover,
ou que o cansaço da vida é um sentimento incómodo,
e até frequente, nos dias que correm?
Mas os teus olhos talvez
me dêem um sinal: como se para além deles
se abrisse um descampado, o deserto inóspito
das sensações. "Voltarei a ver-te?". O essencial
nunca está nas respostas,
que dizem a verdade ou o seu contrário. São os teus olhos que me interessam;
um murmúrio perto de mim, sobre as conversas e a músca.
Porque aquilo que , de súbito, descubro
em ti é a voz com que me falas, e que traz
consigo o eco de outro tempo. Não te
respondo, então- onde iria encontrar,
também eu, essa voz antiga de que
me esqueci nalgum canto do passado? Com
que falsa entoação, jogo de actor esquecido
das deixas, máscara de simuladas
sinceridades, te diria: "Amo-te"
(Mas o amor nada tem a ver com as palavras;
nem a breve pressão dos dedos no corpo
pode traduzir o que perdi, algures,
ao ver que te afastavas por entre
as árvores e os anos.)

11.3.09

Dizias.

talvez a lua se ausente dos reflexos do mar, dizias.
não procures a lua onde ela não está, dizias.
a lua morreu, dizias.

eu parava, escutando-te
uma atenção latente debaixo das pálpebras, porque de ti interessavam-me,
primeiro: os olhos (reliquiário de histórias)
segundo (segundo a segundo, minutos muitos): a pele (película transparente de anfíbio)
terceiro: as algemas (várias, rodeando cada um dos teus braços, enroscados no centro do coração).

Depois dizia-te: a paisagem que inventei tem a banda sonora do Paris Texas e os anjos saltaram de filme em filme e pararam no parapeito deste deserto.
Consegues vê-los?
Pretos e brancos, dançam num ritual simples chamado abraço.

A lua morreu, dizias.
A noite não está onde julga estar, dizias.
Não se chega a um lugar onde nunca se viveu, dizias.

Já era tarde para avisos...

Eu rascunhara luas no céu e os anjos vestiam agora jaquetas verde-alface,
calçavam sapatos prateados
a a cor tomava conta de um grupo de rãs que em vez de coaxar, cantavam o alfabeto e contavam sementes num frasco de vidro muito fundo, muito vivo.

A lua morreu, dizias.
Guarda o envelope e não envies a carta, dizias.
Não voltes a ligar, dizias.
Nunca entendi a tua voz, dizias.

Eu fingindo não ouvir,
corria o deserto, que agora era um rio onde podiamos mergulhar,
mas sem truques de sereia era difícil poder levar-te.
Preferias terra quente,
desertos de areia,
anjos pretos e brancos,
rãs a coaxar.

Tudo no lugar
(Menos a lua que não é tua, não é minha... é de quem a apanhar)

2.3.09

Agora vai ser simples. Antonio Franco Alexandre. FOGE BANDIDO. Manel Cruz

Agora vai ser assim: nunca mais te verei.
Este facto simples, que todos me dizem ser simples, trivial,e humano,
como um destino orgânico e sensato,
Fica em mim como um muro imóvel,
um aspecto esquecidoe altivo de todas as coisas, de todas as palavras.
Sempre nos separaram as circunstâncias, e a essência mesma dos dias, quando entre a relva e a copa das árvores
me esquecia de pensar, e o ar passava
por mim antes de erguer os caules verdes e alimentar
a vida sem imagens da paisagem.
Marcávamos férias em meses diferentes.
O fim do ano, a páscoa, calhavam sempre
em outros dias. Tesouras surdas
rompiam o cordão dos telefones, e por engano
urgentes cartas atravessavam o planeta, apareciam
anos depois no arquivo municipal. E mais: a minha idade,a tua, não poderiam nunca encontrar se no mundo.
antónio franco alexandre
poemas assírio & alvim

there is a tree...

se eu fosse esse peixe verde, por onde as ondas espreitam os jardins e pudesse agarrar o teu corpo, de lés a lés azul, sem te ferir.

imersa nesta gramática de cores, os passos são lentos mas parecem velozes.
não ligues.
não interpretes.
eu cuido das tuas mãos sem rasgar com elas os meus diários visuais.

14.2.09

No sentido lógico da paisagem

É a terceira vez que agarro neste pedaço de tempo para te escrever.

A verdade é que li muito ("pela tarde e pela noite dentro" al berto), à procura dessa palavra que completasse estas desorganizadas matérias, que são vida e movimento.

A planície já te disse, é escassa e prende os olhos quando se escuta de trás para a frente.
Há quem prefira assim, seguindo a inversão dos lugares, mas eu queria explicar-te esta geografia sem invasões ou metáforas, num sentido linear, que ordena as cores pelas sua lógicas:
o verde nas árvores,
o azul no mar,
o vermelho no sangue.

Um coração deve ser contado pelos dedos:
um, dois, três, quatro.
Depois compor um tema e uma dança ou dormir ao luar.

LOVER'S DAY .tv on the radio.



7.2.09

corps nu

Estendido o corpo ao mar, todo o silêncio tem a espessura dos sonhos habitados.
Quebrados os sonhos, ficam dispersas quilhas de navio, como corações bizarros, despidos de cor.

Os pés caminham e são continentes dispersos no mundo,
como se o corpo pudesse simultânemente entregar-se ao mar e permancer em terra.

Assim cantam os desejos, mas nada do que essa parcela lírica semeia pode ser levado demasiado a sério.
Esse desejo pode cegar e entorpecer a pele.
Um corpo, precisa de corpo para se saber.

3.2.09

12.

As ondas entraram dentro dessa superfície iluminada, que é um coração mesmo quando apagado.

Os poetas abrigados no saco de viagem iluminam-se para leituras.

Se pudessem diriam em voz alta os longos relatos de alma, que foram sendo.

Discursos do tempo,que é como quem entrega a cabeça ao vento e fica a ver o céu sugar-lhe as imagens, transformando-as em mutáveis nuvens.



Este vento não pára.

Nem esta sobrevivência que é levar a

31.1.09

Céu aberto

Preparei-te esta cadeira que tem paisagens de mar à solta.
(sentados, conversaremos com as mãos,
numerando imagens velozes,
cultivando luzes no campo aberto da nudez)
Quando chegares,
escutando a velocidade dos teus passos,
escreverei no silêncio estas metáforas que te nomeiam entre os seres, como o AR,
como a melodia que engravida os dias de sol.

Vestirei o casaco vermelho manchado de coração,
pensarei no que estarás a pensar,
depois não pensarei
e atenta, escutarei o teu movimento de asas,
atravessando as ruas.

Trarás o teu corpo,
onde inscreves e corriges diariamente as estruturas do planeta,
lembrando uma criatura que o meu corpo, por sua vez,
reconheceu milen-AR.

E será um dia completo.

Fui ver as árvores.

tenho estas palavras,
onde cabe exactamente o teu coração.

29.1.09

"Os meus dedos não se cansam de nomear-te" al berto

Sob criação lunar, a casa manifesta-se ao mundo

o discurso projectado pela paixão. herberto hélder .
entrar no coração como um braço vivo
OS MUSEUS IMAGINÁRIOS DE MALRAUX

o continente submerso. o navio de todos os amantes por onde rola a carruagem onde viajamos,
pintada de liberdade e poesia contigo a dormir sobre o meu peito . antónio maria lisboa
tu conhecerás o temor e transformarás a terra. maria gabrriela llansol

trazer aquilo que é anterior ao esquecimento . antónio ramos rosa

um reino tão fascinante que não tinha rei . gonçalo m. tavares


.