23.3.09

LUME


Deixo que o LUME segure a minha mão.

O interior da mão -
imagino,
imaginamos-
é de nuvem que não te chove:
segura-te.

Escrevi-te um livro inteiro e está todo em branco.

Leio-to (lendo-te) para que entendas como é barulhento o silêncio dessas páginas.

Assim,
suspenso no tecto do coração
fotografas a rua,
eu não estou lá,
mas ouço ao longe o soletrar
de uns passos.
Reparo:
a vizinha é alta e esguia,
e ateia o fogo para limpar os móveis do jardim.
A noite, essa, pode esfriar no prato,
porque te distrais a contar
o tamanho de um ovo
e eu penso que é belo ver
como trabalham as tuas mãos.
Dizes que o labor
é precioso,
isso espanta-me,
desperta-me o improviso:
canto alto na rua
para que notes que me comovo
quando te expandes em minunciosas tarefas.

O lume está agora dentro
de casa,
a montanha diáfana enche-se de pássaros
que nomeias pela ordem das visões.
Abres o sol em gomos,
comemos o sol
e é bom.
Esse incêndio de luz
incandesce no sono.

Eu nunca soube se uma aldeia se compra,
ou se se pede de empréstimo
às criaturas e aos montes.
Mas sei que buscaria terra
e plantaria poemas nos vasos,
para que chegasses mais cedo
aos braços que já te moldaram mil vezes.

É noite agora,
as mãos pintam-te no rosto uma palavra
cheia como uma lua.
De manhã,
seremos três,
tu,
eu
e a voz citando al berto:
"quando acordares, e abrires a janela"...

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