17.12.08

as casas

é nesta casa feita de frio e matinal geada, que o coração repousa. faz frio no mundo. faz frio no coração, mas nada disso rouba esplendor às cores (também frias) do fim do dia.
esta casa tem o tamanho da minha viagem e a passagem para muitas outras casas, todas cheias de portas, qual Alice no país de maravilhas e horrores.
esta casa agrada-me, porque as casas agradam-me. As casas são efémeras ou então peremenecem na memória ( e as efémeras também se guardam). Diz o Gonçalo Tavares que a memória é emocional. Concordo e aceno a cabeça afirmativamente, numa cumplicidade próxima que é afinal distante A memória quando chega, iluminando os olhos de imagens interiores, altera o espaço e o estado do coração dentro e por dentro de si. Como se aumentasse de peso, de estatura, de estrutura.
as casas guardam-se dentro e vivem por fora. (Eu penso que a memória entra pelos olhos. quem disse foi o Herberto Hélder)

3.12.08

Admirável mundo novo


Despe-te de verdades
Das grandes primeiro que das pequenas
Das tuas antes que de quaisquer outras
Abre uma cova e enterra-as
A teu lado
(…)
Mário Césariny

Fazia escuro, fazia luz, as praias rodeavam o silêncio(…) Mas não era o caos, era a caótica natureza da sua carne em marcha que, rodando mais uma vez sobre si mesma se aquietava (…) Não seria sonho ou delírio ou disfarce. Era a realidade absoluta.
Maria Gabriela Llansol


Tratava-se de descobrir um novo idioma na geografia dos afectos. Assaltar de rompante o coração, invadir as artérias como se rasgasse partes planeadas de vida.
(O sangue corre diferente. O corpo tem uma velocidade diferente. As mãos são diferentes.
Toco no meu rosto e noto-lhe linhas diferentes)

Situo-me no presente, mas parte do corpo paira, atmosférico, na memória dos lugares.
(Eu queria dizer-lhe que ficasse tempo suficiente para quebrar o cuidado que nos esconde uns dos outros, mas não digo. Ele é bonito quando esquece o vício que lhe esconde o brilho original.)

A ilha é um deserto ocupado e a antítese corresponde ao ritmo secreto da monótona e sempre nova paisagem.
Explicando (há no gerúndio um tempo em movimento, como disse a Llansol):
Casas que entram noutras casas, lugares como bonecas russas, olhos fundos, saídos da terra que é seca e quente.
Todo o fascínio das revelações.
Depois há um fonema que parece cantar e iguala os vivos aos mortos, os mortos aos vivos.

Assim, dispo o inútil casaco que cobre os meus ombros, mostro-te o coração que guarda cicatrizes, amores e acalentos. Mostro-te o poema para que não compreendas porque vou embora, quando falta ainda repousar.
Digo-te que ainda desconheço o tamanho dos meus braços ou quanta gente lhes cabe dentro. Um movimento, um movimento, um movimento para que eu prenda a vertigem à porta da rua e congele a sua ilusória sede.

Vim dizer-te que cheguei para ficar, mas parto amanhã.