12.10.10

para onde vamos

Parece repetido.

Não é repetido.
A memória arquiva lugares como essências de perfumes únicos (isto faz-me lembrar o “Perfume” que eu nem sequer li ou vi, confesso).

Estou em Singapura, mais uma vez OU pela primeira vez.

Espero.
Aguardo no centro vivo destas passagens em trânsito que separam hemisférios (e línguas e modos e sons e cores e jeitos de estar e até jeitos de amar ou odiar), repenso tudo e repito.
Nada é igual. Tudo é igual. Saco do revólver e disparo contra a monotonia. No entanto, esta tristeza parece-me familiar, próxima, conheço-lhe a evolução, sei como cresce (sou eu que a rego e alimento), imagino o que se seguirá... acrescento à tristeza uma apatia que me anestesia: as pala-vr-as est-ão lentaaaaasssss,
como eu,
como as imagens,
como os teatros do mundo.

Apetecia-me outro corpo para vestir e uma cara mais alegre... penso no que me disseram: aceitação,é preciso aceitar. Mas é inútil, sou péssima a trabalhar tal estado.
Estou em Singapura, frente à Areia Branca, anseio abraços de sobrinhas e tenho ritmos quentes a bailar no meu imaginário. Somos realmente habitantes de muitos lugares, ao mesmo tempo.

Um pé de feijão para escalar e ver o mundo lá de cima
ou uma alamofada tamanho XXL para ter um sono maior do que esta ansiedade.

Hoje estou a rasgar os teatros, as cortinas, os papéis. Cansada dessa metamorfose, admito não me saber viva doutra forma. Volta-me o Mia Couto e uma conversa de fim de noite: o que ele escreve é tão irreal, que é real. O que ele escreve é tão específico de um lugar, que é do mundo. O Mia Couto faz relembra os lugares desconhecidos que praticamos com menos frequência... deixo uma sugestão: práticas de ternura exagerada várias vezes ao dia, falar mais de mitos do que de “miNtos”, fazer um baile, beber o vinho, amar a mulher-a-dias, escrever as melodias no beiral do mundo.

Se extendessemos a capacidade de VIVER (essa capacidade INATA) pelos minutos do dia, creio que menos livros seriam necessários para nos revelarem esse “ímpios” caminhos, que no limite são apenas uma alma inteira.

(Ou transformar-se-íam os livros em páginas novas e imprevisiveis,
letras coreografadas pelo poder dessas visões.)

Não quero adormecer as quimeras que me movem, os sonhos que me encantam. Se me falhar essa asa, essa C-asa, esse pousio inconstante de constância, terei que me fazer outra, doar a biblioteca a um qualquer cemitério de gente viva que já morreu e ver se o rastilho funciona com outra lenha.

Fica a certeza partilhada: tudo até hoje, com dedicação, preguiça, altruísmo, individualismo, curiosidade, ânsia, voracidade, teve, se não amor, essa voz de fundo que é um coração a guiar um volante de um veículo orgânico, ora pernas, mãos, pensamento, ora emoção sozinha e grande.

Timor meu, disse o Nélson. E hoje tenho esse eco, essa terra, no meu frágil jardim humano. Espreito a janela do aeroporto e faltam palmeiras e ervas secas...
e falta-me esse caos, essa beleza.

Agora vou chover com as nuvens do lado de lá.
Encontramo-nos já, ou agora mesmo que vos penso...