15.3.09

NOCTURNO. Nuno Júdice

Nocturno . Nuno Júdice

Sair de casa, digo, ir ao teu
encontro e dizer-te aquilo que
noutro tempo nunca ousei dizer-te: "O amor..."
Ou então, saberás tu que o amor nem sempre
pode ser dito como se diz que vai chover,
ou que o cansaço da vida é um sentimento incómodo,
e até frequente, nos dias que correm?
Mas os teus olhos talvez
me dêem um sinal: como se para além deles
se abrisse um descampado, o deserto inóspito
das sensações. "Voltarei a ver-te?". O essencial
nunca está nas respostas,
que dizem a verdade ou o seu contrário. São os teus olhos que me interessam;
um murmúrio perto de mim, sobre as conversas e a músca.
Porque aquilo que , de súbito, descubro
em ti é a voz com que me falas, e que traz
consigo o eco de outro tempo. Não te
respondo, então- onde iria encontrar,
também eu, essa voz antiga de que
me esqueci nalgum canto do passado? Com
que falsa entoação, jogo de actor esquecido
das deixas, máscara de simuladas
sinceridades, te diria: "Amo-te"
(Mas o amor nada tem a ver com as palavras;
nem a breve pressão dos dedos no corpo
pode traduzir o que perdi, algures,
ao ver que te afastavas por entre
as árvores e os anos.)

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