26.7.08

...

Escapaste ileso, meu amor.
Agora guarda a aragem do não dito pelo dito. Contradiz a minha vontade de marcar o teu número na minha pele.
Impede-me de alcançar o teu sorriso. Fecha a boca ao hálito do desejo e deixa que a voragem e o assombro, sejam desejos deslocados, como mãos sujeitas a esforços prolongados.

Cerra-me as pestanas minuciosamente, repetindo a cada segundo a fuga, até me veres morta de cansaços.
É um desassossego, viver com tanto amor nos olhos…
Vira as páginas do meu cabelo, acelera o compasso da melodia que celebra os teus regressos.
Essa melodia é um engano, meu amor.

Não dês importância ao tamanho absurdo das minhas palavras, para que eu esqueça a proporção dos afectos.

O amor lateja nas pálpebras.
O amor lateja nas pálpebras.
O amor lateja nas pálpebras.


…Deixa-me ir mesmo quando regresso.

23.7.08

COMO UM ROMÃ-CE ou Penélope, a história de um fenómeno meteorologico

Penélope, tinha um nome exótico e um corpo abandonado ao mar. Repetindo o caminho e revendo a paisagem, verificava pormenorizadamente o percurso e as suas falhas.
Nesse trajecto, esquecera muitos nomes, e contava as caras que perdera de vista, variando a ordem de afectos, como quem varia a polpa dos dias.
Penélope corria para longe de si, mas era inútil a fuga, porque vestia-se de melancolia. Penélope respirava mais fundo do que o fundo do mar onde se abandonara, procurando coragem, audácia, secretos alimentos de alma, que pareciam levá-la mais depressa para novos lugares.
Hoje podia ter chorado, mas não chorara. Deixara-se perdida, frente ao sentido obrigatório, que aponta lugar nenhum, fora da carne, fora de si, na extremidade do possível. A mente coberta de fina neblina e frio no interior dos ossos, e frio entre os dentes e frio nos poros da pele e frio na cavidade do coração. Penélope não sabia para onde se dirigia, mas persistia. E era tolo quem lhe encontrava algum acto de bravura, porque estava frágil e só podia partilhar esta verdade, silenciosamente e sozinha.
Mais logo, quando a noite chegar, Penélope pensará mais e o frio será maior. Vai ver uma bela mulher a dançar com os seus fantasmas. Mulheres à beira do desamparo. O que fazemos com isso? Como gastamos isso? Surge vivo o café, muitos cafés, muitas cadeiras, que são miradouros de passagem. E uma vez mais os caminhos, um, dois, três, quatro, muitos. Há caminhos que não se contam, há caminhos que não se cantam. “Há textos que são a transformação de uma vida”, ela lê a frase, repete-a. Estão 19 graus, e ela está num lugar que não quer nomear, porque isso seria situar-se onde ela não está.
Farta de lugares comuns, farta de ideias de lugares, farta de LUGAR, LUGARES, L-U-G-A-R.
Defende-se com memória e projecta no horizonte a vontade repetida. Perdeu a vizinhança, que é como quem diz, ficar dentro de uma casa vazia, com gente dentro. São caixas em cima de caixas. É cinzento e pedra. São braços que faltam aos braços, tudo ao contrário, como num espelho que reflecte o inverso, como num corpo que repele o peso das circunstâncias. Farta de pragmatismos baratos, acredita que o coração pode ter aço dentro e no entanto, para lá de todas as evidências, quebrar-se com o tempo, quebrar-se com o vento.
Só um livro como aquele podia salvar o mundo, leu, mas esse livro não existe. É pena, pensa, mesmo que a salvação seja precária, exija dedicação, esforço, continuidade. Coisa que ainda não sabe se tem dentro, ou, no caso de não ter, como fazer para alcançá-la.

17.7.08

LOVE YOU LIKE THE SUN

I love you like I love the sun in the morning
But I don't think a few words of mine are gonna make you change your mind
I'm gonna spend the day in bed and I'm planning on sleeping my life away
You'd better come right down and do it all over again.
spiritualized

alguma espiritualidade

Spiritualized- Anyway that you want me

If its love that you want
Baby you got it
From the depth of my soul
Baby you got it
I've been watching you
Am I loving you in vain
Girl there's no need to explain
Anyway that you want me
Anyway that you'll take me
Anyway that you'll make me feel a part of you
Anyway at all

If there's dreams in your heart
They'll last forever
from the depth of my soul
I'll make them come true
I've been watching you
Am I loving you in vain
girl there's no need to explain

Anyway that you want me
Anyway that you'll take me
Anyway that you'll make me feel a part of you
Anyway at all

15.7.08

NEGRO- AMARELO

Começar a recordar numa nova casa amarela. O mundo é redondo, mas angular por dentro. Esta descrição é contraditória, engasga-me (mas isso deve ser por causa de um mal físico, que padeço- temporariamente).

A casa perdida num monte, com um amor lá dentro e sementes de girassol. Nessa casa, havia muitos e diversos lugares. Eu vivi lá mais de cem anos, não é nada que se esqueça do dia para a noite!

Perdi muitas coisas. Coisas importantes. Coisas valiosas. Se crescemos por isto, dou por mim mais alta daqui a uns tempos...

E no fundo, tenho sorte, amanhã arrancam-me a garganta e se tiver sorte, pode ser que o Boris Vian me visite, e arranque também o coração.
FIM

10.7.08

CORAÇÃO

O coração sai do corpo para voltar depois a correr para dentro dele. Nessa altura instala-se, soberanamente, por entre os precipícios do medo e quando corre bem, consegue construir um castelo.

O coração é inocente e tem o tamanho de um ovo. Prepara-se sempre para transmutar a pele em pena, anseia um corpo bizarro: quatro braços, ancas duplas e longos dedos.

O coração é pequenino, de uma infância comovedora e cruel. Encontrá-lo dentro do peito, aceso, em longa erupção, é ainda um fascínio, mesmo depois de conhecido o deserto de um co-R-po vazio.

O coração parece quente, quando visto à distância do longe. Conhecendo-lhe a temperatura interior será, escusado falar dos trópicos e dos pólos. Escusado será procurar o calor exacto, que torna comuns os diferentes.

(cont.)

9.7.08

coisas que não se possuem

A casa era minha, na imaginação. Tal como o passeio, o asfalto, os sapatos enfiados no coração, para cruzarem insinuosos caminhos (e um coração deve andar descalço).

As mãos eram minhas, os pulmões eram meus, mas as funções vitais eram outras. Mãos que apanhavam o ar, pulmões que seguravam afectos e bicicletas (que pensando bem nas coisas são a mesma coisa).

A noite era minha, o farol era meu, mas não tinha barco para cruzar as ondas de cabelos por tocar.

(cont.)