28.4.09

De nada a tudo

Sentei-me de vez.

Escrevi palavras,
a marcador amarelo,
num livro que não voa continentes.
É pena...
devias saber
como morro,
mas não te sei falar
como se me morre uma alma.
A alma, tu sabes,
tem anagramas escondidos.
A dislexia perdoa as falhas,
sempre que trocamos.
as letras ao mundo.
MUDO?
As luzes cansam-me.
No final de cada consulta
a recomendação foi sempre a mesma:
a melancolia, menina,
há-de destruir-lhe o fígado.
Aceno que sim,
bebo o vinho,
repetindo-o nos gestos.
Afinal, esta era a dança
e dança-se sozinha.

Estar numa ilha é
como estar em mim, afinal.

Mas tu,
incandescente veleiro,
regressa nas ondas
quando te apetecerem as vagas.
Não tenho minutos,
nem guardo moedas para a semanada,
consulto videntes,
só por um acaso.
Não me destruisse a arte
de estar só,
e cantava-te qualquer coisa
mais colorido.
Não posso.
Não sei.
Não quero.

Penélope a cozer
velas de navio,
num cais de fantasmas,
gastronomia inútil
servida à lua.

Era assim que o livro escrevia:
Conhecer o poeta
era melhor do que conhecer o poema.

Eu que sou dada a orações,
voodoos intermináveis,
onde o ritual é o meu próprio corpo,
semeio o poema,
na esperança que nada nasça,
semeio outro
e outro
e outro
e outro.
Sou terreno de sementes.
Que não me nasça o livro,
antes de ti.
Quero ter tempo para te escrever
inteiro,
mas o tempo envelhece
mais depressa os dedos
do que o rosto.

Chegaremos por fim
ao destino,
uma casa que não precisa de
poemas,
um mar que não precisa de navios.
Confundidos na paisagem
do corpo sem leitura,
diremos então nada.

Será tudo.

20.4.09

L'AMOUR LA FOLIE

espero-te.

reguei de sol
a raíz do teu sapato,
para que iluminado o caminho
seguisses
o endereço indicado
no verso
do meu sorriso.
Primeiro esquerdo era a morada
e chamava-se no bairro:
coração.

Rasguei a madrugada,
as 333444 lágrimas
que encheram o livro
dos homens em atlântico.
Soletrei a letra
do teu nome.
Soprando-lhe assim:
L (éle.)
U (úu!)
Z (zzee....)

Teci-me toda de branco,
outra vez,
mais uma vez,
quantas vezes?
para que me confundisses
a pele com a sede:
a sede de beber
a sede de sentar
a sede de lugar.

Tenho-te num segredo
que partilhei ao mundo inteiro.
Explico-te a manobra:
Escrevi na parede do céu
o teu corpo em nuvem
arrastando-te sobre os azuis,
.............................VELOZ!
formavas-te
ora pássaro,
ora castelo,
ora abstracta figura,
filosofia do nada,
vinho sem copo,
constelações de corpos,
compondo as estrelas,
substituindo as estrelas,
renovando os nomes das estrelas:
Capricornius lucidus,
Corpis burlescos,
Travessias infinitus.

Este poema tem uma música
e esta música tem-te a ti.
Somos agora os três:
O ramo - o eu
A folha - o tu
A ave - a música
Espreitamos por esta janela
que espreita o
melhor de ti-mim-ti-mim.
És bonito quando (en)cantas
a ternura que me despe.
Nestes mo(vi)mentos,
cultivo novamente o jardim.
São frágeis as flores,
não pises,não negues.
Deixa que o jardim se alargue,
quanta força inútil existe numa morte breve?

Depois trataremos por tu
o coração,
o teu, mais alto,
avistará as fronteiras,
o meu, mais baixo,
avistará o canto dos teus olhos.

Autoplastia marcada,
sempre que dilacerarmos
o malmequer do jardim.
Nenhuma Primavera será demasiada
para que te chegues
de malas e cotovelos
às pétalas dos lençóis.

Teremos tempo
para contar do que vimos,
do que vemos.
Abres o livro?

Conta-me de novo,
pela primeira vez,
em novo,
a história:

Era uma vez.....

19.4.09

FRIO (difícil dizê-lo em voz alta)

Poderia ser 57 de Agosto de 1923...
O tempo é uma existência cheia de improbabilidades.
Nos ecos escutam-se
orações repetidas de tédio
e há quem caminhe pelo vício
de não se imaginar em amor confinado
ao luto de ser apenas dois.

Inventei-me num vestido
compilado em livro.
Na página 1 lia-se exacatamente a mesma coisa
do que na página 45.
Repetia-se o escrito na página 97
e de tanto leres as mesmas fotografias,
pousaste o livro.
De seguida,
pousei-me também num livro
e numa atitude de bucólica esquizofrenia,
inventei paisagem numa noite mais longa
do que eu.

Devoraste o tecido
para que a minha nudez te surpreendesse,
ou então foi só o indistinto desejo :
pousar corpo como quem pousa cansadas asas,


Retalhos de ave
davam forma às nuvens,
Quando choveu o desepero esvoaçou-se na água.

Se não fores capaz
de escutar
o enorme edificio de silencio
onde assentei as casas e os dedos,
revira de novo o meu corpo,
aponta-me para sul.
O norte,
constataram as nossas sedes diluidas numa só,
é uma estratégia pérfida
e a nostalgia é a acidez do coração.

Deixa que os meus cabelos recuperem a cor
do incêndio,
corpo queimado
a contraluz
num papel de parede colado
por improviso à porta de mim.

Sabe-me a romã este pêssego
que me chega fora de estação.
Não durmo mais do que cinco minutos
há muitos anos,
sinto uma dor que
me queima a intimidade.
Já não me revelo,
suspensa na fotografia por materializar.

No fundo, andava a buscar alguém
para amar,
alguém que fosse novo
e acreditasse na beleza dos pássaros.
mas como esqueci o código que sela a natureza
em castidade,
encontrei as sete magnólias transformadas em manequins
de gosto duvidoso.


Eram mil poemas e um músico sem guitarra.
De pásssaros,
percebo a distância.
Asa, casa,
derrubo a primeira parede
onde escrevera o teu nome
a tinta de água.

Aumenta o volume da música.
dança mais uma vez,
desliga o fluxo
que te leva nas avenidas do sangue alheio,
Vamos começar pelo lado prodigioso
do riso,
ouvir em repeat o tema
que cobre de amor a pele.

A água seca a cor
inebriando de espectros luminosos
a tua palidez.
visto a milimétrica distância
tens a aparencia de um anjo
derrubado em jogo de matraquilhos.

Estende de novo o tabuleiro,
joguemos o corpo a dinheiro,
ou a qualquer coisa de fútil
que não faça poemas quando se ausenta,

cansa-me esta tardia melancolia,
a poesia serve-se fria?
(...)

15.4.09

5. Requiem aeternam dona eis

- Porque partiste?


- Porque a casa estava vazia.


Paul Célan





passaram muitos poemas


numa tecla só,


esquecer-te valeu-me


mais de vinte tabernas,


copos de vinho doente,


amantes como remédios de ocasião.


Eu despejei-te inteiro


no meu sangue.


quando bebias de mim,


atordoado e confundido,


prometias-me a eternidade.


Renovamos a casa,


para que coubesse


O teu sabor, sabe-me a mim...





eu comprava-te ouro


para dourar-te o desespero,


podemos ser um,


ou ser finalmente nenhum?


passeios de moribundo


sob um rio de peixe morto.





pintei-te nos meus olhos,


um frasco de rímel





é certo que assitir às nascentes:


-do dia,


-da sede,


-do desejo


com o teu calor preso ao suor,


fazia imaginar-te eterno.


Um corpo amante de outro corpo,


adquire na realidade


o tamanho certo.








Nunca confiei nos teus braços


alongados aos meus.


Por onde atravessar-te,


se nunca me chegavas inteiro?


Eras um homem em ponte quebrada.





Sim,


a terra que avistávamos


na lonjura do outro lado,


prometia colheitas férteis,


de sol a sol.





Como me julgavas sempre


em parte incerta,


tropeçavas violentamente


no





joguei-te num casino,

mas tenho azar ao jogo,

perdi-te para dentro de ti.

Como te chegar ao silêncio?



Se me perguntares,

se estou feliz,

respondo-te a sorrir

que não,

para que o teu dia empov

Tempo preciso . 1:41 .

Pára a música.

Espera.
Ouve:
1:41
Um minuto
e quarenta e um segundos de tempo cronometrado,
e só agora começo a falar-te.
Este tempo em precisão,
elegeu-se belo,
e é um tempo certo:
1:41
Podemos escutá-lo sem que desapareça,
neste tempo não consta o que dista o universo.
É um fragmento sonoro
atirado ao cosmos,
superfície plana e horizontal.
As músicas têm partes mortas.
Faço a selecção do vivo,
a partir do compasso cardíaco.
O que fica da melodia
conta-se em tempo e cabe num punhado de ouvido.
O reduto final sou eu.
Ela, por exemplo,
não gostava de música.
Tinha um raro vício:
repetir Lhasa.
Depois a música era outra,
porque quando olhava os livros
abria-se em pautas,
mirando-se -mirando-OS-
nesse desfile de almas.
Compunha-se em vozes:
esse coro gritava-lhe as entranhas.

Dizia-me, por exemplo:
Hoje não consegui dormir,
al berto não se calava,
por isso adocicamos a noite,
enquanto pintávamos a parede em azul visível.
Como não me cabia dentro,
derramei-me inteira ao delírio.
Seguras-me à chegada?

Ela lia como quem canta,
que falta lhe faria a música?

É nesta parte que te digo
do silêncio.
Aprendi-lhe a forma,
ao ver como ela morria
cantando-se em recortes
respirando ar dos livros.
Repetindo.
Repetindo.
Tudo igual.
Nada igual.

1:41,
é o tempo preciso onde as extremidades se encontram.
eu,
ela,
a parede azul de Sines em branco,
o comboio por onde desfilam estas
e outras paisagens.

Sabias que morri durante
a noite?
Velaram por mim os insectos
e as pestanas,
depois havia um filme de um rapaz que lía.
De tanto ler
transformou-se num mito
e nunca mais falou de si.
Quando se nomeava,
visitavam-lhe as figuras evocadas
nas leituras.
De resto o filme era inútil,
não fosse uma mulher amarga
que me fazia lembrar cetim em pele enrugada.

Enchi a mala de viagem,
não estranhes se te parecer um envelope.
Afinal,
cabe-me a vida numa carta.
Rasga as folhas finais,
e cola as partes dispersas
onde te apeteça estar,
seja terra de vida
ou terra de morte.
Saberás melhor de mim assim,
em retalhos,
colada por aí.
Que não te importem as palavras cortadas
ou sem leitura.
Que não te chateie o disco riscado,
pousado em todo o lado,
girando-se aleatóriamente.

1:41,
1:41,
1:41,
é o tempo preciso,
onde no meio do coração aberto,
construo a casa,
a morada,
o abrigo.

Estarei lá.

É um aviso para esqueceres que existo.

14.4.09

Um poema em tamanho de noite . Em púrpura o teu corpo arde.


quando escrevias convocavas a lua.

para que nada faltasse
afiavas a lâmina,
marcando a noite funda
na tua boca.
escrevias demasiado
e um poema falava-se,
autónomo de ti.
Ontem, li-te num poema.
Chamavas-te António:
..."sou a vítima, o resultado
de uma maneira de inclinar os ombros,
quero dizer a sombra do teu silêncio"...
Era desse trapézio sem rede
que atiravas precipicios
em formas escritas.
Parceiros tinhas mais de mil,
cada um amante,
um amor ,
um avesso.
Era noite
e era um enigma.
Ela surgia-te no enredo,
o corpo era real e intocável.
por isso,
seguraste-lhe a insegura anca
tornaste-lhe frágil a tez
para que a pudesses ler nos contrários.

Rasgaste a saia da mulher que te passava na rua,
quero-te nua, quero -te inteira,
quero-te minha no espaço de um poema.
...
a mulher fugiu-te,
porque te preferia sólido,
quente,
não vestido nesse corpo frio
onde escrevias poesia,
como quem corta a pele,
na ilusão de revelar o vazio.

depois,
sem mulher
e com uma saia de ausência
pousada na cadeira vermelha,
escreveste outro poema.
a sala cheirava a incenso,
era insuportável e encantatório.
o poema atravessara-se na mesa,
era urgente escrevê-lo.

Agarravas, frenético, a matéria dispersa
e num acto cirúrgico
dissecavas metáforas.
é engraçado pensar que antes,
muito antes
de veres a mulher nua,
já lhe conhecias
a curva do desespero,
a cintura indefinida,
as unhas incertas,
sem verniz
e sem cuidado.

Escreveste o poema inteiro,
durou-te uma garrafa
e alguma tinta.
Ao nascer do dia
enviaste uma carta para mil moradas.
Eram mil mulheres
no teu poema.
Liam-no.
Comoviam-se.
Incomodavam-se.
Eram mil mulheres
e o poema.
vestiram-no como quem veste uma saia,
taparam a nudez
para sair no dia.
E o poema estava em cada uma,
e agora estavam inteiramente nuas,
mas ninguém reparava na subtil diferença
de ver um corpo aberto no espaço de um poema.

E dentro das mil mulheres,
o seu silêncio revelado pensava-se
em aflição,
tapando com a mão
o coração escancarado nos poros
do teu poema.

13.4.09

6. simples e duas vozes

onde estás?

debaixo da tua pele

onde te guardas?

nas ruas incertas.

a que horas chegaste na noite passada?

não me lembro de ter voltado.

não te vi sair...

saí devagarinho...

porque não falaste da ausencia.

não cheguei a partir.

disseste que


10.4.09

White Chalk. PJ Harvey canta-se no vaso onde descreveste a arquitectura da tua casa


No tempo em que falavas de vasos
e de flores que se emprestavam temporariamente aos vasos,
eu segurava em pano de fundo
um bilhete escrito na noite em que te conheci.
Nesse tempo a luz era escura e incandescente,
com qualquer coisa se aquecia a poesia.
Tu dançavas-te por ali,
o teu casaco era de um preto transparente
que te comia a pele.

Nesse dia fizémos esboços de poemas
que mais tarde bebemos em copos de vinho.
Tu dissertavas sobre luas e filosofia,
perdias o fio,
perdias o fim.
Voltávamos a falar.
Volta a falar-me - pedia-te,
mas nada se ouvia,
nem a nossa voz cruzada,
nem o rio onde o tempo se fundia
e regavamos a infância
na esperança que ela nos crescesse outra vez.
Saberás tu quantas coisas ouvi nesse não ouvir?

FOI UMA NOITE COMO UMA MARCA DE SOL.
Depois nunca mais desapareceste de te encontrar
e esse rio onde nos mergulhamos
correu-nos para as margens,
invadindo o ritual dos dias.
Nunca mais fizemos o mesmo caminho
para regressar a casa
Eram sete dias,
às vezes trinta e tu nunca chegavas a ti,
Alterava-se a morfologia do chão,
porque ora pedra ora asa,
derramavamo-nos ao destino,
que é uma coisa que não se vê
quando se é livre.
Estávamos juntas-sozinhas perante o perigo.

Na primeira noite em que te vi
os cabelos tocavam-te a raíz
de ponta a ponta iluminada,
fumavas-te em cigarros,
uns de nicotina,
outros de papel.
Mas havia cigarros que te fumavam
porque viciados de ti.
Tu deixavas-te dissipar em fumo
e era difícil encontrar-te entre as sombras
e os precipicios.

Nessa noite ficamos a ler poemas
e a ver quem arriscava mais sangue para atravessar a ponte.
Já nessa altura brincávamos com o abismo,
como quem sabe que o abismo também está dentro
em desatino.
Dizias-me:
uma árvore não cabe num vaso,
e no entanto,
ontem,
semeei-me num vaso,
reguei-me.
Dei de comer à roupa lavada
e dormi com um corpo quente de termoventilador.
Tenho a vida cheia de objectos,
a casa já não me cabe nesta tralha.
Vou queimar tudo
antes da viagem.
Será que a casa ficará vazia?
Tu sempre disseste que o teu silêncio
é barulhento e ocupa espaço.
Eu digo-te:
é um poeta que te vive
no sangue,
mas nada disto é definitivo.

Envelhece-me o corpo - cantavas.
Nunca te vi envelhecer - respondia-te.
Desde que te vejo de perto,
só envelheceste uma vez ,
mas era demasiado noite
para poder falar-te com precisão dos teus dedos envelhecidos.
Depois vimos um filme
ou deu-nos para o cinema
e andamos pela rua a fingir-nos actores ou actrizes,
tanto nos fazia.
Ainda tenho nos olhos
a cicatriz desse dia.
...disse-te alguma vez que o sangue esfria?
Deste lado do sol o corpo está predisposto à nudez.
Se houver problemas chamo o poeta.
Ele dirá dos vasos e das flores.
Ele dirá do que te viu
e como te chamavas no Verão passado
quando nascemos do mesmo vinho.
Ele dirá que mais vale andar nu
do que em má companhia.
Tu rirás,
dirás para me deixar nua.
Mais tarde quando chegares,
conto-te a última aventura.

8.4.09

7.

este poema começou

por ser teu.



Era assim que se falava de ti,

eu explico-te,

repara:

Não são os poemas, é o poeta. É o poeta que interessa

4.4.09

Água . Altamente biográfico, sob influência da chuva: Midnight Blue

Agora chove.
Água de chuva cobre o corpo.
São litros de corpo diluído..
Chove-me no centro do sangue.
Vi-te chover
e não consigo respirar,
que é como quem te diz:
quando te ausentas para o país triste foge-me o sono.
atormenta-se o piano,
o poema envelhece.
Está frio dentro de mim.
Está húmida a alma,
bate-se um compasso de granizo dentro
(É só o meu coração a bater...
É só o meu coração a tremer...)

Penso,
reflicto depois de ter escrito,
faço a viagem no meu próprio poema:
Primavera, Verão, Outono, Inverno,e...
Reescrevendo-me,
escrevo-te o que vejo:
Foi o coração que me ensinou.
Foi o coração que me despertou.
O poema estava errado.
Ele - o coração- caminhou sozinho durante a última década.
Passaram só dois dias - digo-te.
Não me acreditas.
Tu contas tempo com o coração
e o coração tem gomos diferentes.
Tu compuseste um tema
que me cantava na jornada,
que jorrava a chuva
por qualquer parte onde se tocava.
Depois secaste
e a chuva nunca teve tanto peso.
Eu queria corrigir...
Eu queria corrigir o poema.
Lê-me agora:
Enganei-me quando escrevi
que se escreve sem olhar.
Existem olhos dentro,
olhos fora,
não ver é uma forma de ver.
ver mais fundo é uma forma de REver
- repetir o ver-
dobrar, triplicar, multiplicar o ver.
Uma bola de espelhos oculares
apontando infinitas dimensões.

Este poema chove
e este poema é para ti.

Queria dizer-te:
Se tu me acabares
o céu veste-se de cinza.
a cinza é triste.
a cinza é de árvore que ardeu.
a cinza é de corpo que morreu.

Li não sei onde:
Não me morras..
Agora a frase despertou,
porque queria ser-te dita.
A função de certas frases,
a função de certas músicas é existirem
para se guardarem.
Ocupam arquivos antiquíssimos do esqueleto,
passam séculos sem que ninguém saiba delas,
ou por onde se caminham.
ou por onde se respiram;
depois,
porque chove
ou porque faz sol
a frase regressa.
As frases são climatéricas.
O meu corpo é climatérico.
O meu corpo tem frio
e está calor nesta esfera.
O teu corpo é climatérico?
Depois será Primavera,
li numa carta que me chegou.
Na Primavera há pássaros
e os pássaros são feitos de sol.
Depois,
na estação da luz,
dançaremos.
A parede premedita um baile.
Será azul.
Blue.
Blue rima com triste.
Blue rima com azul.

Não fiques triste.

3.4.09

8.

O plano era este:



pegar fundo na caneta,

dissecar pormenores.



O plano era este,

e era um plano morto

e era um plano vivo.



Era um plano

que às vezes ficava calado de angústia,

como quando se fala

para uma multidão

e a voz se apaga,

mesmo cheia.



Era um plano infantil

mas exterm

1.4.09

Pierrot le fou. Godard visita a casa. 1965. 2009

A Partir dos Equinócios de al berto . Sombra e Luz. Gomos de Laranja.


Intro:
Partem-se os equinócios,
a duração em poema, de Peter Handke,
ressalta na planície.
O poeta é meu guru, tudo me faltará.
O Equinócio:
NOTA 3:A DURAÇÃO DE UM EQUINÓCIO:
-Ocorre excepcionalmente, duas vezes, em cada ano.
-Dia e noite ocupam o mesmo tempo de vida.
-Uma laranja: 24 gomos.
12 gomos de dia.
12 gomos de noite.
Pós-Equinócio ou Pós e Equinócio:
Agora que os dias são laranjas irregulares,
o relógio dança mais.
Houve um dia que se esqueceu de caminhar,
e ficou a dançar
durante mais de 45 gomos de tempo.
Na duração da laranja diurna
os pássaros retornaram ao arco-íris
Foi um espectáculo memorável:
o reinado da luz.
Depois o estado dos pássaros:
uns cansaram-se,
outros cegaram.
A Explicação:
A luz quando aponta o meio-dia
fere os olhos se vista de frente.
Olhos de pássaro ou olhos de gente, pouco importa.
Houve pássaros que depois de (se) repetirem a (na) luz
nunca mais puderam vê-la.
"Dias mais tarde recordo agora"...
Seguiram-se 38 gomos de tempo nocturno,
as cavernas escavaram-se efémeras,
todas de vidro vestidas,
reflectindo-se em sombras.
Pequenas velas regavam o chão,
houve quem se queimasse de propósito,
só para poder falar disso mais tarde,
num poema ou num serão.
Ter o que dizer era uma coisa vulgar nas
laranjas de tempo - noite ou dia-
que corriam.
Os olhos e a noite acostumaram-se.
Apagavam o sol dos desenhos,
repetidamente.
Nasceram rostos sem olhos...
foi hediondo!
Os amantes entristeceram
(Eram tão belos os teus olhos, amor...)
Alguns poetas deixaram mesmo de escrever,
como só escreviam acerca do que viam,
acabou-se-lhes a matéria.
Estava escuro,
os gatos ficaram todos pardos
e as pessoas também.
Eu como laranjas e gomos.
Eu não conto os gomos.
No entanto,
atendendo à diversidade que se me coabita,
explico:
a vizinha do lado de dentro do meu coração
não se importava de viver em equinócio permanentemente.
É bom para as colheitas selectivas!- pensa ela.
O meu pé direito caminha melhor quando há luz,
por isso está atento, só compra laranjas de gomos cor de sol.
A minha mão inspira-se de ar sob a noite profunda,
respira melhor quando os gomos se vestem de escuro.
O meu nariz cheira sempre o mesmo, noite ou dia,
mas quando escreve,
escreve sempre diferente.

Agora leio,
já não escrevo,
porque este poema perdeu-se nos gomos de tempo,
está indeciso:
noite-dia,
sombra-luz.
Fica-se pela citação em Yin e Yang:
- Um excesso de escuridão afecta a mente.
- Um excesso de luz afecta os sentimentos.
- Um excesso de vento provoca doenças nos membros;
- Um excesso de chuva provoca doenças no estômago;

... seria o equinócio a solução?