16.9.14

AmarAmara


Ela
estava
à 
distância
do respirar.
Coisa intimamente próxima, encantadora!
Corpos atentos considerariam esta circunstância o sinónimo absoluto da nudez.
De tão próxima, dir-se-ia imaterial.
Respiração apenas. Respiração apenas.
No princípio estava o RESPIRAR.
Ela,
invocando a inútil tenacidade de quem tem furacões no sono,
rasgava a montanha do livro para uma composição magnifica e insignificante.
Os dias a rodo.
Os dias a rodo.
O corpo pequeno agigantando a janela de paisagens espirituais,
invocando a doçura do corpo velho de Chagall
ou seres que em nada ou em tudo eram as personagens certas para o sentimento de si.
Segurava cada brilho feroz dos seus dedos- como magia!
Ela haveria de construir rugas nas árvores antecipando-lhes uma meninice tardia
ou escorregar pelo diário de Al Berto e sentir-se nele. ´
Ser ele.
Seres. Eles. Os dois. Apenas um.
Ela dançava com os mil dedos da mão e o mundo era um piano assombroso,
peças que se teciam em demasiados cenários.
Ela faria um livro expirando essas visões e do livro rasgado faria outro e depois outro e outro e outro,
redutos máximos de um acto contínuo
(Vive assombrada pelo deslumbramento!)
Ao adormecer ela voltava a acordar!
Uma fascinante desordem de pessoas inapropriadas ao embalo, abriam os rios como risos e levavam-na a passear muito longe.
As perguntas eram sempre diferentes e difusas:
- Posso contar os batimentos do teu coração a bater no chão?
- De que é feito o azul dos teus olhos castanhos?
- Como recortas em intensa beleza o que antes fragmentara em suicídio?
Ela permanecia de olhos fechados que é a melhor maneira - diz-se - de ver tudo
e de ver tudo MUITO MELHOR!
(poeticamente falando, entenda-se)
Uma música -uma música apenas!- poderia entorpecer a cativante angústia de se ver intensa num aquário de pássaros.
A casa muito cheia era uma pista de sons e de vôos.
Os familiares que se acercavam da sua intensidade eram como alicerces que pululavam as suas antíteses, amando-as.
Projectos, projecções, próximos, próximos...como o sangue.
Ela insistia em colorir o rosto,
fumar incenso,
repetir Lhasa.
Ela voltaria a cantar com a voz do avô,
a sentir com os pincéis de Picasso,
a fazer da parede caderno
e do caderno vertigem.
Ela.
Ela.
Ela.
"O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida quotidiana." Augusto Boal
Se puderes, solta a mão que te agarra ao coração.
Observa-o a crescer, longínquo, como a sede de alguém que conheces tão bem que só a liberdade pode ainda acrescentar surpresas.
Não desanimes com o óbvio dos seus olhos ávidos,
a ferocidade da suas breves paixões

                                                                       - posteriormente-

os solavancos tristes depositados inteiros nos teus ombros,
no teu peito,
no teu limbo.
Tão dócil, o selvagem, encaracolado em ti
(frágil planta de lua cabisbaixa, menino sem hino, nem pátria)!
Se te for possível, deixa que voe para além de ti.
Sonhaste que fosse pássaro, cavalo ou peixe,
- qualquer espécie que não tivesse o cárcere cerebral encerrado em si-
respira-lhe o desígnio e deixa que te fascine em carícias
porque é breve o riso e longa a espera.
O menino cresceu rasgando linha de caderno,
de mãos,
de roupa apertada porque costurada mil números acima do que desejara.
Sem desejo é como ter sol escancarado e não ter mar para amaciá-lo.

Não vale.
Tarda.
Tarde.
É tarde.