10.4.09

White Chalk. PJ Harvey canta-se no vaso onde descreveste a arquitectura da tua casa


No tempo em que falavas de vasos
e de flores que se emprestavam temporariamente aos vasos,
eu segurava em pano de fundo
um bilhete escrito na noite em que te conheci.
Nesse tempo a luz era escura e incandescente,
com qualquer coisa se aquecia a poesia.
Tu dançavas-te por ali,
o teu casaco era de um preto transparente
que te comia a pele.

Nesse dia fizémos esboços de poemas
que mais tarde bebemos em copos de vinho.
Tu dissertavas sobre luas e filosofia,
perdias o fio,
perdias o fim.
Voltávamos a falar.
Volta a falar-me - pedia-te,
mas nada se ouvia,
nem a nossa voz cruzada,
nem o rio onde o tempo se fundia
e regavamos a infância
na esperança que ela nos crescesse outra vez.
Saberás tu quantas coisas ouvi nesse não ouvir?

FOI UMA NOITE COMO UMA MARCA DE SOL.
Depois nunca mais desapareceste de te encontrar
e esse rio onde nos mergulhamos
correu-nos para as margens,
invadindo o ritual dos dias.
Nunca mais fizemos o mesmo caminho
para regressar a casa
Eram sete dias,
às vezes trinta e tu nunca chegavas a ti,
Alterava-se a morfologia do chão,
porque ora pedra ora asa,
derramavamo-nos ao destino,
que é uma coisa que não se vê
quando se é livre.
Estávamos juntas-sozinhas perante o perigo.

Na primeira noite em que te vi
os cabelos tocavam-te a raíz
de ponta a ponta iluminada,
fumavas-te em cigarros,
uns de nicotina,
outros de papel.
Mas havia cigarros que te fumavam
porque viciados de ti.
Tu deixavas-te dissipar em fumo
e era difícil encontrar-te entre as sombras
e os precipicios.

Nessa noite ficamos a ler poemas
e a ver quem arriscava mais sangue para atravessar a ponte.
Já nessa altura brincávamos com o abismo,
como quem sabe que o abismo também está dentro
em desatino.
Dizias-me:
uma árvore não cabe num vaso,
e no entanto,
ontem,
semeei-me num vaso,
reguei-me.
Dei de comer à roupa lavada
e dormi com um corpo quente de termoventilador.
Tenho a vida cheia de objectos,
a casa já não me cabe nesta tralha.
Vou queimar tudo
antes da viagem.
Será que a casa ficará vazia?
Tu sempre disseste que o teu silêncio
é barulhento e ocupa espaço.
Eu digo-te:
é um poeta que te vive
no sangue,
mas nada disto é definitivo.

Envelhece-me o corpo - cantavas.
Nunca te vi envelhecer - respondia-te.
Desde que te vejo de perto,
só envelheceste uma vez ,
mas era demasiado noite
para poder falar-te com precisão dos teus dedos envelhecidos.
Depois vimos um filme
ou deu-nos para o cinema
e andamos pela rua a fingir-nos actores ou actrizes,
tanto nos fazia.
Ainda tenho nos olhos
a cicatriz desse dia.
...disse-te alguma vez que o sangue esfria?
Deste lado do sol o corpo está predisposto à nudez.
Se houver problemas chamo o poeta.
Ele dirá dos vasos e das flores.
Ele dirá do que te viu
e como te chamavas no Verão passado
quando nascemos do mesmo vinho.
Ele dirá que mais vale andar nu
do que em má companhia.
Tu rirás,
dirás para me deixar nua.
Mais tarde quando chegares,
conto-te a última aventura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário