15.4.09

Tempo preciso . 1:41 .

Pára a música.

Espera.
Ouve:
1:41
Um minuto
e quarenta e um segundos de tempo cronometrado,
e só agora começo a falar-te.
Este tempo em precisão,
elegeu-se belo,
e é um tempo certo:
1:41
Podemos escutá-lo sem que desapareça,
neste tempo não consta o que dista o universo.
É um fragmento sonoro
atirado ao cosmos,
superfície plana e horizontal.
As músicas têm partes mortas.
Faço a selecção do vivo,
a partir do compasso cardíaco.
O que fica da melodia
conta-se em tempo e cabe num punhado de ouvido.
O reduto final sou eu.
Ela, por exemplo,
não gostava de música.
Tinha um raro vício:
repetir Lhasa.
Depois a música era outra,
porque quando olhava os livros
abria-se em pautas,
mirando-se -mirando-OS-
nesse desfile de almas.
Compunha-se em vozes:
esse coro gritava-lhe as entranhas.

Dizia-me, por exemplo:
Hoje não consegui dormir,
al berto não se calava,
por isso adocicamos a noite,
enquanto pintávamos a parede em azul visível.
Como não me cabia dentro,
derramei-me inteira ao delírio.
Seguras-me à chegada?

Ela lia como quem canta,
que falta lhe faria a música?

É nesta parte que te digo
do silêncio.
Aprendi-lhe a forma,
ao ver como ela morria
cantando-se em recortes
respirando ar dos livros.
Repetindo.
Repetindo.
Tudo igual.
Nada igual.

1:41,
é o tempo preciso onde as extremidades se encontram.
eu,
ela,
a parede azul de Sines em branco,
o comboio por onde desfilam estas
e outras paisagens.

Sabias que morri durante
a noite?
Velaram por mim os insectos
e as pestanas,
depois havia um filme de um rapaz que lía.
De tanto ler
transformou-se num mito
e nunca mais falou de si.
Quando se nomeava,
visitavam-lhe as figuras evocadas
nas leituras.
De resto o filme era inútil,
não fosse uma mulher amarga
que me fazia lembrar cetim em pele enrugada.

Enchi a mala de viagem,
não estranhes se te parecer um envelope.
Afinal,
cabe-me a vida numa carta.
Rasga as folhas finais,
e cola as partes dispersas
onde te apeteça estar,
seja terra de vida
ou terra de morte.
Saberás melhor de mim assim,
em retalhos,
colada por aí.
Que não te importem as palavras cortadas
ou sem leitura.
Que não te chateie o disco riscado,
pousado em todo o lado,
girando-se aleatóriamente.

1:41,
1:41,
1:41,
é o tempo preciso,
onde no meio do coração aberto,
construo a casa,
a morada,
o abrigo.

Estarei lá.

É um aviso para esqueceres que existo.

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