17.5.09

Vi-te primeiro.

(Eras alto, porque eu te via alturas a partir dos olhos.
Eras rude, porque não sabias beber vinho sem destruir a estrada que te levava
seguro, de ti a mim)


Para que não duvidasses do barro
com que cosntruira os três palmos de mim,
cantei-te ao ouvido,
aquilo que era sede e chama,
aquilo que era eu.

Começava a contar-te a história pelo fim:
primeiro voei e só depois,
muito mais tarde comecei a andar.
Iniciar-me pássaro,
foi para os grandes mestres motivo de discórdia.
Teria de te dizer que comprei mais tesouras do que jóias.
Cortei as penas de ter asas
só mais tarde, arranquei com lâminas
a pena por não ter asas.

Sou inofensiva,
nunca matei galinhas
e tenho medo de insectos de carapaça negra

Alimento-me de movimento, basta-me biciclet"ar".

(continua...)

13.5.09

FRIO (difícil dizê-lo em voz alta)

Poderia ser 57 de Agosto de 1923...
O tempo é uma existência cheia de improbabilidades.
Nos ecos escutam-se
orações repetidas de tédio
e há quem caminhe pelo vício
de não se imaginar em amor confinado
ao luto de ser apenas dois.

Inventei-me num vestido
compilado em livro.
Na página 1 lia-se exacatamente a mesma coisa
do que na página 45.
Repetia-se o escrito na página 97
e de tanto leres as mesmas fotografias,
pousaste o livro.
De seguida,
pousei-me também num livro
e numa atitude de bucólica esquizofrenia,
inventei paisagem numa noite mais longa
do que eu.

Devoraste o tecido
para que a minha nudez te surpreendesse,
ou então foi só o indistinto desejo :
pousar corpo como quem pousa cansadas asas,


Retalhos de ave
davam forma às nuvens,
Quando choveu o desepero esvoaçou-se na água.

Se não fores capaz
de escutar
o enorme edificio de silencio
onde assentei as casas e os dedos,
revira de novo o meu corpo,
aponta-me para sul.
O norte,
constataram as nossas sedes diluidas numa só,
é uma estratégia pérfida
e a nostalgia é a acidez do coração.

Deixa que os meus cabelos recuperem a cor
do incêndio,
corpo queimado
a contraluz
num papel de parede colado
por improviso à porta de mim.

Sabe-me a romã este pêssego
que me chega fora de estação.
Não durmo mais do que cinco minutos
há muitos anos,
sinto uma dor que
me queima a intimidade.
Já não me revelo,
suspensa na fotografia por materializar.

No fundo, andava a buscar alguém
para amar,
alguém que fosse novo
e acreditasse na beleza dos pássaros.
mas como esqueci o código que sela a natureza
em castidade,
encontrei as sete magnólias transformadas em manequins
de gosto duvidoso.


Eram mil poemas e um músico sem guitarra.
De pásssaros,
percebo a distância.
Asa, casa,
derrubo a primeira parede
onde escrevera o teu nome
a tinta de água.

Aumenta o volume da música.
dança mais uma vez,
desliga o fluxo
que te leva nas avenidas do sangue alheio,
Vamos começar pelo lado prodigioso
do riso,
ouvir em repeat o tema
que cobre de amor a pele.

A água seca a cor
inebriando de espectros luminosos
a tua palidez.
visto a milimétrica distância
tens a aparencia de um anjo
derrubado em jogo de matraquilhos.

Estende de novo o tabuleiro,
joguemos o corpo a dinheiro,
ou a qualquer coisa de fútil
que não faça poemas quando se ausenta,

cansa-me esta tardia melancolia,
a poesia serve-se fria?
(...)

11.5.09

4

Esta era a última vela.

Quando acabou de arder,

disseste:

- repara na luz que se solta do corpo ocre

do silêncio escuro.



Nao te vejo,

agora que ardeste o tempo inteiro

tenho doente o lado felino,

o escuro não é uma metáfora,

é o meu corpo dentro de água.

Nado e o seu feminino imediato:

Nada é o que fica a ocupar

um território de sangue.



A doença do corpo é milenar.

5.5.09

Dance

(Tinham passado 29 anos. Eu tinha finalmente percebido que sem leres a minha -patética- poesia, nada de mim saberias. Este poema está livre de metáforas. Suicidou todos os aforismos. Este poema é uma árvore plantada no teu jardim).

Nunca soube o que fazer de teu corpo,
tinha desajeitado o desejo,
ao ver-te inteiro e desnudado,
primeiro a pele,
depois o sangue,
depois a guelra e o peixe.
Eras tantos!
Ora terra castanha,
ora transparente água de beber,
ar inviolável de tocar,
casa insonora,
fogo que queima baixinho.
Viesse o poeta
e falasse de tudo o que arde sem se ver,
e então talvez te tocasse no ombro esquerdo.

Duas marcas!...
E as marcas, ficaram lá?...
Como não me eras estranho,
sempre te entranhei a melodia.
Já eras antigo
antes de me nascer corpo
e violinos.
Como te dizer dos teus dedos caídos
nos meus sentidos?

Segurei-te com pregadeiras
às raízes dos meus cabelos
para que crescesses comigo.
Nunca mais tesouras!
Nunca mais cortar-te!
Foram 33 metros de longa cabeleira
multiplicados pelas vísceras,
pelas guelras oxigendas,
pelo mordomo da casa,
que procurava nos escombros da terra
um limoeiro depenado
e rabanetes cor de ferida a sangrar.
Tu rias a bom rir,
que é uma forma de te dizer que o teu riso
-O TEU RISO-
me fazia feliz.

Haveríamos de ver juntos as Índias,
primeiro um caril saboreado ao sol,
depois um deus de papel incendiado
e um gelado de manga para finalizar.

Falo-te de coisas banais,
como quem te diz,
que contigo,
é tudo sempre em primeiro.
Não há corrida nem desvio.

Haverias de fotografar-me
num piscar de olhos.
Eu, vermelha, queimada de sol,
e mais uma vez o teu riso,
a tarde tão cheia
...não tardes,
não tardes...
que haveria de invejar os olhos de transeuntes
quedados em nós,
de espantos muitos.


As palmas dos pés,
já sabes,
estão manchadas de gravidade,
como as sobrancelhas,
ao ver-te suspenso no fio da montanha.
Não me caias,
suspira-me dentro
com bons fôlegos
e carícias de conversa lenta.
Estes são os meus dedos
e tu és o meu primeiro piano.
A melodia com que nos repetimos,
é sempre UM,
a primeira,
irrepetivelmente igual.
Eu tenho poemas em todo o lado
e todo o lado tem um poema que és tu.
Canto-te para dançar.