28.3.10

Part Two: Aria (de tanto respirá-la, dou-lhe um poema)

sentei-me na primeira fila de um invento,
não me interessavam os congressos sobre as matérias concretas.

éramos um grupo de mais de mil niis,
multiplicadas cópias de malkovitch numa sala
e num cérebro,
as cadeiras rangiam como violinos:
assombroso e belo!-
a rapariga do casaco branco empaledecia-se de propósito
com um pincel e uma tinta.
o rapaz tentava formas recortando o seu cabelo,
outrora nuvem espessa.
a mulher descalçava-se e calçava-se num ritual absurdo.

descrevê-los era voltar a ver o fractal reflexo nas águas,
dorian gray esquecido do seu narciso,
criando erva num jardim sem terra,
ruminando herberto..
...se este poema finalmente saltasse para fora deste templo descuidado
onde ritualiza na mais absoluta solidão
uma ave,
uma árvore,
um pé,
um poço.
"A lista dos niis do niilismo que me colocaste em memória tem um tamanho maior do que o nada".

27.3.10

T

Arrancar um violino,
decepar um girassol,
por motivo desconhecido, retocar uma pauta e escrever nela a biografia da dor.

Devia ser assim o aviso:
altivo e imenso,
ter pernas para se movimentar,
incendiar-se fogueira nos detalhes:
este cansaço é a minha labuta,
o herói de B.D. aventura-se ao vôo e cai..
afinal também ele era humano,
escrever doía-lhe
mais na quimera do que no prato.

Esta é a tua música,
se aqui chegares,
significará que o mar ainda pode ter outras águas,
como natas ou volumes de matérias imaginadas,
sem feridas,
sem rugas.

Recupero o argumento,
os actores estão no palco, aguardam-te,
tens debaixo dos novelos,
a camisola dos teus antepassados
-argumento para o dia-
mas aconchegas-te no frio,
não estranhes que te arda.

Cabes neste país que é o último poema e
Desfazes a metáfora,
talvez não concluas que esta música é tua.

23.3.10

INOMINÁVEL

De todos os poemas,
se partir da sua obscura raíz,
este é o primeiro que deriva do fonema do teu nome.

Desisto de me passear altiva nesses meandros,
quero uma montanha inteira onde descansar e um abandono,
qualquer sentença que não me questione.

Eu quero a doença da tua pele,
o frémito da tua inquietude.

Vim recortar a tua nuvem,
despejá-la num inadequado espaço de formas,
isento de latitudes
(essas que inutilmente cingimos à alma).

Tenho pautas vazias,
fugiu-me a música para algum devaneio,
Vê-me, entertainer de mim mesma,
distraindo o tempo.
Quando voltar serei maior
-não sei se volto-
terei um destino exemplar para réguas como essas,
que dividem o mundo entre o certo e o errado.
(Ah! Se este poema cantasse!)

Tenho mil cavalos dentro
e o seu galopar devasta-me!
Como se constrói um faraó autêntico,
essa peça de história que cria dominância na paisagem do espírito?

Reflecte sobre estes achados que ainda te escrevem,
talvez sejam a única prova fidedigna de que um amor persiste.

Recupera o perímetro da minha aflição,
viajo para me entreter,
sou entediante e procuro enforcar a mão,
o dedo,
a partícula inonimada que se escreve e tem o tamanho do maior grito da galáxia.

A Física é outra inquietude,
porque deu-me para sentir, cientir (de cientista), prenominar catástrofe.

Aguardo enquanto os últimos cadáveres vão comprar sorrisos,
também eu tenho crueldade nas coxas,
não ensino a arte do vôo,
incapacito crepúsculos.

Sou um bolo desfeito, desmerecido de mesa.

É grande a desgraça e, no entanto,
tenho-te amor:
é uma coisa que se alastra!
Não tenho outra forma de to dizer,
dispo a metáfora e entrego-ta na última folha de um jornal sem data.

Este é um grito e não se ouve.

21.3.10

AnyWHERE ARe you

Tenho estes espaços nos meus braços,
recuperam formas que nunca tive e parecem odes:
Comovem.

Eu estava sentada, o tempo era lento e ignorante,
desvendava sinais pelo hábito da confrontação.
Porque se eu rasgasse inteira a folha 30 do meu diário,
teria a BOLD um recado único e primeiro:
descobre o tracejado dos meus olhos,
essa incontínua linha que pretende revelar amor.

Em palavras numeradas,
o amor arruma-se num armário,
o quarto desfaz-se... afinal, o armário ocupa tudo!

Dá-me as tuas mãos longas de sombras,
derruba a carne neste alpendre virado ao sol,
somos dois e temos um jardim,
basta-te?
´
No último compasso envelhecemos e rimos,
afinal é bom saber a teoria das rugas,
o chão move-se e não há catástrofe,
os rostos são de pão e comem-se.

Eu espero-te num relógio sem hemisférios,
sou um insecto nervoso, sentado no cotovelo do meu susto.
Parei para fazer este poema e não lhe vejo o fim,
tem gente que se move dentro, cativa-me,
devias chegar para ver como a ilha é e não é.
Esta ilha que emerge,submerge,
e eu tenho um arquipélago a servir-me de dor.

Regressa quotidiano à minha argila,
moldemos este chão, este cheiro, esta dor.

Ocorre-me que é Verão, neste lugar que chove quente,
guardas-te, empoleirado pássaro, no cotovelo do meu braço esquerdo
- o mesmo da dor-
quando emitires a corajosa frequência,
escrevo-te inteiro.

11.3.10

I i

Alarguei o tamanho das mãos no caso de ter que me habitar,
construi morada a partir do meu próprio corpo.


Nada se irradia para lá do que somos capazes de suar-
beleza comparada a fetos, projectos em eminencia
que percorrem a linha irregular de uma vida
( a única linha, que por convicção, arranquei da mão e coloquei no chão:
decidira caminhá-la)


Desta forma, toda a teoria ensinou-me a desaprender,
faço pela primeira vez o abecedário, coloco-o em cima da mesa,
observo as estranhas formas que tornam legiveis,
partes diminutas dos lugares por onde nos navegamos.
retorno à emoção,

sou um animal de estufa caprichoso,
a minha pretensão quebrou a janela errada,
vejo esta paisagem por um acaso que escapa à alquimia.


Tu eras um ouvinte perfeito,
embora te faltasse humana forma.
O filme - o teu- era na verdade, biográfico de mim,
eu construira o personagem, pincelando-lhe bigodes de gato
para criar mistério nesta dilacerante cratera, que é um planeta compacto chamado CORPO.
Deviamos atentar ao céu paraque uma chuva entranhasse na terra dos olhos,
recuperasse a ihúmida e incandescente chama do coração primário.

Falta-me manual e manípulo para actividades climatéricas,
Major Tom is a outsider.
Vivemos a praticar idiomas, ideologias, ideias, idiotas.

Romper os cascos de um cavalo,
Roer as folhas de um pinheiro,
Encher de perícia uma caneta e escrever uma noite inteira, sem parar.

Este é o primeiro registo desta caminhada quiromática,
a ilha refloresce numa antiga península de mim.
Resta-me caminhar.