19.3.07

Depois de Velvet em ilhas do paraíso, a beleza alastra-se nos continentes do coração, surge o espanto

TV
SHOW
a (ir)REALIDADE em directo
a vida em directo. e quando o pano cai,
suspendes o movimento inflamado e inauguras o primeiro gesto.
"eu penso que a memória entra pelos olhos"
Narciso morre,
vítima do seu unipessoaldesejoanseio.


Eu penso que a beleza é uma coisa efémera!


555. Rua do Almada. Performance-Instalação

15.3.07

Conjugar o tempo


Foi sempre.
.é.
.para ti.
.nunca-sempre.
.que escrevi.
.escreverei.

Falta-me o exercicio da tua escrita


Era manhã e eu rascunhava no teu peito um insólito coração. Surpreendido, olhavas-me entre as pálpebras e repetias baixinho, sem deslumbramento, os meus gestos e artificios.
Eu buscava-te no lado oriental do meu desejo, mas dizias-me alto e a vinte vozes, que o desejo é o ego, o ego não se faz eco, o ideal é metáfora e os meus passos são trôpegos e frágeis para escalar uma montanha a frio.
Pensei-te pretencioso, mas como uma boa marioneta de enredar segredos, calei a voz, num poço fundo e retirei-me de mansinho para o meu silêncio, de acidentados vales, onde te sentavas, atento ao que já passara e ainda ardia...

14.3.07

Milhares de vozes gritam o teu nome silenciosamente


No lado esquerdo da tua mão, acumulavas recados que nunca lias.
Dizias que a surpersa-segredo, guardada entre dedos, mantinha-te aceso no susto de estar vivo.

Nunca me surpreendera a tua ausencia fragmentada em dilúvio, nem as tristes cores com que cosias os teus pés à terra, mas a interna-eterna maré circular do meu silêncio, sonhava-te carne viva-sangue em tenebroso rastilho, nas artérias desarticuladas da bailarina que não cheguei a ser.

Oculto, na transcendente manhã, fica suspenso um circular segredo:
Ainda gostava que perdesses os medos e te desses ao vento clandestino, onde o corpo-fragata, inventa sucessivos regaços aquosos, num simulacro de morte renascida e acolhedora.

1.3.07

Artur Cruzeiro Seixas - Pinta no céu das árvores e sonha para sempre dias nocturnos


As minhas coisas “acontecem”, porque são uma necessidade profunda. Um amigo meu, pintor, desejava o dia em que já não fosse capaz de pintar. Eu nunca seria capaz de o deixar de fazer. Em qualquer circunstância da vida vejo-me a garatujar num papel ou numa parede. Se considerar a pintura como uma “obra de arte” com tela, cavalete e materiais nobres, sinto-me assustado, mas esses problemas não se põem comigo, porque não é à obra de arte que aponto, e porque muito raramente utilizei materiais tidos como nobres. Desenhar e pintar são necessidades independentes de mim, que tem a sua parte de necessidade fisiológica.
Pergunta-me como comecei a fazer estes cadernos. Na verdade não fiz na adolescência o Diário que quasi todos os adolescentes fazem. Foi já muito tarde que comecei a alinhar breves notas daquilo que me ocorre no dia a dia, durante a semana ou durante o mês; as amizades, as inimizades, as descobertas (não descobrimos nada, está já tudo descoberto!), foi tudo isso o que fui apontando nos intervalos que tinha de outros afazeres. Nessas folhas ia metendo um bilhete de eléctrico, ou qualquer outra coisa que me sugerisse um momento vivido, fotografias de pessoas, e pequenas pinturas ou desenhos, etc, etc. São cadernos de uma grande fragilidade, constituídos por folhas de papel metidas em argolas, de maneira que com o tempo e com o folhear os buracos se rompem, e tudo aquilo sai do sítio. Foi um disparate usar tal excesso de fragilidade, mas já são trinta e tal cadernos, e seria impossível recomeçar. Alguém algum dia olhará com alguma benevolência este documento? Se calhar vão deitar fora tudo aquilo, pois é esse o destino de tantas coisas em Portugal. Mas esses cadernos aconteceram e continuam a acontecer, pois de certa forma disponho agora de mais tempo, passado o tempo em que fui tocado pela asa da pintura profissional. Isso já lá vai há muitos anos felizmente: Trata-se agora de deixar o meu depoiamento sobre um papel qualquer, com o lápis ou com a esferográfica que tenho à mão. Julgo que aqueles pequenos desenhos casuais, podiam afinal ser obra de arte, se transplantados para a tela e para o cavalete, digo-o sem falsa modéstia.
Na verdade nem quando pintei sobre tela usei o cavalete. De resto durante toda a minha longa vida, não devo ter pintado mais do que umas vinte telas. Elas correspondiam à tal necessidade profunda, mas também foram a maneira de sobreviver. Nunca acreditei muito naquilo que fiz, e o dinheiro que ganhava não dava para fotografar as obras. Assim, desorganizado como sou não sei o destino da maior parte do que desenhei e pintei. Justamente, há dias, numa entrevista, contava a estória de dois quadros que uma galeria tinha “descoberto”. Pediram-me para passar por lá para confirmar se os quadros eram de facto de minha autoria. Na minha idade avoluma-se a ideia de que o que fiz talvez não tenha qualquer mérito. Fui a essa galeria com um bocado de medo, e acabei por ficar tão satisfeito quanto possível. No entanto felicitei-me por não estar a fazer hoje a pintura profissional que vemos em galerias e em exposições.
Voltando aos “Diários” (prefiro designá-los como “Desaforismos”), eu não pensava que fosse possível serem editados, mas gostava evidentemente que alguém os folheasse. Foi um amigo espanhol quem mais se interessou por eles. Vive numa pequena e belíssima cidade, e o seu ganha pão é um quiosque onde vende lotaria. Por sua vez ele tem um amigo que tem uma modesta tipografia, e assim editaram 3 livros, maquetes originais, que o Mário Henrique Leiria me tinha oferecido, e que, sendo obras excepcionais, não tinham aqui merecido a atenção devida. Fiquei-lhes sempre muito grato, e a amizade estreitou-se. Visitamo-nos, e trocamos lembranças. De vez em quando presenteiam-me com restos de folhas que lá na tipografia reunem em caderno. A outras pessoas servirão para as contas do dia a dia, mas foi a partir daí, em folhas de papel de música, que passei a desenhar e a pintar, e a reunir Aforismos de diversos autores e os tais meus Desaforismos. Este caderno, mais uma vez casual, foi visto pelos irmãos António e João Prates da Galeria S.Bento, e resolveram-no incluir entre um projecto de edições numeradas e assinadas pelos autores, e resultaram bonitas edições. Esse livro intitula-se “Local onde o Mar Naufragou”. Outro livro recentemente editado reúne principalmente poesia e desenhos datados dos anos 40/60. Trata-se de uma nova editora, mas o livro é extremamente cuidado, e pode ser classificado de luxuoso. O livro intitula-se “Viagem sem regresso”, e a editora é “Tiragem Limitada”.
O meu método de desenho é não ter método. Tirei apenas o quinto ano de desenho da Escola António Arroio, mas com os professores nunca aprendi nada. Nunca gostei de aprender, a não ser comigo mesmo. A técnica é coisa muito de se lhe tirar o chapéu, mas não é o principal. Além disso, por certo, para ela não estou vocacionado. A alma é a minha técnica, e se há algum valor naquilo que faço, isso advém de um excesso de alma.
Repito que sempre utilizei papéis de acaso, por vezes quadriculados ou de 35 linhas. Parecia-me que ninguém quereria comprar tais coisas, mas o passar dos anos vieram a me revelar o contrário. Se há realmente alguma glória naquilo que fiz (glória é uma palavra evidentemente excessiva), ela advém desta experiência, de conseguir algum consenso, usando tais suportes.
Quanto às figurações que se movimentam naquilo que desenho e pinto elas vêm directamente do subconsciente, mas também dos encontros que vamos fazendo pelas ruas, dos livros que lemos, das guerras e das fomes, e de uma ou outra coisa boa que ainda nos toca. Muitos dos desenhos são feitos quando estou ao telefone. Com a atenção dividida, aquilo que aparece é mais livre; a mão vai e vem por ali fora, como traçando um gráfico. Conheço pintores, que muito prezo, que são capazes de dizer como vai ser o próximo quadro. Eles já sabem tudo, já o estão a ver. Eu, estou cego diante do papel ou da tela. Se “visse” o quadro antes de o fazer, por certo já não o faria, pois me pareceria que já tinha passado o seu tempo. Mas o meu método não será o melhor, pois que não dá para ser um grande nome da pintura. O que vos deixo são apenas depoimentos ou testemunhos.

Funesto som, trepa a varanda em luz escarlate

Recuperar uma casa, um lugar. Um extremo doce, nas latitudes da memória.
Avançar austera, qual cavaleiro andante, nas regiões mais imprecisas da imaginação.
Ser finalmente matéria-poema, continuar...