10.4.11

Angelfish Decay

(Tema em repeat, escrito noutras horas, noutros ritmos, mas com ecos do hoje.
Hoje com ecos do ontem)
Cancioneiro astral OU que triste se tornou a minha solitária lusofonia
a KIND of something OU se pudesse cantava-te esta canção

Era escusado morreres-me repentinamente,
agora que abrira as janelas e prepara um amanhecer radiante.
Ficou-me um milagre de grão num celeiro devastado,
um gatafunho de Chagall na ementa
-agradava-te o verde esbatido em púrpura e as transparencias da alma-
Porque na verdade, só por ti poderia colorir uma tela,
fazer uma casa,
recortar cebolas para te chorar baixinho,
de propósito, de propósito... sem propósito.

Falo-te de uma casca de pinheiro que se colou ao meu dorso,
pressagiando duas promessas,
uma era tonta e bela:
ir contigo ver de frente o hemisfério sul, romper as botas e as rosas,
Outra – a mais inútil-
era a de carregar no botão desse casaco de cetim queimado e fazer-me friamente à vida,
puxar o colarinho do vizinho,
trocar os sapatos e calçá-los, alegremente.
Creio ter falhado no predestinado,
(tão previsivel, não achas?)
Escrevo o poema que invalida o pragmatismo
e incendeia o vício.

Tu e eu: coincidencia de matéria orgânica

Da terra ocre que se seguiu, não é de estranhar o azul ciano:
é das cores primárias que se gera a derivação,
deixa-me por isso pequena, início por maturar,
raiz sem tronco, mutável e serena.
(Com quanta física se estuda uma alma?
Escreve-se o relatório ou faz-se um poema?
Reduz-se a gordura das coxas e das ancas ou modela-se
-FINALMENTE-
as folhas de uma árvore e esculpe-se o ramo?)
Na eventualidade de Maria ou eu,
não conseguirmos escapar à dor dos sapatos minúsculos,
escreve um requerimento ao céu,
requisitando entidades divinas
para curar as cefaleias.
Tenho dúvidas na prova de existir.
ERA BOM QUE NESTA CARTA FICASSE TUDO QUANTO ARDE.

Era um livro.
Eu lia e repetia, num ponto certo,
desfiando o dedal, desnudando pele,
mas era carne o que havia depois de aguçadas as fomes
-enganei-me!-
julgava ser matéria mais alta, mais elevada,
afinal,
tenho corpo,
tenho sede,
tenho medo.

São sete da tarde e eu falto ao compromisso,
as crianças madrugam,
são rápidas! - A KIND OF LULLABY-
bye bye, silver girl,
let's fuck with the rising sun.
As rimas são patetas.
Tornaste as rimas patetas.
Tu és pateta.
(é só um desabafo)
O poema acaba,
o pastor roubou as ovelhas,
o queijo furtou o leite ao vinho,
a Primavera coalhou por antecipação.
A última linha é absurda e exige CORDA.


8.4.11

Barco e marcha fúnebre



Começo por te contar novidades desse barco sem ré
( a ausência de uma nota musical -para que relembres- é razão suficiente
para falecer-se de maleitas várias,
como um riso que não se dá,
um baile que não se dança,
um copo que se atrasa e aquece - o INSUPORTÁVEL!)

O barco -esse pequeno utensílio das marés e dos brilhos - navegou doidamente,
invadindo caminhos que se outrora pudesse, desejaria sem cruzar,
porque antes era altamente quimérico,
um pouco mundano,
flectido, jenuflectido em actos de contrição duvidosa.-
e isso bastava-lhe para o livro de memórias.

Um barco tem madeira
-como porventura saberás-
corpo, alegria e desespero de troncos de árvore,
uma espécie de albergue de falecidas naturezas,
pescando outras espécies,
outras belezas.

Este barco não foi feito por mãos humanas,
cresceu dentro do seu próprio mar,
parido de loucura e alguns rituais
( as águas deste ser gritam alto ao impossível).

Não presumas milagre,
o barco nasceu para morrer,
e hoje há um triste funeral,
numa hora em que chegues de madrugada
para remendar as velas em chamas.

Não basta ser marinheiro para navegar sozinho,
este mar é traiçoeiro e gasta-te a tinta a escrever coisa nenhuma.

É um barco demasiado vivo para se importar com o fatal destino
da sua mortalidade.

Hoje vai tornar-se cimento numa parede esburacada,
esvaziar as ondas,
voltar à prodigiosa ignorância do desconhecido.