20.4.10

Em 2005, a poesia corria-me assim...

Chamava-se ImaginaryHumans e era das epidermes do sonho. Nessa altura, era mais água, do que aquela que hoje sou ou choro. Existia rítmicamente e a partir daí -ou antes daí- nada disso se alterou. Este caderno ainda é o meu caderno, mas de humano fez-se casa, decidira-se habitar.
Só escrevo por egoísmo, não repares se me encontrares as máscaras derrubadas nas entrelinhas.
Esta humana espécie, existia em 2005 e antes de 2005, depois morreu. Foi morto. Uma fatalidade alastrara-se, ao ver  esse caderno queimado, inúteis cinzas,.. parcas memórias.
Nesse ano escrevi assim:

O CORPO NA VIAGEM DO MUNDO.

Barcos


(...) "Há barcos que gostamos de perder,
que partem devagar para outras mortes
e nos deixam juntos, sem palavras."
Manuel de Freitas . in  Resumo. a poesia em 2009
Ed. Assírio & Alvim . Fnac

18.4.10

.

Concreto

Rasgámos a silhueta desta festa.
Podia ter sido a dança a construir o ritual,
mas preferimos a fractura exposta,
alastrando-se sob o piano dos teus ossos,
do teu queixo,
do penedo por onde sucumbiste para
(re)sentir vida.

Coberta por um véu silencioso,
bastava-me a comoção do volante na noite,
dirigindo-me para um lugar de mim,
cada vez mais fundo-
abismal!

Sabes que depois de passar as negras algas dessa cova,
um mar de coral invadiu-me a alma?
Nunca mergulhei num mar,
e, no entanto,
foi com tanta delicadeza e pormenor
que me revelaram este oceano,
que ouso ripostar essas oníricas evidencias.
Digo-te que semearei narrativas surreais:
uma princesa enamora-se pelo seu espelho,
mas é o espelho que a abandona,
aleijado por reflecti-la.

Dentro de mim,
tenho sempre sete seres em labuta,
derivam da espiral nomeada.
Porque páras em mim?
Eu ambiciono poetizar a minha mágoa,
não deves seguir as façanhas do meu juízo.

Sentemo-nos para este café abandonado,
preciso retocar a redoma palpável.
Não faças perguntas. Boris.
Acelera a máquina e vai.

13.4.10

blue butterfly (Mogwai sob escuta. Estou a correr -sentada- a 3,33 km hora)

Ontem, ainda não se fazia noite neste pedaço de coração.
A estrutura, se lhe queres conhecer o íntimo dinamismo,
define-se vulcânica.
Aparento este condão por um acaso lunar,
no entanto, dou alma em troca de tempo:
poderás aguardar enquanto troco de disco?
Dancemos a tua música preferida, enquanto te falo do meu cansaço.
Quando estaremos preparados para aceitar o espelho inteiro?
Por onde começar a escrita?
Será esta a última linha de um longo testamento de ausências?
Faz Abril neste calendário
e vejo nítidos os dias e os seus tamanhos,
na proporção dos meus mundos seguro a parte real deste pão e
atiro-o às aves,
para que o devorem.

Fenómenos estranhos ocorrem neste mês:
acordei e tinha entre mãos uma borboleta azul,
um rapaz sentou-se na cadeira ao meu lado e pediu-me luz em vez de lume.

É grave o que me fica,
mas apenas na tonalidade dessa melodia,
por mim, tenho voz e canto,
não sei o que fica da pele quando dramaticamente, queimada de sol ou dinamite.

É assim, que agora me vejo,
numa pauta montanhosa onde a moléstia é a própria fé.
Recupero as páginas dos livros todos do mundo,
e faço esta fogueira.
Se tivesse frio aquecia-me (e o frio é tanto).

Voltemos a ver a borboleta azul,
a poeira incandescente que ela te deixa no irregular diário.
Sem perícia,
naufraguemos no desígnio deste vento-
velozmente.

6.4.10

AOS AMIGOS

a única forma de poder falar,
seria começando pela rua que canta uma voz antiga,
fado enaltecendo a brisa da tarde,
a brisa da alma.

ficamos com gente dentro,
habitando esta planicie que é um corpo sozinho no mundo.

Quando esse metálico ser voar,
derrubando esta paisagem até trazer de novo a primordial,
ficaremos distantes.
Coisas que nem réguas nem compassos conseguem medir..

Tenho afinal um coração em vez de uma cabeça,
são-me inúteis as pragmáticas práticas,
por isso tento a vida como um poema.

O meu alento era este sol,
agora derrubados
-eu e a luz-
tentamos atalhos improvisados,
sorrir de esguelha, como quem diz para ficar mais um dia ou um ano...
talvez o tempo de uma interminável festa neste caderno que se escreve.

Depois de doer,
acredito,
existe uma imaculada mão,
o primeiro dedo apontando o primeiro cometa.

É na busca do simples que vos encontro.
tenho sete adeus e uma seta rodopiando num reflexo baço,
que é o meu, que sou eu.

Dedico-vos a luz que hoje, ao caminhar, avistava no longe:
era laranja azulada e só criava eternidade.

1.4.10

"estou cheio de palavras que só cabem no coração" . D

rasante nome teu,
sob o silêncio ergue uma torre,
lá dentro vive um pássaro e um monge,
murmuram baixo melodias de ave,
são os sons do amor puro, dizem os que por ali sempre-nunca passaram.

o fonema que se produz nos redutos preciosos que ali ficam,
servem de inspirada constelação à alma transeunte,
amélie poulain recorda que ainda existem cidades verdes no íntimo dos olhos:
esta valsa é para dançar ao contrário,
esticar as notas para que façam corda de um lado ao outro lado do mundo.

proponho-te a escalada deste trapézio,
passaremos pela fome de mãos enxutas e valentes,
a preciosa pétala da tua angústia lentamente florescendo para outra imagem...

se o coração tiver o tamanho destas revelações,
o ritmo de um novo samba alastrará beleza
e o pássaro não terá sido em vão.


fecho os olhos,
coloco os ouvidos do lado avesso
- o único que ainda inteiro escuta cantante sangue-
existes.