23.2.10

ODE

Apercebi revolta revolução no espaço de um corpo,
qualquer coisa como uma onda que rebenta artérias,
vasos que são de sangue em vez de flores.
Nessa altura, relembro a urgencia de escrevê-lo,
erguer-lhe um templo no deserto,
recuperar-lhe a barba perdida,
um navio ou uma seara.
Nunca soubera por onde navegá-lo.

Ele sentara-se,
o piano tinha três teclas indistintas,
a escala presumia Evereste melodia
(era alta a fasquia do seu corpo arruinado),
no entanto, visto sob olhar e pele nua,
reprimia alheios ímpetos de cantar,
sumia-se canário inacessível,
inábil para dialogar.

Aguardando-o,reparava:
o somatório da espera criava rugas no chão,
sismógrafos de alma apelavam às erupções,
mas nada se premiditava em absoluto,
o trio de teclas em vez de tocar, pedalava
e a cidade
outrora negra, confusa, cabisbaixa-
abria-se inédita paisagem,
prédios vestidos de salgueiros,
mulheres despidas das suas múmias,
levitando apenas dóceis movimentos de maternidade
-TODAS AS MATERNIDADES-
filhos ou arte,
poeiras ou livros.

Da semi-sombra por onde se erguera,
era longa a pauta e o seu avesso,
orquestrara o vento para se tocar,
cedendo à carícia do seu próprio tufão.

A última estação não trouxe piano nem bicicleta,
fez frio e nada mudou.
Aguarda correspondencia,
um reparo no pente que organiza a floresta.

Retira-se para se abismar.