ele era um homem que passava muito tempo a arrumar as coisas no sítio, a colocar os olhos no lugar do sal, a esfregar as mãos com sabonete de alfazema e a diagnosticar doenças de ocasião.
ponto final
25.2.08
Tulipas e vento
Quando chegares, depois de percorrido o caminho onde hipotecaste o brilho da lua, eu estarei calada, sentada, observando o vento dentro das tulipas.
Vais perguntar-me porque observo, calada e sentada, tulipas e vento. Eu vou dizer-te que desde cedo, procuro belezas raras e morosas.
E que não há nada mais belo e melancólico, do que esperar.
14.2.08
Se tiveres sede...
Se tiveres sede, não bebas rapidamente a paisagem.
Desliza lentamente nos líquidos da tua invenção e deixa que eu te surja sob o mais profundo desejo.
Não teças desilusão no meu capricho, a vida é amarga e nem sempre pedras fazem castelos.
(tudo para que saibas que afinal o capricho é também uma forma de amar)
8.2.08
since I've seen you smile
Well it's been a long time, long time now
since I've seen you smile.
And I'll gamble away my fright.
And I'll gamble away my time.
And in a year, a year or sothis will slip into the sea
Well, it's been a long time, long time now
since I've seen you smile
Sob escuta: Beirut . Nantes
5.2.08
Deslumbramento
Este seria também um poema inventado, se não fosse agora mesmo concreto, legível.
Porque era escuro e denso como uma Primavera trocada, comprada por encomenda a um mercador de enganos. Porque era ágil e movia-se sob os pés, tocando a superfície invisível do poema. Porque era grave, acentuando-se vertiginosamente na pelugem dum hemisfério inventado. Porque sabia de leis, ditando-as suavemente, numa cadeira que construía à medida dos ventos e das marés. Porque às vezes feria a última pele imaginada, o último reduto de vida. Porque às vezes os seus braços eram grandes e dentro deles cabia a onírica cabeça do corpo apaixonado. Porque não tinha pressa de chegar ao fim do amor e ficava muito tempo a observar-lhe o interior dos olhos, como se lhe enaltecesse todas as belezas. Porque dava amor na mesma proporção com que roubava a luz por dentro. Porque o seu peito acolhia sementes novas e guardava-se depois secreto até nova colheita. Porque o seu riso transbordava de cor, mas fazia-se cinzento quando invadido pelas tempestades.
Porque era feroz e deslumbrante.
Restava amá-lo.
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