19.9.07

16. sarah kane. hoje. porque sim. CRAVE. O que sera? (a flor da pele). chico buarque

A- E eu quero brincar às escondidas contigo e dar-te as minhas roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me nos degraus enquanto tu tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e encontrar-me contigo no Rudy e falar sobre o dia e passar à máquina as tuas cartas e carregar as tuas caixas e rir da tua paranóia e dar-te cassetes que tu não ouves e ver filmes óptimos, ver filmes horríveis e queixar-me da rádio e tirar-te fotografias a dormir e levantar-me para te ir buscar café e brioches e folhados e ir ao Florent beber café à meia-noite e tu a roubares-me os cigarros e a nunca conseguir achar sequer um fósforo e falar-te sobre o programa de televisão que vi na noite anterior e levar-te ao oftalmologista e não rir das tuas piadas e querer-te de manhã mas deixar-te dormir um bocado e beijar-te as costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo dos teus olhos dos teus lábios do teu pescoço dos teus peitos do teu rabo do teu
e sentar-me nos degraus a fumar até o teu vizinho chegar a casa e se sentar nos degraus a fumar até chegares a casa e preocupar-me quando estás atrasada e ficar surpreendido quando chegas cedo e dar-te girassóis e ir à tua festa e dançar até ficar todo negro e pedir desculpa quando estou errado e ficar feliz quando me desculpas e olhar para as tuas fotografias e desejar ter-te conhecido desde sempre e ouvir a tua voz no meu ouvido e sentir a tua pele na minha pele e ficar assustado quando estás zangada e um dos teus olhos vermelho e o outro azul e o teu cabelo para a esquerda e o teu rosto para oriente e dizer-te que és lindíssima e abraçar-te quando estás ansiosa e amparar-te quando estás magoada e querer-te quando te cheiro e ofender-te quando te toco e choramingar quando estou ao pé de ti e choramingar quando não estou e babar-me para o teu peito e cobrir-te à noite e ficar frio quando me tiras o cobertor e quente quando não o fazes e derreter-me quando sorris e desintegrar-me quando te ris e não compreender por que é que pensas que eu te estou a deixar quando eu não te estou a deixar e pensar como é que tu podes achar que eu alguma vez te podia deixar e pensar em quem tu és mas aceitar-te na mesma e contar-te sobre o rapaz da floresta encantada de árvores anjo que voou por cima do oceano porque te amava e escrever-te poemas e pensar por que é que tu não acreditas em mim e ter um sentimento tão profundo que para ele não existem palavras e querer comprar-te um gatinho do qual teria ciúmes porque teria mais atenção que eu e atrasar-te na cama quando tens de ir e chorar como um bebé quando finalmente vais e ver-me livre das baratas e comprar-te prendas que tu não queres e levá-las de volta outra vez e pedir-te em casamento e tu dizeres não outra vez mas eu continuar a pedir-te porque embora tu penses que eu não estou a falar a sério eu estou mesmo a falar a sério desde a primeira vez que te pedi e vaguear pela cidade pensando que ela está vazia sem ti e querer aquilo que queres e achar que me estou a perder mas saber que estou seguro contigo e contar-te o pior que há em mim e tentar dar-te o meu melhor porque não mereces menos e responder às tuas perguntas quando deveria não o fazer e dizer-te a verdade quando na verdade não o quero e tentar ser honesto porque sei que preferes assim e pensar que acabou tudo mas ficar agarrado a apenas mais dez minutos antes de me atirares para fora da tua vida e esquecer-me de quem sou e tentar chegar mais perto de ti porque é maravilhoso aprender a conhecer-te e vale bem o esforço e falar mau alemão contigo e pior ainda em hebreu e fazer amor contigo às três da manhã e de alguma maneira de alguma maneira de alguma maneira transmitir algum do / esmagador, imortal, irresistível, incondicional, abrangente, preenchedor, desafiante, contínuo e infindável amor que tenho por ti.” Sarah Kane, in Falta (Crave)

Chico Buarque -erá que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

15.9.07

17.

deixa que te agarre pelo braço e vamos ver as ondas dos mares e dos cabelos. deixa que te compre um retrato novo ou pouco usado, como aquele que vimos ontem e gostaste tanto. deixa que te trate pelo nome que

11.9.07

Tratado para a reinvindicação do real


Quero dizer-te que:
os braços, os dedos, os dois cotovelos e a sua pele enrugada, os pelos descolorados, o nariz aquilino e grave, os olhos.


Quero dizer-te que:
as artérias, o sangue, a água da saliva, os rins, o estômago, cheio ou vazio.


Quero dizer-te que:
o batimento cardíaco, o sono trocado, a ansiosa transpiração, o aperto no coração, as dores de ovários.


Quero dizer-te que:
o ideal romântico, a imaginação acesa, a desordem interior, a certeza de continuar, a perturbadora timidez.


São pura e absolutamente reais.

4.9.07

nenúfar na memória breve. hoje ouvi dizer que faria sol, do outro lado da península do desejo. Ouvi dizer que "hoje" é um lugar demorado e tardio

e era noite há muito tempo, ou assim me parecia... tornara-se noite no repente que traz um poema e desfaz as mãos em caruma (qualquer coisa que se queima, qualquer coisa que se incendeia... e a vida volátil, ri-se irónica, por cima dos meus ombros agrestes).
e vai-se a mácula e rasgo as cartas que escrevi dentro da cabeça ou nas paredes do corpo (confundo a anatomia, tenho dormente o cérebro e talvez durma muito, quando passares por completo) . Todo ele - O CORPO- cheio de cartas por abrir, outras por escrever, outras por baralhar... e eu que baralho tudo, que penso saber importantes métodos de salvação, saio à rua e estou vazia, oca.
deixas então o espaço possível, ultrapassas-me os braços e és muito veloz (e eu tenho todos os sustos despertos desde então, porque não voltas a imaginar divãs, nem eu volto a ser diva, ou qualquer coisa de muito humano, muito simples, muito fácil de amar) . Dizes-me que afinal, os poemas são das matérias difíceis, as mais fáceis de desperdiçar. Não ouves o outro lado da voz, mas estás seguro e eu tenho-te inveja e uma incomparável ternura.
Apetece-me balear-te a voz com discursos surpreendentes, comover-te de espanto, ver abundante água a pass(e)ar, comer gelados de chocolate, inventar sopas e chinesas, tocar pianola e folhear-te os olhos.
Hoje apetecia-me que tudo acon- tecesse.