18.12.12

"HOW TO DISAPPEAR COMPLETELY" - Francesca Woodman


Esfrega o mundo com cuidado,
apanha-lhe os cacos de vidro espalhados pelos olhos.
Giremo-lo juntas - como quem dança -
projectando as fotografias do nosso primeiro encontro:
17/12/12

Sei que morreste antes dos vidros
-no decorrer das quebras-
ou que foi por causa deles
-outrora muito intactos-
que te suicidaste.
...

Ou terá sido a névoa, o susto, a angústia?

Quando organizavas o corpo para as fotografias (minuciosamente)
as escadas eram outras,
tinham (demasiada) alquimia.
Não saberei dizer-te se um mundo simbólico
-esse que compilaste-
seria também um lugar mais feliz,
mais apetrechado ao delírio
ou capacitado para múltiplas possibilidades.

Temos quase sempre ideias sobre tudo e quase sempre não valem chavos
-lamento dizer-to-
faltam-lhes coisas que perderam o seu natural lugar,
falta-lhes coerência no ritmo cardíaco,
falta-lhes lógica na passagem.
(O mundo tem uma boca GRANDE  que não sabe beijar.)

Sei tudo de ti -preciso que o saibas.
Sei das tuas intenções, da tua saudade e até do estado da tua saúde.
Sei dos teus vícios -os mais  perversos- e da tua ternura -apenas ternura.

Começo a velar-te -sei que é um disparate-
mas não me inibe de te colar em todas as estantes da casa,
- eu sou um edifício com uma arquitectura disponível-
quero recortar-te, compreendes?

Não temas,
hei-de prevenir-te de regressares à génese da dor,
vou alçar os teus pulsos ao movimento primordial,
o teu sangue -se escorrer- vai ser um rio para peixes maravilhosos.
Iremos as duas.
Sem medo.
Sem frio.

E tu, absoluta.

20.11.12

Folhas vermelhas




Talvez -quem sabe!- sairemos nas notícias do dia seguinte
ou disparataremos o corpo em tentativas inúteis de fazer coisas muito belas (as inesquecíveis)!

Podemos também roubar janelas para que entre mais luz nesse cubículo onde refazes palavras-cruzadas
e temos medo que fique demasiado frio ou demasiado calor
                (as temperaturas extremas do Herberto ou a nossa incapacidade para realizá-las enquanto plano)

Havemos de voltar a esta paisagem (nem que passem cem anos ou mais!),
eu hei-de repetir-te dos amores que me nutrem:

repito os pormenores até a um cansaço que no seu derradeiro fim suscitarão apenas indiferença,
depois nem fome nem nada,
a temperatura já nem existirá!
(será que a não matéria tem temperatura?)
rasgarei o teu nome e acharás ofensivo!!!diabólico!!!!, vais arder
(eu quero arder contigo)
Explicarei calmamente o que pretendo fazer:
conjugar-te de novos modos que me pareçam surpreendentes!
(e eu terei um palco de luz dentro do peito!)

É inglório o esforço,
não te convences que a beleza é narcísica, precisa de se recriar constantemente.
Nada.
Nada.
Nada.
Derrubo as damas, os cavalos, as torres
(soubera eu jogar xadrez, mudaria a decoração da tua casa)

Quando regressarmos vais pedir-me o resumo destes dias
eu vou querer falar-te de umas folhas muito vermelhas que se distinguiam no verde da paisagem,
mas -óbvio- não vou ter coragem,
direi que está tudo bem,
que amanhã faço uma formação para fazer contas com mais precisão.

Tu vais sorrir paternalmente,
eu vou fazer rabiscos nos olhos que te  parecerão sorrisos
(muito dentro dos olhos, porque quem vê olhos não vê corações),
tudo será real outra vez,
gato ou gatos
real ou reais,
todos,
outra vez.

10.11.12

SENHOR ABÍLIO



Tornara-se hábito aquele de circular noite e dia pelas ruas da cidade. Que via os astros por dentro, dizia. Que falava com anjos, dizia. Que bebia leite e devorava enlatados, dizia.
Era forte e tinha uma barriga esplendorosa como um sol. Era belo e terno, por isso quando se passeava – nesse eterno passeio- apetecia falar –lhe de perto, vê-lo de perto. Chamava-se Abílio – Senhor Abílio, senhor Abílio! – e era um gosto vê-lo olhar e dirigir-se devagar como quem tem o compasso do mundo nas pernas e nos músculos que lhe fazem o sorriso.
Não lia nada que o atormentasse, recusava-se a compactuar com o desespero desencantado dos homens e das mulheres, no entanto, planeava bombardear os esgotos do mundo e conseguir assim a primordial, a única, a irreverente e mais eficaz de todas as guerras: Se rebentarmos com os lugares que guardam toda a merda humana –congeminava-  damos cabo disto tudo e voltamos a ser coisa nenhuma, partícula de ar (não será aquilo que afinal somos?).
Dito assim pode parecer grosseiro. Não é. O senhor Abílio tem perfil de Bordalo Pinheiro, é rústico, mas autêntico, honesto, transparente. Não tem pudor, por isso o seu léxico tem a cadência do seu pensar, se porventura se chegar a concretizar pensamento desses usuais com princípio, meio e fim.
Não deve nada, paga as contas certas até aos cêntimos, tem hábitos precisos, embora aparentemente disfuncionais. Também não saberei o que subentender por “funcionalidade” e angustia-me, como angustia ao senhor Abílio, a mecanização do existir. Por isso, ligo o aparelhómetro do disfuncionamento e bebo vinho com ele. Embora ele beba água. Ou beba café. Ou beba sumo. O senhor Abílio tem um corpo grande e límpido, como as manhãs cheias de Verão e a ria cabe-lhe bem nas utopias. Essa ria exacta que combina exactamente com o dia de sol descrito e enche tudo de beleza e lonjura.
O senhor Abílio exerce-se por longos ciclos, que cumpre ou sonha cumprir, porque isso também não interessa. Somos quase sempre a verdade do que nos apetece ser. A cada 20 anos renova a sua agenda, os seus gostos, os seus hábitos, menos o de ir caminhando. Esse permanece, dá-lhe vida, como me dá vida a mim vê-lo passear.
Na meninice andou a sonhar o teatro, ser Raul Solnado e provocar o riso. Encher-se de ironias e palavras bíblicas, parecia-lhe um projecto apoteótico! Um espectáculo grande como parece ser este, o da sua vida.
 Quando ele se fundir na paisagem, navegar para mais perto dos seus anjos, tenho a certeza de que vamos pernoitar durante muito tempo naquela melancolia persistente que nos faz vislumbrar fantasmas. Porque ele habita paisagens, ruas que se cruzam –não mais do que dez ou vinte- e essas ruas têm o nome dele e. E nós temo-lo a ele, às ruas e ao seu nome dentro de nós, numa geografia que desenha a nossa cidade.

14.9.12

Cara Parede e Lhasa

Um dia disseste-me:
tenho o meu nome esquecido na tua almofada.
Eu gostei da melancolia de encerrares essas letras no domínio dos meus sonhos
e -erradamente- tomei por certo o desígnio.

Depois passaram-se muitas noites e algumas tinham tempestades (fortes como um pássaro que morre)
outras eram apenas noites na contagem e essas,
ENTEDIAVAM-ME.

(queria espasmos no tempo, máquinas para brincar com a pulsação)

Voltava a ler o teu nome e era uma espécie de sorriso ou crença,
como um deus intermitente.
Milhares de festas ocupavam o calendário para disfarçar o que dói,
embora continue a achar que a alegria é uma tatuagem sem retorno,
embora mutável,
embora mutante.

No Verão ardi a última floresta de ti
e nem precisei de vinho,
bastou a combustão das células embriagadas de cansaços e promessas.

A almofada bordou-te e esse é um lamento que se acrescenta ao mar que canta
(desafinado como o coração)
Os mitos ainda te escutam,
eu não.

Eu sou mulher,
tenho carne e ossos e pensamentos vulgares
como este de tentar um poema para adormecer a ansiedade.





18.5.12

.


Uma vez disse-te,
- Tenho um deserto a crescer-me por dentro. -
Ligaste o rádio por cima da minha voz, em tom de protesto!
O "Harvest Moon" rangia nas madeiras do chão,
fazendo do meu estado de alma, soalho conveniente para se deixar tocar.

Precisava que me desses paisagens que aceleram frémitos
e impulsionam poemas nas mãos,
coisas que os intelectuais compilariam em Tratado
                                                                  -perdendo longas horas a exercitá-lo no interior da sua mente -
tardiamente assinado pelos únicos reais intervenientes.

As pessoas são coisas sós e difíceis de arrumar,
embora eu preferisse facilitar o processo numa tabela quântica
que resumisse em poucos traços a hora exacta da minha morte
(mas as tabelas provocam-me abundante angústia).

Não te compadeças por isto
- isto é pouco!-
lá fora morre gente de frio e de fome,
a monotonia é matéria de alguma disfunção,
como essa  de ver pássaros onde só existem pedras
e de padecer de amor por pedras que sonham erosão.

A escolha devia ser múltipla
ou a ânsia devia ser caustica (até se devorar),
de todo o modo fica-me o declínio para a solidão.
Hoje bebo ondas de mar ao entardecer,
talvez te encontre parado,
paredão,
a renascer.


18.3.12

Ode to the sea (you)

Escrevo-te poemas como quem te diz coisas banais:
ontem  mataste tudo quando violentamente agrediste o precioso que entre nós havia:
uma cerveja Cristal e dois corpos a cantar.

Como empecilho - sabes tão bem quanto eu! -não consigo viver,
prefiro a  a companhia dos mortos e um entardecer.
Bebo para viver
e se falasse espanhol diria-te com mais certeza: vivo para volver!

Não se volta ao que se nos perdeu,
mas essa é uma lei estreita como a seiva de uma árvore mítica ou uma árvore de ouro
(tudo árvores, é um facto):
o tesouro - percebi nos últimos séculos - é estarmos atento e esquecermos a receita.

Vamos fazer  novo do velho e  quando me dançares como quem escuta
serei outra vez tua,
mesmo que nunca o seja,
sendo-o sempre, sempre, sempre, eterna......

Sou-te leal  e para isso basta-nos o cinema....
De resto, hei-de cortar sempre  a Avenida Central para passares,
fazer coisas espampanantes como essa de imitares que me morreste apenas para me magoar.

Lá fora está um calor que não gosto,
e então o Palma canta a melodia que hei-de pensar foleira:
Encosta-te a mim
e depois disso hei-de inventar:
veleiros- serão mais de mil!
o mar- tão grande ! (obrigada por me salvares).

Não tenho culpa.
Não tenho medo.
Vou.
Espero encontrar-te.

9.2.12

"En Heráldica. uno de los modos de designar el azul" (Wikipédia)

Quando ela inverteu o corpo,
para que o movimento lhe ocorresse a partir da cabeça
centrando-o no coração,
emocionei-me.

Deu-me para ficar estática perante o absoluto espectáculo,
chamava-se Celeste Bausch e praticava a dança de existir com ânsias.
Eu descobrira, lendo a profecia dos meus últimos sonhos,
que parte do encanto de prosseguir em respiros,
era o de descobrir gente bonita,
daquela que faz chorar lágrimas válidas (são essas que fazem os rios),
por isso, quando vejo a fotografia do corpo invertido de Celeste
- o corpo celeste-
ou leio os poemas da Susana Aida Poeta Poeta Poeta,
sinto que me elevo e posso saborear a eternidade.

E basta-me.

Um nome ridículo ( L´homme aux bras ballants. Yann Tiersen)


Antes da Partida:
Colocar os poemas nos olhos e navegar.
Distância a percorrer:
Sempre mais e sempre menos do que a primeiramente imaginada.
O mar vai mais a direito para quem tem lados esquerdos cantantes.

O homem tinha um nome ridículo, mas nada nele ecoava matérias daquela estranha fonética.
Como dizer?...Ele era um poeta e tinha a idade do mundo
(que é uma coisa variável e pouco precisa),
Suspirava através da pele, modo tosco de dizer que todo ele transpirava não havendo -no entanto- água visível nas suas redondezas,
somente um suor latente, uma ânsia de eternidade,
ou de ser nu como no primeiro dia em que veio ao mundo,
a única inteireza que ele tinha de tudo ignorar e assim conhecer.

"Retoco os meus poemas todos os dias, antes de adormecer."- disse-me.
(eu gosto tanto que me digam coisas)
Ficou-me a frase, a mim que só me ficam cheiros e suposições
(e intuições),
espécies de tábuas mentais de adivinhação que lêem o mundo
sob uma estranha "INFLUENZA" !
Claro que isso me serviu de explicação para o que se seguiu
e ninguém gostou de ver:
Disparatei e enchi o corpo de esquecimentos,
afinal abandonara-me
- E EU SIM!-  tinha um nome ridículo adquirido no último nascimento (relembro: Novembro de 2010),
aquele que mais arrasou das planícies.

A ventania trouxe-me febre alta,
o fogo todo aceso da extremidade do dedo maior ao cabelo mais ínfimo,
porque sofro das ferozes contra-indicações e apostaram-me num cavalo que não gosta de corridas,
prefere manhã e morrer na Serra a ser silêncio:

O poeta está lá,
invariavelmente todas as noites,
na mesma cadeira, no mesmo vinho,
no mesmo poema,
a limar-lhe os cantos, a acrescentar-lhe outros.
Se tudo correr bem, nunca mais o visito.
Não suporto amá-lo desta maneira,
sem padecer de mim,
da vida inteira.

8.2.12

La derniére fois (Cléo au Trapéze – Yann Tiersen). A kind of Tarantela. Este poema tinha que ser visual, desculpa o mau gosto.

Wings of Desire- Wim Wenders and Peter Handke (a ODE)

Penso:
Põe-me do avesso para poder voltar a ver-te dançar!
Sussurro:
Põe-me do avesso para poder voltar a ver-te dançar!
Repito:
Põe-me do avesso para poder voltar a ver-te dançar!
Grito:
Põe-me do avesso para poder voltar a ver-te dançar!

(a memória guarda-se (te) no lado contrário da cabeça,
no lado de dentro dos olhos
no lado de baixo do mundo)
Quero rever (TUDO)  ,
coisas como por exemplo:

O aquário (improvisada pista de dança) tinha a medida do teu sonho,
o que era uma forma de o nomear vasto.  amplíssimo.  imenso.

A circunstância:    
Era 1997,
fazia Dezembro em todo a banda,
eu envelhecera para ter o tamanho certo para te caber.

Pelas laterais surgiam sóis que eram muitos, ofuscavam!
Essa incandescência era ,no entanto,
mui tímida, silenciosa,
contradizendo os princípios do fácil esplendor.
Redundantes espectros, bem vistas as coisas,
porque a vida a sério nunca se vislumbra em ocasiões festivas.

Porquê?
Porque avistando-te à noite
agarrado a uma mulher de andar estranho e origem duvidosa,
a beber vinho barato que tinge os dentes cor de sangue

…e tu a sangrares coisas de tempos que não sabias materializar
…e eu imersa em desgosto de não ser corda vocal para sonorizar o mais fundo de ti…

Parecias vulgar,
tipo coisa de se dar gratuitamente e sentir alívio ao ver ir-se embora,
porque possuído de ruim /atormentada/ aparência.

Claro que o teu íntimo era outro!
- Esse era o motivo!-
esse foi sempre o motivo pelo qual voltava aos teus lençóis e chorava como um bebé
que sofre de toda a tua ausência - da que foi e da que virá –
TU ÉS A AUSENCIA!
Porque eu era a evidencia -a PROVA- da quimera
quando enredada em ti
e tudo, mesmo o teu predilecto excesso, podia ser objecto simples de agarrar e comer - sem saborear!
O sabor perdura longamente - avisavas-me! - enquanto vestias a cama de coisas que eu não queria ver.
Afinal também sabias ser mau, vocação que te defendia da dor.

Antes de consumir a tragédia,
partias os meus desejos em coisas práticas e feias.
Eu, transformada algoritmo
-sequência finita de instruções bem definidas e não ambíguas, segundo a Wikipédia-
voltava aquela casa “que não tinha tecto, não tinha nada",
viva de irónica infância.

Deixo-me na montra do palacete onde celebraremos o casório do impossível,

Para que não te enganes ao encontrar-me, situa-se numa janela principal
mas talvez atravesses a rua novamente sem olhar.
Sou bibelô onde podes pousar a beata do cigarro
e deixar -como numa dança- o olhar fugir-se e pensar.

15.1.12

Inútil "song"

Devemos ter a poesia atenta quando olhamos o mundo,

ou a repará-lo que seja como  imaginada criatura ,
filho de madeira de embondeiro,
inútil Gepeto a criar obras para amar à sua imagem.


Sem enganos creio: o mundo deve ser um estar só,
porque quando ouço do lado norte da Terra  a voz da minha mãe
apetece-me atentar ao deus e seus infinitos subditos,
para que leve fogo onde ele faz falta....
e toda a gente sabe:
o fogo faz falta ao gelo para que se equilibre em paisagens deveras apaziguadoras
ou uma coisa que não lixe o juízo  e muito menos a alma!


Há quem diga que quando a alma não é pequena tudo vale a pena,
mas eu não sou da maioria: 
a alma não tem estatura,
a alma não tem estrutura.
E quem mais sente, será também quem mais mente?


Eu acho que a alma tem voz de Raul Seixas a lembrar que ela sim,
a cena ALMA,
o mecanismo alma,
a medusa alma, venenosa, fascinante, leve alma,
é metamorfose ambulante,
a vender-se para encontrar significados.


Tenho andado num exercício faz hoje 32 anos e uns dias,
trata-se de me tentar incorporar num militar dicionário de sinónimos.
Falho e penso: o que te digo tem riso de mim e rizomas das passagens,
influenciam-me as marés e eu escavo teorias convictamente,
coisa como esta que só a ti tenho coragem de dizer:
a malta tem é medo de arriscar, tudo vestido azul e branco para não destoar do
céu e das nuvens.
Mas a paz não é um estado pacifico! 
É antes uma busca num volátil encontro,
areia que se some entre os dedos...
 (e de nada vale juntar muito os dedos e até acrescentar os dedos 
de quem mais queremos juntar a nós...)
As mão nada sabem da técnica marroquina de fazer tapetes invencíveis
a arenas e areias,
por isso descuidam essenciais coisas....
e não é por mal, é por incompetência!




É de tal modo denso o estar existencialista
que relembro uma imerecida profecia de um amigo perdido no tempo.
Dei-lhe cabo do coração sem querer,
mas para um coração isso não interessa nada:
dás cabo e pronto,
agora se és bonzinho como madres e Teresas,
isso não importa.
Aqui aplica-se a popular sabedoria:
de boas intenções está o inferno cheio
e o coração para mim, com todos os seus defeitos,
é de todas as vísceras  a única que vale a pena continuar  acreditar.


Explico o porquê:
Quando deslindraram os mil tubos que seguravam o meu pai a este mundo,
o coração audaz dava sinais de si como quem diz
- "Este homem vai partir, mas olha para ele digno e forte a provocar de frente a morte!"-
e eu emocionei-me e consolei-me pela interpretação dos factos.
Interpretar é aproximar tudo a um estado de conforto - a dita zona de segurança-
sem tiros de guitarras,
qual Hendrix a revolucionar o telhado de alegria.


Na Guiné o dia é indescritível,
Cabral justifica a derrota,
afinal um partido é uma coisa simples de entender:
um partido parte. Parte gente e partes das gente.


Ontem escrevi com sentido
e quero desviar-me dessa incandescente luz...
sou da etnia poeta e tenho dentro todos os sonhos do mundo,
não me faças -por favor- falar deles,
perco o contacto com a realidade e instauro um  estado novo.


Eu quero estar no aqui que já não é um lugar,
é um cansaço e uma utopia,
é uma derrota e um recomeçar.
Tenho a estaca no coração: mato melhor à noite e morro melhor de dia,
na minha alma marco -1 grau,
a temperatura ambiente da emoção.


Se puder ainda hoje aqui volto.
Já gostei mais disto diga-se de passagem,
agora escrevo para esvaziar os bolsos.