6.6.10

anatomia




"descobri que consigo gritar por dentro"...

Em prosa, faço um relatório, que é como afinal deviam ser os relatórios do mundo:

autênticos, emocionais, fluviais
(desses rios que correm à margem do sangue comum).

no livro leio palavras que me páram. Umas porque me surpreendem, abalam, chocam.. outras porque identificativas... afinal, as palavras daquele livro são minhas! Não são, o livro não é meu, mas canta em voz alta e vasta o caminho que avisto, aqui, de mim para mim, olhos no rosto, coração cruzando o deserto.

só me apetece escrever e entregar-me depois ao sono, exausta...

uma vez vi um filme em que a imagem final era igual a este deserto, que agora se transladou para o centro das minhas acções: uma mulher que caminhava sob um espaço incógnito e sem dimensão.

para procurar uma casa, devo aceitar este desígnio, porque os ímpetos são vários se me deixo ficar pela flor da pele... avanço caule, aguardo raíz, essa estrutura inteira, gigantesca na sua unicidade, mas quando vista ao longe, sorri, em descanso sob um jardim de muitas flores, muitas cores, muitos cheiros.
cada cheiro uma memória, cada cor um coração, cada flor uma história.

mas, dentro, eu grito como tu gritas, e eu penso que um grito que encontra outro grito, pode criar a sonoridade de um novo silêncio... talvez um areal, onde os braços não nadam mas voam, sob as águas, os peixes e as criaturas, que como nós, desertam para este lugar...

se avisto agora esta planície, onde não pressinto montanhas, nem precipicios, também o devo a ti, aos outros, que com sorrisos e facas criram parte desta escultura humana, que se move como uma bailarina ferida na asa.. é o equilibrio que me seduz, mesmo quando me perco numa vasilha oca, regada de fel..

queria o lugar da escrita, onde introspectar fosse tão natural como o ar que entra...
quero este lugar, onde inabilmente faço isto, porque sou aprendiz nesta planície, neste areal...

5.6.10

conjecturar sob a ameaça da emoção (Arvo Part sob escuta, tocando Alina até à exaustão, que é nunca)

falar sem heras na mão,
aceitar essa ausencia de verde, de floresta interior,
onde João sem Medo, avançou com o alento corajoso de um sonhador.

recuperar a audácia,
apostar na nuvem mais alta!
-essa era a do Fernão e aconteceu há muito tempo na minha vida)-
e ceder à tentação do azul.

perceber a coreografia do sono e das pestanas.
dançar um baile íntimo,
com uma garrafa cheia de solidão,
que deriva de sol.

fazer contas,
e reparar os números como se de esculturas se tratassem,
invocar o 22,
esse mito,
essa quimera.

acrescentar altura às pernas, aos braços,
fazê-los girar sob a galáxia,
perceber o tamanho pequeno da aspereza
e cultivar sorriso em vez de arroz.

em antítese, saborear o amargo e gostar,
devorar o prato antes da sopa,
pentear com garfo, antes do corte,

e, enquanto esta música tse retocar
- até ser uma melodia cada vez mais bela e inaudível-
aceitar a inevitável predestinação do corpo azul...

3.6.10

INTEGRAÇÃO (a carta que o dia escolheu)

Era assim que a carta escrevia:

"A imagem da integração é a união mística, a fusão dos opostos. Este é um momento de comunicação entre dualidades da vida, anteriormente vivenciadas. Ao invés da noite opondo-se ao dia, a escuridão suprimindo a luz, as polaridades estarão trabalhando juntas para criar um todo unificado, transformando-se ininterruptamente uma na outra, cada qual contendo a semente do seu oposto no seu âmago mais profundo.

A águia e o cisne são ambos seres alados e majestosos. A águia é a encarnação do poder e da solitude. O cisne é a corporificação do espaço e da pureza, flutuando e mergulhando com suavidade no elemento das emoções, totalmente satisfeito e realizado em sua perfeição e beleza.

Nós somos a união da águia com o cisne: macho e fêmea, fogo e água, vida e morte. A carta da integração é o símbolo da autocriação, da vida nova e da união mística, conhecida também como alquimia".

VIAGEM DENTRO DA MINHA ANTIGA PELE - um gatilho por acender e mais tarde fumar



HOJE É DIA DE CITAR ESSA MARESIA -"A RESSONÂNCIA DAS VAGAS CONTRA OS ROCHEDOS"- AL BERTO É O MITO DA CONTINUIDADE E O MEU CORPO É UMA ESTRUTURA MARÍTIMA.

DUAS CINTILAÇÕES

OUVE-ME

UMA PÉROLA

NÉMU (fugitivos sempre)

Bagagem suficiente para fazer esta viagem no dia quente, que se instalou na epiderme da voz.
Enquanto procuro um recanto, penso que curei algumas devastações. Sinto essa alegria, esse alívio... e essa perda. A minha voz ainda tem contornos da cinza da última fogueira ( e a cinza também fertiliza a terra).
Bastava-me falar assim, silenciosamente, ou com gestos de peixe, durante uma tarde que coubesse numa manhã, ou uma noite que tivesse nascer do sol,
Troco o disco, Al berto relembra - "O MESMO DISCO SEMPRE A TOCAR"- hoje saio com o poeta erguido nos olhos, a testar os limites da linha que corta o mundo.