22.12.09
suspensó(RIO)
Desfeito o nó, espalharam-se pelas terras húmidas os vestígios alados.
Na tentativa de recuperar a forma – essa inquieta permanência – os joelhos revelaram a sua transparência.
Foi nesse lugar que me quedei, escutando-o:
- O contorno;
- A ruga;
- A ferida.
Qualquer coisa de sideral explodia-se em fumo:
A memória trazia em braços um pirata, um barco e uma vela,
Coisas, por acaso, simples,
Contrariando o espectro dos factores,
Destes, cito os nomeáveis:
Uma cortina de mulher, sete ossos de um penedo, um baloiço estagnado,
uma criança de bigode ferrugento, mãos acres tocando um violino (um som estridente rasgando penínsulas).
Voltar a um lugar é sempre desaparecer.
Um catálogo pode manchar para sempre uma memória,
Cingi-la a nada.
A concepção é moldar barro e esperar maturação.
Esta plasticina que me caiu por engano in personna multiplus difusus,
Contesta a permanência e rói com o esqueleto um plano mutável,
Convoca para a cerimónia um apego de longe.
O coração está cheio, transborda,
O líquido bebe-se mas não evita o granulado,
Recua do palato, condensa-se nuvem e chove.
A inevitabilidade de um caco é bela:
Repara na poética harmónica. Emociona-te.
No entanto, sem o velho, é vazio o som.
O velho chora e eu choro com ele,
Enchemos uma garrafa e desenhamos ondas,
Este mar é um improviso para a nossa dor.
Nesta pauta deixo tudo quanto herdamos.
É um poema mas devia ser gente e andar pela rua,
Ter pernas falantes e estímulos para a luz.
É inútil esta perícia de pensar,
Se esquecemos a música dentro da caixa.
Eu quero lembrar-me para sempre deste quedar de folhas,
Envelhecer primaveralmente, outonizando a neve.
A errância é lúcida.
Enal-TECE.
2.12.09
CEIA
Rasga em dois a mousse que fizeste com o medo do teu próprio fantasma,
é doce - a mousse com o medo- mas não gera cerejas, nem se arboriza clareira.
Essa criatura que te afaga, contrariando a correria dos ventos
pode ter segredos que te interessem,
repara como a rotativa serigrafia contraria a teoria,
transladando-se de palco para palco.
Traça -trança- um plano de fuga com fumo de chaminé antiga,
ali encontrarás ancestrais encantadores,
como um cântaro de barro
ou uma colónia de rosto,
gastos pela cinza.
Refugia-te nesse pequeno espaço que é um vale entre precipícios e crateras.
São nuvens mentais, dirias,
mas eu engaveto tudo e numero, só depois baralho.
Agrada-me o excesso de substância evasiva em mim.
Como vês esta beleza que agora mesmo avistei?
Descrevo-ta:
uma estrada estreita dividida em dois, onde não cabe mais do que um pardal e um gato,
cada um, em cada lado, fugindo, enamorados.
Prevendo a tua resposta, rabisco com algum cansaço este recado:
Dejecta-te desse prédio abaixo,
volta a subir pelas costuras dos alicerces,
faz desenhos nos vidros com o vapor dos teus dióxidos,
a estrutura da construção é um mi(N)to ocidental.
Vou regar-me de sol,
longe onde as plantas ordenam o crescimento das lagartas, em partos sem dor.
Padronizar envelopes de plasticina
como quem se nega a respirar duas vezes sob a quotidiana superficie de um quadrado.
Quantas imagens cabem no teu nariz?
Qual é o lado por onde começa a manhã?
Qual é o mar que um pirata escolheria para morrer?
Com que idade o coração cicatriza em borracha para pinchar mais alto?
Fico-me suspensa neste acorde impraticável.
A música consome-se do prato.
Na hora da ceia repartirei este pão pelo poema
sempre me encantaram as migalhas.
9.10.09
20.9.09
Divino -parte 3
analiso, verifico,
sou pragmática nas metafísicas de ti,
agrada-me segurar os frágeis cabelos de ar onde te sustentas, magnífico,
sempre diferente do poema-poéme.
Enquanto arquitectas possibilidades,
invado o teu reportório,
componho-te poemas,
foi de propósito que quebrei o copo,
queria engravidar qualquer coisa que não fosse a minha utopia,
tenho sete palmos de imaginação soterrados nas crateras longas dos olhos,
se parares mais tempo,
podemos converter esta tonelada num desafio de Pictionnary.
Páro-me de propósito,
o pensamento atarracado em minúsculas garrafas,
tenho um vinho e uma propaganda:
não sei vender nada que não me prove,
o vinho sabe-me de cor o palato,
é ele que me visita,
que não te engane:
o copo pega-me na mão,
o líquido derrama-se,
abro a garganta na página 33 onde figuram os rostos e os amantes,
depois durmo e sonho.
Lambo um livro, fujo de presenças vivas,
carrego-te, fugudio não veleiro,
não tens mar dentro e isso é uma coisa rara
nos homens atlânticos.
Duras escreveu-te as rotas,
geometricamente falhaste,
bastou compreenderes o somatóro das partes.
verifico-te o bolor das asas,
digo-te, quanto mais velho melhor,
desde que não definhes em filosofias autodissecantes.
Escreves-me porque me avanças,
ditos os nomes todos,
estas palavras continuam a ser tuas.
Onde guardaste o coração?
17.9.09
Divinus- parte II
tenho uma tragédia chamada coração,
podes rasgá-la, de nada se vale quando projectada para lá de mim.
O futuro é uma linha e uma vidente
e todas as possibilidades que se manifestam a partir daí.
Tenho um útero ferido,
um pássaro por remendar,
não me projectas para os ocasos solares,
sou de nascentes:
- Da primeira vez que vi nascer sol á tinha nascido e eu amei como se fosse meu;
- Da segunda vez que supus que nascesse desfez-se onda em espuma;
- Da terceira vez trazia tudo tão certo -até os colarinhos da alma - pensei que fosse a sério.
Rasga esse título,
somo-nos sementes de desertos,
a orgigem valeu-me sempre mais do que aquilo que
os homens não estão dipostos a dar-
estou cansada de dar....
11.9.09
DIVINO . parte 1
engolir vento para distrair o pensamento.
parece absurdo, mas antevejo um mundo poético e surdo,
não te arrelies se me vires a esboçar gestos para a lua,
no fundo sempre me cativaram os silêncios.
Conto a história de 2 homens que tiveram 3 filhos,
a partir daí fizeram palácios,
para mim tornaram-se inúteis as antiguidades,
eles eram presenças multiplicadas em beleza:
Um fez-se música, o outro fez-se vinho.
3.9.09
M -i- AU
não é por acaso que ardem brasas nos desejos.
este é um estado que se contempla sem sossegar,
levanta-se cedo, mas infrange a lei do silencio.
este estado grita-se, despe-se devagar.
devia trazer agarrado à saia um nome estranho,
um sobreaviso que acautelasse quem se aproxima.
tenho doenças nos dedos: escrevo demais.
é claro que pensando na minha situação de felino domável,
limo as garras e faço de conta(s),
somo os inversos e faço chapéus que cobrem telhados.
tento ser perfeita na arte de incendiar janelas e comer cinzas.
tenho tudo certo num calendario de improvaveis.
a minha unica malicia é alimentar-te,
trazer-te numa jaula que me bate dentro,
sorrir-te de esguelha para não te ver os dentes.
estou a curar a ferida do joelho,
antes de voltar a cair.
a cautela nunca foi demais.
M(i)AU, M(i)AU!
26.8.09
Cada menino tem a sua aldeia... cada menino tem a sua ilha...
TODOS OS RASCUNHOS. AS ESCRITAS QUE FICARAM SUSPENSAS NO TECTO DA CASA.
POEMA . o jogo do poema
MANIFESTO só porque sim, simples homenagem às composições que nos iniciaram nas artes de pensar nas evidências e repeti-las até à exaustão
esses trabalhos depois vão para montras e podem até fazer livros... não se sabe... nunca se sabe.
esta casa, como é a minha casa, é também um espaço de liberdade e coisas boas e más e ... um espaço do que as coisas lhe apeteçam ser. e isso é bom. e isso faz falta.
todos devemos ter uma casa.
Nota:
Evidências repetidas até à exaustão nas composições:
1. A Primavera é uma estação do ano.
2. O Dia do Pai é no dia 19 de Março. Eu gosto do meu pai.
3. Quando crescer quero ser ... porque ...
4. Nas férias diverti-me muito.
5. ...
Carta da cidade queimada
Recuperar a terra demorou tempos que não te sei contar, mas fez-se, porque o tempo tem tudo o que é relativo dentro: estica, estreita-se, dilata, esfuma-se. O tempo é uma doença que se cura com..... tempo.
Neste incendio também senti feridas as aves, as estrelas, as figuras dos museus. Ficou tudo devastado nesta última estação.
Enfim, não vim para causar confusão, vou sair de mansinho para que não me escutes. Conto-te o último relato desta embarcação quando já não avistar terra.
Silêncio que se vai cantar o nada.
25.8.09
Falhar (so glad to see you . Hot Chips)
aconchega as pedras da rua.
dá-lhes a docil tendencia dos astros
sob o céu de Verão.
Quando voltares a escrever,
diz-me desses dias onde estiveste, silencioso e atento,
a observar uma floresta crescer dentro da mão de um provável amor.
Esqueci-me -mais uma vez-
que o coração não se força a nada,
tentei amar um corpo plástico e perfeito.
todo ele feito à medida do meu capricho:
enervava-me,
atirei-o às margens do vazio (donde nunca saíra).
Eu nunca pedi para escreveres poemas,
basta deixares um número para o qual possa ligar,
a noite tem picos de dor,
é uma febre estranha que me visita.
Posso ligar-te pela manhã?
Há pirilampos que não sucumbem na madrugada,
podemos procurar-lhes as ocultas belezas,
como essas que trazes debaixo de ti.
Vamos repetir tudo,
invertendo as cenas.
Eu farei de ti, acreditas?...
...repara como sou ineficaz
quando tento ludibriar-te..
nunca saí para um terreno que não fosse eu,
mesmo quando me reinventei.
Se amares a metamorfose que te conto,
poderemos criar melodias,
fazer poemas ou saladas,
comer gelados e pensar livre....
Agora calo o poema,
sei que te aflijo quando parto para metáforas sem
pré-aviso
(são 20 segundos de pura beleza,
qual droga tropical no meu delirante desejo de pássaro).
Quando voltares faremos tudo à tua maneira,
gostava de me experimentar em ti, assim,
inteira.
Ainda me vives,
se te ralho é só porque não vês o que eu quero que vejas:
os meus braços, as minhas pernas,
o meu umbigo,
todas as partes de mim.
Devias tornar-te atento à imobilidade.
22.6.09
1
rasguei-o para te dizer que do meu avesso,
avistas as palavras certas para compores em verso um sorriso
ou um barco retalhado em papéis dispersos
que sejam apenas ode de amantes
ou náufragos.
Quando voltares a passear nas montanhas do meu umbigo,
seguiremos com as mãos a rota das estrelas.
Ferirás a primeira dor,
para lhe causar medo,
mas de nada valerá
Serão tuas as caricias deste vento que me chega de empréstimo?
Serão tuas as formas que cavalgam a planicie horizontal?
Serão teus os sussurros dos passos invisiveis dos anjos?
Deixa-me ser dramática,
decorar-te o quarto com semblantes de sereias,
inventar-te um itinerário de amor.
Quero-te de braços inteiros semeados nos meus movimentos.
A tua sombra tem eco?
Porque te escuto se deixaste o quarto vazio pousado em cima da minha ternura?
E agora o que faço da minha ternura transformada tesoura?
Cortaste-me o coração à escovinha e ele nunca mais cresceu..
Mirrou e nem um pássaro lhe debica o rosado contorno.
Por isso deixei de te cantar
16.6.09
2
cortados na brusquidão da escrita.
As palavras não suavizam as veias,
arreliam-lhes o interior líquido.
dedico-me a dedilhar poemas vagarosamente.
trajavas como um rei pobre,
na cabeça uma coroa de galhos com sede.
A tua casa tinha pó e eu sorri,
porque era um resíduo antigo
Eu enviuvara de propósito,
para cercar com um círculo vermelho a tua varanda
e disparar-te o silêncio como uma laranja amarga-velha,
Não é nada disto que tenho para te dizer,
na verdade só faltei à tua festa porque me doía a dança
de te ver repartido nos passos dela.
O meu coração guarda um espelho por onde te reflectes e metes
e a narrativa que te memoriza ainda sabe que mentes para
me evitares triste.
tem música de violino ao fundo,
como um Atlântico transmutado música.
Tenho-te guardado num frasco transparente. mas sempre me danas
e confundes.
Dei-te das trovoadas apenas a sua revelação de luz,
anulei das estações, as insónias e os presságios.
Movi a terra dos teus sapatos,
que te desdenhava em surdina,
mas nada trazia vida ao pedaço morto de amor que me dedicaras
na estção do sol.
3 FERRUGEM
a ferrugem tem voz.
De nada vale duvidares da idade do coração.
Um coração também tem ferrugem.
Um coração também tem uma voz com ferrugem.
17.5.09
(Eras alto, porque eu te via alturas a partir dos olhos.
Eras rude, porque não sabias beber vinho sem destruir a estrada que te levava
seguro, de ti a mim)
Para que não duvidasses do barro
com que cosntruira os três palmos de mim,
cantei-te ao ouvido,
aquilo que era sede e chama,
aquilo que era eu.
Começava a contar-te a história pelo fim:
primeiro voei e só depois,
muito mais tarde comecei a andar.
Iniciar-me pássaro,
foi para os grandes mestres motivo de discórdia.
Teria de te dizer que comprei mais tesouras do que jóias.
Cortei as penas de ter asas
só mais tarde, arranquei com lâminas
a pena por não ter asas.
Sou inofensiva,
nunca matei galinhas
e tenho medo de insectos de carapaça negra
Alimento-me de movimento, basta-me biciclet"ar".
(continua...)
13.5.09
FRIO (difícil dizê-lo em voz alta)
O tempo é uma existência cheia de improbabilidades.
Nos ecos escutam-se
orações repetidas de tédio
e há quem caminhe pelo vício
de não se imaginar em amor confinado
ao luto de ser apenas dois.
Inventei-me num vestido
compilado em livro.
Na página 1 lia-se exacatamente a mesma coisa
do que na página 45.
Repetia-se o escrito na página 97
e de tanto leres as mesmas fotografias,
pousaste o livro.
De seguida,
pousei-me também num livro
e numa atitude de bucólica esquizofrenia,
inventei paisagem numa noite mais longa
do que eu.
Devoraste o tecido
para que a minha nudez te surpreendesse,
ou então foi só o indistinto desejo :
pousar corpo como quem pousa cansadas asas,
Se não fores capaz
de escutar
o enorme edificio de silencio
onde assentei as casas e os dedos,
revira de novo o meu corpo,
aponta-me para sul.
O norte,
constataram as nossas sedes diluidas numa só,
é uma estratégia pérfida
e a nostalgia é a acidez do coração.
Deixa que os meus cabelos recuperem a cor
do incêndio,
corpo queimado
a contraluz
num papel de parede colado
por improviso à porta de mim.
Sabe-me a romã este pêssego
que me chega fora de estação.
Não durmo mais do que cinco minutos
há muitos anos,
sinto uma dor que
me queima a intimidade.
Já não me revelo,
suspensa na fotografia por materializar.
No fundo, andava a buscar alguém
para amar,
alguém que fosse novo
e acreditasse na beleza dos pássaros.
mas como esqueci o código que sela a natureza
em castidade,
encontrei as sete magnólias transformadas em manequins
de gosto duvidoso.
percebo a distância.
Asa, casa,
derrubo a primeira parede
onde escrevera o teu nome
a tinta de água.
Aumenta o volume da música.
dança mais uma vez,
desliga o fluxo
que te leva nas avenidas do sangue alheio,
Vamos começar pelo lado prodigioso
do riso,
ouvir em repeat o tema
que cobre de amor a pele.
A água seca a cor
inebriando de espectros luminosos
a tua palidez.
visto a milimétrica distância
tens a aparencia de um anjo
derrubado em jogo de matraquilhos.
Estende de novo o tabuleiro,
joguemos o corpo a dinheiro,
ou a qualquer coisa de fútil
que não faça poemas quando se ausenta,
cansa-me esta tardia melancolia,
a poesia serve-se fria?
(...)
11.5.09
4
Quando acabou de arder,
disseste:
- repara na luz que se solta do corpo ocre
do silêncio escuro.
Nao te vejo,
agora que ardeste o tempo inteiro
tenho doente o lado felino,
o escuro não é uma metáfora,
é o meu corpo dentro de água.
Nado e o seu feminino imediato:
Nada é o que fica a ocupar
um território de sangue.
A doença do corpo é milenar.
5.5.09
Dance
Nunca soube o que fazer de teu corpo,
tinha desajeitado o desejo,
ao ver-te inteiro e desnudado,
primeiro a pele,
depois o sangue,
depois a guelra e o peixe.
Eras tantos!
Ora terra castanha,
ora transparente água de beber,
ar inviolável de tocar,
casa insonora,
fogo que queima baixinho.
Viesse o poeta
e falasse de tudo o que arde sem se ver,
e então talvez te tocasse no ombro esquerdo.
sempre te entranhei a melodia.
Já eras antigo
antes de me nascer corpo
e violinos.
Como te dizer dos teus dedos caídos
nos meus sentidos?
Segurei-te com pregadeiras
às raízes dos meus cabelos
para que crescesses comigo.
Nunca mais tesouras!
Nunca mais cortar-te!
Foram 33 metros de longa cabeleira
multiplicados pelas vísceras,
pelas guelras oxigendas,
pelo mordomo da casa,
que procurava nos escombros da terra
um limoeiro depenado
e rabanetes cor de ferida a sangrar.
Tu rias a bom rir,
que é uma forma de te dizer que o teu riso
-O TEU RISO-
me fazia feliz.
Haveríamos de ver juntos as Índias,
primeiro um caril saboreado ao sol,
depois um deus de papel incendiado
e um gelado de manga para finalizar.
Falo-te de coisas banais,
como quem te diz,
que contigo,
é tudo sempre em primeiro.
Não há corrida nem desvio.
Haverias de fotografar-me
num piscar de olhos.
Eu, vermelha, queimada de sol,
e mais uma vez o teu riso,
a tarde tão cheia
quedados em nós,
de espantos muitos.
28.4.09
De nada a tudo
Escrevi palavras,
a marcador amarelo,
num livro que não voa continentes.
É pena...
devias saber
como morro,
mas não te sei falar
como se me morre uma alma.
a recomendação foi sempre a mesma:
a melancolia, menina,
há-de destruir-lhe o fígado.
Aceno que sim,
bebo o vinho,
repetindo-o nos gestos.
Afinal, esta era a dança
e dança-se sozinha.
Estar numa ilha é
como estar em mim, afinal.
Mas tu,
incandescente veleiro,
regressa nas ondas
quando te apetecerem as vagas.
Não tenho minutos,
nem guardo moedas para a semanada,
consulto videntes,
só por um acaso.
Não me destruisse a arte
de estar só,
e cantava-te qualquer coisa
mais colorido.
Não posso.
Não sei.
Não quero.
Penélope a cozer
velas de navio,
num cais de fantasmas,
gastronomia inútil
servida à lua.
Era assim que o livro escrevia:
Conhecer o poeta
era melhor do que conhecer o poema.
Eu que sou dada a orações,
voodoos intermináveis,
onde o ritual é o meu próprio corpo,
semeio o poema,
na esperança que nada nasça,
semeio outro
e outro
e outro
e outro.
Sou terreno de sementes.
Que não me nasça o livro,
antes de ti.
Quero ter tempo para te escrever
inteiro,
mas o tempo envelhece
mais depressa os dedos
do que o rosto.
Chegaremos por fim
ao destino,
uma casa que não precisa de
poemas,
um mar que não precisa de navios.
Confundidos na paisagem
do corpo sem leitura,
diremos então nada.
Será tudo.
20.4.09
L'AMOUR LA FOLIE
reguei de sol
a raíz do teu sapato,
para que iluminado o caminho
seguisses
o endereço indicado
no verso
do meu sorriso.
Primeiro esquerdo era a morada
e chamava-se no bairro:
coração.
Rasguei a madrugada,
as 333444 lágrimas
que encheram o livro
dos homens em atlântico.
Soletrei a letra
do teu nome.
Soprando-lhe assim:
L (éle.)
U (úu!)
Z (zzee....)
Teci-me toda de branco,
outra vez,
mais uma vez,
quantas vezes?
para que me confundisses
a pele com a sede:
a sede de beber
a sede de sentar
a sede de lugar.
Tenho-te num segredo
que partilhei ao mundo inteiro.
Explico-te a manobra:
Escrevi na parede do céu
o teu corpo em nuvem
arrastando-te sobre os azuis,
.............................VELOZ!
formavas-te
ora pássaro,
ora castelo,
ora abstracta figura,
filosofia do nada,
vinho sem copo,
constelações de corpos,
compondo as estrelas,
substituindo as estrelas,
renovando os nomes das estrelas:
Capricornius lucidus,
Corpis burlescos,
Travessias infinitus.
Este poema tem uma música
e esta música tem-te a ti.
Somos agora os três:
O ramo - o eu
A folha - o tu
A ave - a música
Espreitamos por esta janela
que espreita o
melhor de ti-mim-ti-mim.
És bonito quando (en)cantas
a ternura que me despe.
Nestes mo(vi)mentos,
cultivo novamente o jardim.
São frágeis as flores,
não pises,não negues.
Deixa que o jardim se alargue,
quanta força inútil existe numa morte breve?
Depois trataremos por tu
o coração,
o teu, mais alto,
avistará as fronteiras,
o meu, mais baixo,
avistará o canto dos teus olhos.
Autoplastia marcada,
sempre que dilacerarmos
o malmequer do jardim.
Nenhuma Primavera será demasiada
para que te chegues
de malas e cotovelos
às pétalas dos lençóis.
Teremos tempo
para contar do que vimos,
do que vemos.
Abres o livro?
Conta-me de novo,
pela primeira vez,
em novo,
a história:
Era uma vez.....
19.4.09
FRIO (difícil dizê-lo em voz alta)
O tempo é uma existência cheia de improbabilidades.
Nos ecos escutam-se
orações repetidas de tédio
e há quem caminhe pelo vício
de não se imaginar em amor confinado
ao luto de ser apenas dois.
Inventei-me num vestido
compilado em livro.
Na página 1 lia-se exacatamente a mesma coisa
do que na página 45.
Repetia-se o escrito na página 97
e de tanto leres as mesmas fotografias,
pousaste o livro.
De seguida,
pousei-me também num livro
e numa atitude de bucólica esquizofrenia,
inventei paisagem numa noite mais longa
do que eu.
Devoraste o tecido
para que a minha nudez te surpreendesse,
ou então foi só o indistinto desejo :
pousar corpo como quem pousa cansadas asas,
Se não fores capaz
de escutar
o enorme edificio de silencio
onde assentei as casas e os dedos,
revira de novo o meu corpo,
aponta-me para sul.
O norte,
constataram as nossas sedes diluidas numa só,
é uma estratégia pérfida
e a nostalgia é a acidez do coração.
Deixa que os meus cabelos recuperem a cor
do incêndio,
corpo queimado
a contraluz
num papel de parede colado
por improviso à porta de mim.
Sabe-me a romã este pêssego
que me chega fora de estação.
Não durmo mais do que cinco minutos
há muitos anos,
sinto uma dor que
me queima a intimidade.
Já não me revelo,
suspensa na fotografia por materializar.
No fundo, andava a buscar alguém
para amar,
alguém que fosse novo
e acreditasse na beleza dos pássaros.
mas como esqueci o código que sela a natureza
em castidade,
encontrei as sete magnólias transformadas em manequins
de gosto duvidoso.
percebo a distância.
Asa, casa,
derrubo a primeira parede
onde escrevera o teu nome
a tinta de água.
Aumenta o volume da música.
dança mais uma vez,
desliga o fluxo
que te leva nas avenidas do sangue alheio,
Vamos começar pelo lado prodigioso
do riso,
ouvir em repeat o tema
que cobre de amor a pele.
A água seca a cor
inebriando de espectros luminosos
a tua palidez.
visto a milimétrica distância
tens a aparencia de um anjo
derrubado em jogo de matraquilhos.
Estende de novo o tabuleiro,
joguemos o corpo a dinheiro,
ou a qualquer coisa de fútil
que não faça poemas quando se ausenta,
cansa-me esta tardia melancolia,
a poesia serve-se fria?
(...)
15.4.09
5. Requiem aeternam dona eis
passaram muitos poemas
numa tecla só,
esquecer-te valeu-me
mais de vinte tabernas,
copos de vinho doente,
amantes como remédios de ocasião.
Eu despejei-te inteiro
no meu sangue.
quando bebias de mim,
atordoado e confundido,
prometias-me a eternidade.
Renovamos a casa,
para que coubesse
O teu sabor, sabe-me a mim...
eu comprava-te ouro
para dourar-te o desespero,
podemos ser um,
ou ser finalmente nenhum?
passeios de moribundo
sob um rio de peixe morto.
pintei-te nos meus olhos,
um frasco de rímel
é certo que assitir às nascentes:
-do dia,
-da sede,
-do desejo
com o teu calor preso ao suor,
fazia imaginar-te eterno.
Um corpo amante de outro corpo,
adquire na realidade
o tamanho certo.
Nunca confiei nos teus braços
alongados aos meus.
Por onde atravessar-te,
se nunca me chegavas inteiro?
Eras um homem em ponte quebrada.
Sim,
a terra que avistávamos
na lonjura do outro lado,
prometia colheitas férteis,
de sol a sol.
Como me julgavas sempre
em parte incerta,
tropeçavas violentamente
no
joguei-te num casino,
mas tenho azar ao jogo,
perdi-te para dentro de ti.
Como te chegar ao silêncio?
Se me perguntares,
se estou feliz,
respondo-te a sorrir
que não,
para que o teu dia empov
Tempo preciso . 1:41 .
Espera.
Ouve:
1:41
Um minuto
e quarenta e um segundos de tempo cronometrado,
e só agora começo a falar-te.
Este tempo em precisão,
elegeu-se belo,
e é um tempo certo:
1:41
Podemos escutá-lo sem que desapareça,
neste tempo não consta o que dista o universo.
É um fragmento sonoro
atirado ao cosmos,
superfície plana e horizontal.
Tinha um raro vício:
repetir Lhasa.
Depois a música era outra,
porque quando olhava os livros
abria-se em pautas,
mirando-se -mirando-OS-
nesse desfile de almas.
Compunha-se em vozes:
esse coro gritava-lhe as entranhas.
Dizia-me, por exemplo:
Hoje não consegui dormir,
al berto não se calava,
por isso adocicamos a noite,
enquanto pintávamos a parede em azul visível.
Como não me cabia dentro,
derramei-me inteira ao delírio.
Seguras-me à chegada?
Ela lia como quem canta,
que falta lhe faria a música?
É nesta parte que te digo
do silêncio.
Aprendi-lhe a forma,
ao ver como ela morria
cantando-se em recortes
respirando ar dos livros.
Repetindo.
Repetindo.
Tudo igual.
Nada igual.
1:41,
é o tempo preciso onde as extremidades se encontram.
eu,
ela,
a parede azul de Sines em branco,
o comboio por onde desfilam estas
e outras paisagens.
Sabias que morri durante
a noite?
Velaram por mim os insectos
e as pestanas,
depois havia um filme de um rapaz que lía.
De tanto ler
transformou-se num mito
e nunca mais falou de si.
Quando se nomeava,
visitavam-lhe as figuras evocadas
nas leituras.
De resto o filme era inútil,
não fosse uma mulher amarga
que me fazia lembrar cetim em pele enrugada.
Enchi a mala de viagem,
não estranhes se te parecer um envelope.
Afinal,
cabe-me a vida numa carta.
Rasga as folhas finais,
e cola as partes dispersas
onde te apeteça estar,
seja terra de vida
ou terra de morte.
Saberás melhor de mim assim,
em retalhos,
colada por aí.
Que não te importem as palavras cortadas
ou sem leitura.
Que não te chateie o disco riscado,
pousado em todo o lado,
girando-se aleatóriamente.
1:41,
1:41,
1:41,
é o tempo preciso,
onde no meio do coração aberto,
construo a casa,
a morada,
o abrigo.
Estarei lá.
É um aviso para esqueceres que existo.
14.4.09
Um poema em tamanho de noite . Em púrpura o teu corpo arde.

para que nada faltasse
marcando a noite funda
na tua boca.
escrevias demasiado
e um poema falava-se,
autónomo de ti.
que atiravas precipicios
em formas escritas.
Parceiros tinhas mais de mil,
cada um amante,
um amor ,
um avesso.
Rasgaste a saia da mulher que te passava na rua,
quero-te nua, quero -te inteira,
quero-te minha no espaço de um poema.
...
a mulher fugiu-te,
porque te preferia sólido,
quente,
não vestido nesse corpo frio
onde escrevias poesia,
como quem corta a pele,
na ilusão de revelar o vazio.
depois,
sem mulher
e com uma saia de ausência
pousada na cadeira vermelha,
escreveste outro poema.
a sala cheirava a incenso,
era insuportável e encantatório.
o poema atravessara-se na mesa,
era urgente escrevê-lo.
Agarravas, frenético, a matéria dispersa
e num acto cirúrgico
dissecavas metáforas.
é engraçado pensar que antes,
muito antes
de veres a mulher nua,
já lhe conhecias
a curva do desespero,
a cintura indefinida,
as unhas incertas,
sem verniz
e sem cuidado.
Escreveste o poema inteiro,
durou-te uma garrafa
e alguma tinta.
Ao nascer do dia
enviaste uma carta para mil moradas.
Eram mil mulheres
no teu poema.
Liam-no.
Comoviam-se.
Incomodavam-se.
Eram mil mulheres
e o poema.
vestiram-no como quem veste uma saia,
taparam a nudez
para sair no dia.
E o poema estava em cada uma,
e agora estavam inteiramente nuas,
mas ninguém reparava na subtil diferença
de ver um corpo aberto no espaço de um poema.
E dentro das mil mulheres,
o seu silêncio revelado pensava-se
em aflição,
tapando com a mão
o coração escancarado nos poros
do teu poema.
13.4.09
6. simples e duas vozes
10.4.09
White Chalk. PJ Harvey canta-se no vaso onde descreveste a arquitectura da tua casa

Na primeira noite em que te vi
8.4.09
7.
por ser teu.
Era assim que se falava de ti,
eu explico-te,
repara:
Não são os poemas, é o poeta. É o poeta que interessa
4.4.09
Água . Altamente biográfico, sob influência da chuva: Midnight Blue

porque chove
3.4.09
8.
pegar fundo na caneta,
dissecar pormenores.
O plano era este,
e era um plano morto
e era um plano vivo.
Era um plano
que às vezes ficava calado de angústia,
como quando se fala
para uma multidão
e a voz se apaga,
mesmo cheia.
Era um plano infantil
mas exterm
1.4.09
A Partir dos Equinócios de al berto . Sombra e Luz. Gomos de Laranja.

Partem-se os equinócios,
a duração em poema, de Peter Handke,
ressalta na planície.
O poeta é meu guru, tudo me faltará.
31.3.09
Escreve na parede do meu peito . (ESTADO: líquido)

Enrique Vila-Matas, Doutor Pasavento (Teorema, 2007)
29.3.09
BANG BANG
Vim dizer-te qua a rua ardeu
e o avô fez anos de morto.
Desapareceram-lhe os poros,
e já mal se lhe guarda o esqueleto.
A terra comeu-o,
mas um lírico diz-me que o corpo morto
germinou em jardim.
Na aldeia ninguém se fala,
o corpo cansa-se de espreguiçar murmúrios,
e depois com as ruas queimadas,
os pés ardem nos caminhos.
Na aldeia não se fala de pés,
mas era através dos pés que se falava.
Havia algo de encantatório nessa conversa que caminhava.
Que se caminhava.
Que se encaminhava.
Agora,
aninhados os pés em silêncio,
tornou-se difícil explorar outras geografias falantes do corpo,
do copo.
Foi por isso que esta carta
foi nascendo até se gritar.
Eu estava cansada
e parti a guitarra
contra o espelho.
A melodia reflectida,
a melodia despedaçada,
não imaginas como escureci.
Desde que a aldeia está calada
já não se sonha
a não ser que se boceje.
mas ninguém entende de bocas,
ninguém beija essa estrutura de carne feita para amar.
Meu amor,
com a guitarra partida
e os pés calados,
custa-me a chuva
que se cai em cinzento.
A água que me caíu dentro,
era devassa,
arrastou um livro
que tinha ilustrações de uma ilha
onde a boca falava,
onde a boca reinava.
Nada disto esteve para se dizer,
meu amor,
os dias são apenas dias,
quando o pensamento se cansa de se pensar.
Hoje andei a tarde inteira a correr atrás de um poema,
comprei-o por um valor que ele não tinha.
Era um poema de um homem que trazia outro homem dentro.
Quando segurei o poema na mão,
a mão escureceu.
Lavei-a com tinta,
voltou à cor que antes tinha.
Porque é um acto de amor. nota confessionária onde o poema reina devagar


23.3.09
LUME

Deixo que o LUME segure a minha mão.
O interior da mão -
imagino,
imaginamos-
é de nuvem que não te chove:
segura-te.
suspenso no tecto do coração
fotografas a rua,
eu não estou lá,
mas ouço ao longe o soletrar
de uns passos.
Reparo:
a vizinha é alta e esguia,
e ateia o fogo para limpar os móveis do jardim.
A noite, essa, pode esfriar no prato,
porque te distrais a contar
o tamanho de um ovo
e eu penso que é belo ver
como trabalham as tuas mãos.
Dizes que o labor
é precioso,
isso espanta-me,
desperta-me o improviso:
canto alto na rua
para que notes que me comovo
quando te expandes em minunciosas tarefas.
O lume está agora dentro
de casa,
a montanha diáfana enche-se de pássaros
que nomeias pela ordem das visões.
Abres o sol em gomos,
comemos o sol
e é bom.
Esse incêndio de luz
incandesce no sono.
Eu nunca soube se uma aldeia se compra,
ou se se pede de empréstimo
às criaturas e aos montes.
Mas sei que buscaria terra
e plantaria poemas nos vasos,
para que chegasses mais cedo
aos braços que já te moldaram mil vezes.
É noite agora,
as mãos pintam-te no rosto uma palavra
cheia como uma lua.
De manhã,
seremos três,
tu,
eu
e a voz citando al berto:
"quando acordares, e abrires a janela"...
21.3.09
10. POEMA (realmente) EM DOIS TEMPOS. UM ERA MANHÃ O OUTRO ERA DE NOITE (mas este poema é longo, procura-se terceiro)
enquanto a noite era o avesso do dia distante,
eu tinha
-finalmente-
percebido:
Mas como as histórias nem sempre têm voz,dedica-se a alma
,que é uma porção do ser, dedicada a causas mínimas de elevadas dimensões)
a descoser as linhas que atravessam
as redes.
São de nevoeiro e ardem.
Eu comecei este poema há mil anos,
eras tu ainda pequeno.
Visto à luz de palma da mão,
assentando a atenção nas tentativas de vislumbre,
confundia-te com uma linha
- dessas que traçam itinerários de riso e de perda.
Cosia-te então,
primeiro à rua,
para que os pés soubessem o caminho,
depois ao céu,
para que os olhos se abrissem em vôo.
(não acredito em ASAS. Faltam-lhes vocação para se humanizarem.
não consigo fazer nada com elas para além da prática de simulacros)
18.3.09
11.
última vez,
escondi-te o rosto
atrás de mim.
Agora ando com a tua sombra,
que é uma cara sem pernas,
preciso carregá-la nos ombros,
de um lado para o outro lado da rua,
e ás vezes são pesadas as linhas do
teu rosto,
nas linhas da rua
17.3.09
PEDRAS para sentar OU PEDRAS por assentar
onde podes sentar as
pedras.
Mais tarde, quando voltares a
passar pelo banco,
onde descansam as pedras
adormecidas de sol,
atira-as para longe,
tenta acertar no alvo!
Há quem pense que é uma mulher bonita,
mas não acredites.
Ela não acredita.
Podes escrever-lhe um poema sobre pedras
ou sobre lagos
ou sobre bacias que guardam lagos com pedras.
Ela preferirá sempre o poema que não escreveste.
Podes passar-lhe a mão nas pernas e nos pêlos,
podes ver como arranham,
podes ver como doem.
Não são suaves como sonhaste que seriam os pêlos da
mulher amada,
mas são pêlos e são os dela.
Esta mulher pensa que a estética
se resume quase sempre a um corpo que baile bem.
prefere bronzear livros ao sol,
que é como quem diz deixar os braços fora
da janela do corpo,
e deixá-los avançar,
seguros,
satisfeitos,
Das pedras, a mulher,
sabe de cor (e pela cor) o sabor
...e nunca foi o de sopa.
Fossem deliciosas as pedras
e bordaria com elas um coral.
As pedras são amargas.
As pedras são pesadas,
principalmente se carregadas nos bolsos
de um casaco que não se despe.
(e esse, tenho ouvido,
resguarda-se debaixo da pele,
longe dos toques
e das mãos)
16.3.09
VINIL VIL, VIL VINIL

não estou aqui para ler poesia,
fechou-se o cardápio,
volta quando a noite cair
do cimo de si onde se sustenta,
espalhada no chão,
confusa de estrelas e astros
assustados pela enorme queda
(chora mais quem cai primeiro,
é a regra do cosmos,
para que o último escute esse eco.
... não é uma questão de ego...
é uma questão de eco-eco-eco-ec-e-...)
Se preferes a lua cheia porque não
compras uma somente para ti?
Tu e a tua-lua-tua-lua.
Não me olhes com cara de mau,
sabes que não é assim que te vejo,
o reflexo é sempre o do outro
e esse já sabes, comove-me
provoca-me inquietude,
deixa-me os dedos calados-colados.
Deixa-me os dedos parados.
Enquanto o teu nome couber inteiro
no vinil antigo
e os Velvet disserem de ti
o que tu apagas,
este dia continuará a ter qualquer coisa de teu
-não sei se a luz, se o cheiro, se a impressão de te ver entre outros-
ou tu, aqui,
neste lugar arredondado
onde guardo mundo
em quadros sem telas.
15.3.09
EQUINÓCIO com demasiados parêntesis
De cinzento a cinzento penso a parede.
(a parede é uma matéria ingrata
quando se fala baixinho,
primeiro, gastam-se as palavras nos tijolos,
depois gasta-se a cor com o tempo que as palavras levam
a desenvencilhar tijolos e letras,
por fim, gastas pelo tempo,
as palavras desistem,
comem definitivamente a cor
e o silêncio tem o seu supremo reinado).
O teu silêncio quebra o corpo da flor
(passara horas a desenhá-la no jardim)
O teu silêncio mutila o lado risonho onde navega o segredo filosofal
Do fim para o pricípio as letras nunca mais se encontraram,
por isso este poema pode ser mau,
por isso este poema deve ser mau:
é como um corpo que não se entende,
pernas para o ar,
coração em vez de rins,
água inquinada como conversa que se matuta e não se diz.
Nem riso, nem rizomas,
fazem parte deste prato que serves com lágrimas sem sal.
(trago apressada o saleiro,
encho-te os olhos de sal,
não para salgar lágrimas
-eu sei que é uma perda de tempo salgar lágrimas-
mas para trazer viva a memória do primeiro
mar,
do primeiro sorriso
e do teu corpo horizontal a ocupar toda a visão da planície)
O esforço deve ser nenhum
quando a alma é empática,
(sussurra um sábio velho, um sábio chato, um chato velho!)
Mas na verdade,
eu penso que essa filosofia não me cabe dentro da cabeça,
escrevo-a de cor, mas sem salteados.
Não cabe o sapato nesse pé
tropeça, vacila,
é um sapato vazio caído na rua,
(fico triste quando vejo sapatos sem dono,
perdidos na rua.
Fazem lembrar gente morta).
Por fim,
dizes-me para colocar o saleiro num lugar onde eu não o veja,
um mar ido não deve ser evocado com estratégias de diversão.
Agora tudo sério, dizes,
Agora é a sério, dizes,
esfregando as mãos, confiante.
A tinta certa pinta a parede cor-de-laranja que me dedicaras,
já não tem laranjas, nem flores brancas em período de gestação,
é uma parede cinzenta
onde peregrina a melancolia que sabe de cor
o sabor do sal.
(Se este poema tivesse uma etiqueta seria: "EQUINÓCIO",
mas não sei porquê... sabe-me bem esse nome...
Esse nome cabe no sabor deste poema)
NOCTURNO. Nuno Júdice
11.3.09
Dizias.
não procures a lua onde ela não está, dizias.
a lua morreu, dizias.
eu parava, escutando-te
uma atenção latente debaixo das pálpebras, porque de ti interessavam-me,
primeiro: os olhos (reliquiário de histórias)
segundo (segundo a segundo, minutos muitos): a pele (película transparente de anfíbio)
terceiro: as algemas (várias, rodeando cada um dos teus braços, enroscados no centro do coração).
Depois dizia-te: a paisagem que inventei tem a banda sonora do Paris Texas e os anjos saltaram de filme em filme e pararam no parapeito deste deserto.
Consegues vê-los?
Pretos e brancos, dançam num ritual simples chamado abraço.
A lua morreu, dizias.
A noite não está onde julga estar, dizias.
Não se chega a um lugar onde nunca se viveu, dizias.
Já era tarde para avisos...
Eu rascunhara luas no céu e os anjos vestiam agora jaquetas verde-alface,
calçavam sapatos prateados
a a cor tomava conta de um grupo de rãs que em vez de coaxar, cantavam o alfabeto e contavam sementes num frasco de vidro muito fundo, muito vivo.
A lua morreu, dizias.
Guarda o envelope e não envies a carta, dizias.
Não voltes a ligar, dizias.
Nunca entendi a tua voz, dizias.
Eu fingindo não ouvir,
corria o deserto, que agora era um rio onde podiamos mergulhar,
mas sem truques de sereia era difícil poder levar-te.
Preferias terra quente,
desertos de areia,
anjos pretos e brancos,
rãs a coaxar.
Tudo no lugar
(Menos a lua que não é tua, não é minha... é de quem a apanhar)
2.3.09
Agora vai ser simples. Antonio Franco Alexandre. FOGE BANDIDO. Manel Cruz

there is a tree...

imersa nesta gramática de cores, os passos são lentos mas parecem velozes.
não ligues.
não interpretes.
eu cuido das tuas mãos sem rasgar com elas os meus diários visuais.
14.2.09
No sentido lógico da paisagem
A verdade é que li muito ("pela tarde e pela noite dentro" al berto), à procura dessa palavra que completasse estas desorganizadas matérias, que são vida e movimento.
A planície já te disse, é escassa e prende os olhos quando se escuta de trás para a frente.
Há quem prefira assim, seguindo a inversão dos lugares, mas eu queria explicar-te esta geografia sem invasões ou metáforas, num sentido linear, que ordena as cores pelas sua lógicas:
o verde nas árvores,
o azul no mar,
o vermelho no sangue.
Um coração deve ser contado pelos dedos:
um, dois, três, quatro.
Depois compor um tema e uma dança ou dormir ao luar.
7.2.09
corps nu

3.2.09
12.
Os poetas abrigados no saco de viagem iluminam-se para leituras.
Se pudessem diriam em voz alta os longos relatos de alma, que foram sendo.
Discursos do tempo,que é como quem entrega a cabeça ao vento e fica a ver o céu sugar-lhe as imagens, transformando-as em mutáveis nuvens.
Este vento não pára.
Nem esta sobrevivência que é levar a
2.2.09
31.1.09
Céu aberto
cultivando luzes no campo aberto da nudez)
escutando a velocidade dos teus passos,
escreverei no silêncio estas metáforas que te nomeiam entre os seres, como o AR,
como a melodia que engravida os dias de sol.
Vestirei o casaco vermelho manchado de coração,
pensarei no que estarás a pensar,
depois não pensarei
e atenta, escutarei o teu movimento de asas,
atravessando as ruas.
Trarás o teu corpo,
onde inscreves e corriges diariamente as estruturas do planeta,
lembrando uma criatura que o meu corpo, por sua vez,
reconheceu milen-AR.
E será um dia completo.