31.3.09

Escreve na parede do meu peito . (ESTADO: líquido)

"As coisas, por exemplo, começavam todas pelo princípio e acabavam no final. Por isso, nesse tempo, para ele tinha sido uma grande surpresa, e nunca mais as esquecera, umas declarações do cineasta Godard onde dizia que gostava de entrar nas salas de cinema sem saber quando é que o filme tinha começado, entrar ao acaso em qualquer sequência, e ir-se embora antes do filme ter terminado. Seguramente, Godard não acreditava nos argumentos. E possivelmente tinha razão. Não era nada claro que qualquer fragmento da nossa vida fosse precisamente uma história fechada, com um argumento, com princípio e com fim."

Enrique Vila-Matas, Doutor Pasavento (Teorema, 2007)

29.3.09

BANG BANG

Bom-dia, meu amor.

Vim dizer-te qua a rua ardeu
e o avô fez anos de morto.
Desapareceram-lhe os poros,
e já mal se lhe guarda o esqueleto.
A terra comeu-o,
mas um lírico diz-me que o corpo morto
germinou em jardim.

De que me valem essas flores?

Na aldeia ninguém se fala,
o corpo cansa-se de espreguiçar murmúrios,
e depois com as ruas queimadas,
os pés ardem nos caminhos.

Na aldeia não se fala de pés,
mas era através dos pés que se falava.
Havia algo de encantatório nessa conversa que caminhava.
Que se caminhava.
Que se encaminhava.
Agora,
aninhados os pés em silêncio,
tornou-se difícil explorar outras geografias falantes do corpo,
do copo.

Enche-me o copo de sol.

Foi por isso que esta carta
foi nascendo até se gritar.
Eu estava cansada
e parti a guitarra
contra o espelho.
A melodia reflectida,
a melodia despedaçada,
não imaginas como escureci.

Desde que a aldeia está calada
já não se sonha
a não ser que se boceje.
mas ninguém entende de bocas,
ninguém beija essa estrutura de carne feita para amar.

Meu amor,
com a guitarra partida
e os pés calados,
custa-me a chuva
que se cai em cinzento.
A água que me caíu dentro,
era devassa,
arrastou um livro
que tinha ilustrações de uma ilha
onde a boca falava,
onde a boca reinava.


Nada disto esteve para se dizer,
meu amor,
os dias são apenas dias,
quando o pensamento se cansa de se pensar.

Hoje andei a tarde inteira a correr atrás de um poema,
comprei-o por um valor que ele não tinha.
Era um poema de um homem que trazia outro homem dentro.
Quando segurei o poema na mão,
a mão escureceu.
Lavei-a com tinta,
voltou à cor que antes tinha.
Voltarei a ter a cor que tinha?
Esse poema caminhava arrastado
num saco verde
e o pai era um homem magro
que não era bom contador de histórias,
mas de notas sabia,
escrevia-as por todo o lado.
O homem e o seu duplo,
transmutados em estátua,
tinham por companhia uma caravela azul e branca.
Era um bocado feia,
ningúem a queria,
por isso comprei-a
e nunca mais a ofereci.
Somos muitos,
e quando te escrevo
confunde-me a estátua,
arrepiam-se as palavras caladas dos pés,
o esqueleto range no jardim.
a caravela pinta o seu rosto de convés
e transforma-se diva
por cem dias.
É desta aldeia em desatino,
em que de um louco se faz um menino,
que te escrevo.
Estou bem,
os dedos permanecem altos
e apontam nortes como bússolas.
Sossego agora.
Guarda uma fatia do teu silêncio
para te engolir de perto.
Volto no Verão.

Porque é um acto de amor. nota confessionária onde o poema reina devagar





Em casa de livros, quem tem amor singra, se não pela venda, pela criação de um país de infinitudes. Esta casa tinha livros que ocupavam tudo. As paredes eram um livro imenso. Passeavam-se por lá fantasmas idos de escritores nos seus escritos, nas manchas negras que habitam o univeros branco... essa casa metafórica... essa casa em metamorfose que é um livro a acontecer-se.

ESTA CASA É MUITO BELA.

Hoje visitei-a nas imagens.
Eu queria desta casa uma porta aberta, uma sesta no sótão do seu abrigo.
Que assim seja, que assim se leia, pelas ordens que regulam o despojamento.

(Nick Cave em banda sonora aleatória canta no momento da escrita).



23.3.09

LUME


Deixo que o LUME segure a minha mão.

O interior da mão -
imagino,
imaginamos-
é de nuvem que não te chove:
segura-te.

Escrevi-te um livro inteiro e está todo em branco.

Leio-to (lendo-te) para que entendas como é barulhento o silêncio dessas páginas.

Assim,
suspenso no tecto do coração
fotografas a rua,
eu não estou lá,
mas ouço ao longe o soletrar
de uns passos.
Reparo:
a vizinha é alta e esguia,
e ateia o fogo para limpar os móveis do jardim.
A noite, essa, pode esfriar no prato,
porque te distrais a contar
o tamanho de um ovo
e eu penso que é belo ver
como trabalham as tuas mãos.
Dizes que o labor
é precioso,
isso espanta-me,
desperta-me o improviso:
canto alto na rua
para que notes que me comovo
quando te expandes em minunciosas tarefas.

O lume está agora dentro
de casa,
a montanha diáfana enche-se de pássaros
que nomeias pela ordem das visões.
Abres o sol em gomos,
comemos o sol
e é bom.
Esse incêndio de luz
incandesce no sono.

Eu nunca soube se uma aldeia se compra,
ou se se pede de empréstimo
às criaturas e aos montes.
Mas sei que buscaria terra
e plantaria poemas nos vasos,
para que chegasses mais cedo
aos braços que já te moldaram mil vezes.

É noite agora,
as mãos pintam-te no rosto uma palavra
cheia como uma lua.
De manhã,
seremos três,
tu,
eu
e a voz citando al berto:
"quando acordares, e abrires a janela"...

9

para que os dias possam cantar,

espremias estrelas no asfalto.

21.3.09

10. POEMA (realmente) EM DOIS TEMPOS. UM ERA MANHÃ O OUTRO ERA DE NOITE (mas este poema é longo, procura-se terceiro)

Nesse dia,


enquanto a noite era o avesso do dia distante,


eu tinha


-finalmente-


percebido:






Uma história é o que nos pousa nos ombros.


é o que nos fica,


queda-se, hesitante, depois segura.





Mas como as histórias nem sempre têm voz,dedica-se a alma


,que é uma porção do ser, dedicada a causas mínimas de elevadas dimensões)


a descoser as linhas que atravessam



as redes.
São de nevoeiro e ardem.





Eu comecei este poema há mil anos,


eras tu ainda pequeno.


Visto à luz de palma da mão,


assentando a atenção nas tentativas de vislumbre,


confundia-te com uma linha


- dessas que traçam itinerários de riso e de perda.





Cosia-te então,


primeiro à rua,


para que os pés soubessem o caminho,


depois ao céu,


para que os olhos se abrissem em vôo.


(não acredito em ASAS. Faltam-lhes vocação para se humanizarem.


não consigo fazer nada com elas para além da prática de simulacros)

18.3.09

11.

No dia em que te fotografei pela

última vez,

escondi-te o rosto

atrás de mim.



Agora ando com a tua sombra,

que é uma cara sem pernas,

preciso carregá-la nos ombros,

de um lado para o outro lado da rua,

e ás vezes são pesadas as linhas do

teu rosto,

nas linhas da rua

17.3.09

PEDRAS para sentar OU PEDRAS por assentar

Este é o banco
onde podes sentar as
pedras.

Mais tarde, quando voltares a
passar pelo banco,
onde descansam as pedras
adormecidas de sol,
atira-as para longe,
tenta acertar no alvo!
Há quem pense que é uma mulher bonita,
mas não acredites.

Ela não acredita.

Podes escrever-lhe um poema sobre pedras
ou sobre lagos
ou sobre bacias que guardam lagos com pedras.
Ela preferirá sempre o poema que não escreveste.

Podes passar-lhe a mão nas pernas e nos pêlos,
podes ver como arranham,
podes ver como doem.
Não são suaves como sonhaste que seriam os pêlos da
mulher amada,
mas são pêlos e são os dela.

Esta mulher pensa que a estética
se resume quase sempre a um corpo que baile bem.
prefere bronzear livros ao sol,
que é como quem diz deixar os braços fora
da janela do corpo,
e deixá-los avançar,
seguros,
satisfeitos,
num baile sem asas.

Das pedras, a mulher,
sabe de cor (e pela cor) o sabor
...e nunca foi o de sopa.
Fossem deliciosas as pedras
e bordaria com elas um coral.

As pedras são amargas.
As pedras são pesadas,
principalmente se carregadas nos bolsos
de um casaco que não se despe.
(e esse, tenho ouvido,
resguarda-se debaixo da pele,
longe dos toques
e das mãos)

16.3.09

VINIL VIL, VIL VINIL

a página acendeu-se.
este seria o poema certo para te ler,
mas...

não estou aqui para ler poesia,

fechou-se o cardápio,
volta quando a noite cair
do cimo de si onde se sustenta,
espalhada no chão,
confusa de estrelas e astros
assustados pela enorme queda
(chora mais quem cai primeiro,
é a regra do cosmos,
para que o último escute esse eco.
... não é uma questão de ego...
é uma questão de eco-eco-eco-ec-e-...)

Se preferes a lua cheia porque não
compras uma somente para ti?
Tu e a tua-lua-tua-lua.

Não me olhes com cara de mau,
sabes que não é assim que te vejo,
o reflexo é sempre o do outro
e esse já sabes, comove-me
provoca-me inquietude,
deixa-me os dedos calados-colados.
Deixa-me os dedos parados.

Enquanto o teu nome couber inteiro
no vinil antigo
e os Velvet disserem de ti
o que tu apagas,
este dia continuará a ter qualquer coisa de teu
-não sei se a luz, se o cheiro, se a impressão de te ver entre outros-
ou tu, aqui,
neste lugar arredondado
onde guardo mundo
em quadros sem telas.

O vinil é um tipo de plástico muito delicado e qualquer arranhão pode comprometer a qualidade sonora. Os discos precisam constantemente ser limpos e estar sempre livres de poeira, ser guardados sempre na posição vertical e dentro de sua capa e envelope de proteção. A poeira é o pior inimigo do vinil pois funciona como um abrasivo, danificando tanto o disco como a agulha.

(in Wikipédia)

15.3.09

EQUINÓCIO com demasiados parêntesis


De cinzento a cinzento penso a parede.

(a parede é uma matéria ingrata
quando se fala baixinho,
primeiro, gastam-se as palavras nos tijolos,
depois gasta-se a cor com o tempo que as palavras levam
a desenvencilhar tijolos e letras,
por fim, gastas pelo tempo,
as palavras desistem,
comem definitivamente a cor
e o silêncio tem o seu supremo reinado).

O teu silêncio quebra o corpo da flor
(passara horas a desenhá-la no jardim)
O teu silêncio mutila o lado risonho onde navega o segredo filosofal

O poema visto do avesso transformou-se noutra estrutura...

Do fim para o pricípio as letras nunca mais se encontraram,
por isso este poema pode ser mau,
por isso este poema deve ser mau:
é como um corpo que não se entende,
pernas para o ar,
coração em vez de rins,
água inquinada como conversa que se matuta e não se diz.

Nem riso, nem rizomas,
fazem parte deste prato que serves com lágrimas sem sal.
(trago apressada o saleiro,
encho-te os olhos de sal,
não para salgar lágrimas
-eu sei que é uma perda de tempo salgar lágrimas-
mas para trazer viva a memória do primeiro
mar,
do primeiro sorriso
e do teu corpo horizontal a ocupar toda a visão da planície)

O esforço deve ser nenhum
quando a alma é empática,
(sussurra um sábio velho, um sábio chato, um chato velho!)
Mas na verdade,
eu penso que essa filosofia não me cabe dentro da cabeça,
escrevo-a de cor, mas sem salteados.
Não cabe o sapato nesse pé
tropeça, vacila,
é um sapato vazio caído na rua,
(fico triste quando vejo sapatos sem dono,
perdidos na rua.
Fazem lembrar gente morta).

Por fim,
dizes-me para colocar o saleiro num lugar onde eu não o veja,
um mar ido não deve ser evocado com estratégias de diversão.
Agora tudo sério, dizes,
Agora é a sério, dizes,
esfregando as mãos, confiante.

A tinta certa pinta a parede cor-de-laranja que me dedicaras,
já não tem laranjas, nem flores brancas em período de gestação,
é uma parede cinzenta
onde peregrina a melancolia que sabe de cor
o sabor do sal.

(Se este poema tivesse uma etiqueta seria: "EQUINÓCIO",
mas não sei porquê... sabe-me bem esse nome...
Esse nome cabe no sabor deste poema)

NOCTURNO. Nuno Júdice

Nocturno . Nuno Júdice

Sair de casa, digo, ir ao teu
encontro e dizer-te aquilo que
noutro tempo nunca ousei dizer-te: "O amor..."
Ou então, saberás tu que o amor nem sempre
pode ser dito como se diz que vai chover,
ou que o cansaço da vida é um sentimento incómodo,
e até frequente, nos dias que correm?
Mas os teus olhos talvez
me dêem um sinal: como se para além deles
se abrisse um descampado, o deserto inóspito
das sensações. "Voltarei a ver-te?". O essencial
nunca está nas respostas,
que dizem a verdade ou o seu contrário. São os teus olhos que me interessam;
um murmúrio perto de mim, sobre as conversas e a músca.
Porque aquilo que , de súbito, descubro
em ti é a voz com que me falas, e que traz
consigo o eco de outro tempo. Não te
respondo, então- onde iria encontrar,
também eu, essa voz antiga de que
me esqueci nalgum canto do passado? Com
que falsa entoação, jogo de actor esquecido
das deixas, máscara de simuladas
sinceridades, te diria: "Amo-te"
(Mas o amor nada tem a ver com as palavras;
nem a breve pressão dos dedos no corpo
pode traduzir o que perdi, algures,
ao ver que te afastavas por entre
as árvores e os anos.)

11.3.09

Dizias.

talvez a lua se ausente dos reflexos do mar, dizias.
não procures a lua onde ela não está, dizias.
a lua morreu, dizias.

eu parava, escutando-te
uma atenção latente debaixo das pálpebras, porque de ti interessavam-me,
primeiro: os olhos (reliquiário de histórias)
segundo (segundo a segundo, minutos muitos): a pele (película transparente de anfíbio)
terceiro: as algemas (várias, rodeando cada um dos teus braços, enroscados no centro do coração).

Depois dizia-te: a paisagem que inventei tem a banda sonora do Paris Texas e os anjos saltaram de filme em filme e pararam no parapeito deste deserto.
Consegues vê-los?
Pretos e brancos, dançam num ritual simples chamado abraço.

A lua morreu, dizias.
A noite não está onde julga estar, dizias.
Não se chega a um lugar onde nunca se viveu, dizias.

Já era tarde para avisos...

Eu rascunhara luas no céu e os anjos vestiam agora jaquetas verde-alface,
calçavam sapatos prateados
a a cor tomava conta de um grupo de rãs que em vez de coaxar, cantavam o alfabeto e contavam sementes num frasco de vidro muito fundo, muito vivo.

A lua morreu, dizias.
Guarda o envelope e não envies a carta, dizias.
Não voltes a ligar, dizias.
Nunca entendi a tua voz, dizias.

Eu fingindo não ouvir,
corria o deserto, que agora era um rio onde podiamos mergulhar,
mas sem truques de sereia era difícil poder levar-te.
Preferias terra quente,
desertos de areia,
anjos pretos e brancos,
rãs a coaxar.

Tudo no lugar
(Menos a lua que não é tua, não é minha... é de quem a apanhar)

2.3.09

Agora vai ser simples. Antonio Franco Alexandre. FOGE BANDIDO. Manel Cruz

Agora vai ser assim: nunca mais te verei.
Este facto simples, que todos me dizem ser simples, trivial,e humano,
como um destino orgânico e sensato,
Fica em mim como um muro imóvel,
um aspecto esquecidoe altivo de todas as coisas, de todas as palavras.
Sempre nos separaram as circunstâncias, e a essência mesma dos dias, quando entre a relva e a copa das árvores
me esquecia de pensar, e o ar passava
por mim antes de erguer os caules verdes e alimentar
a vida sem imagens da paisagem.
Marcávamos férias em meses diferentes.
O fim do ano, a páscoa, calhavam sempre
em outros dias. Tesouras surdas
rompiam o cordão dos telefones, e por engano
urgentes cartas atravessavam o planeta, apareciam
anos depois no arquivo municipal. E mais: a minha idade,a tua, não poderiam nunca encontrar se no mundo.
antónio franco alexandre
poemas assírio & alvim

there is a tree...

se eu fosse esse peixe verde, por onde as ondas espreitam os jardins e pudesse agarrar o teu corpo, de lés a lés azul, sem te ferir.

imersa nesta gramática de cores, os passos são lentos mas parecem velozes.
não ligues.
não interpretes.
eu cuido das tuas mãos sem rasgar com elas os meus diários visuais.

14.2.09

No sentido lógico da paisagem

É a terceira vez que agarro neste pedaço de tempo para te escrever.

A verdade é que li muito ("pela tarde e pela noite dentro" al berto), à procura dessa palavra que completasse estas desorganizadas matérias, que são vida e movimento.

A planície já te disse, é escassa e prende os olhos quando se escuta de trás para a frente.
Há quem prefira assim, seguindo a inversão dos lugares, mas eu queria explicar-te esta geografia sem invasões ou metáforas, num sentido linear, que ordena as cores pelas sua lógicas:
o verde nas árvores,
o azul no mar,
o vermelho no sangue.

Um coração deve ser contado pelos dedos:
um, dois, três, quatro.
Depois compor um tema e uma dança ou dormir ao luar.

LOVER'S DAY .tv on the radio.



7.2.09

corps nu

Estendido o corpo ao mar, todo o silêncio tem a espessura dos sonhos habitados.
Quebrados os sonhos, ficam dispersas quilhas de navio, como corações bizarros, despidos de cor.

Os pés caminham e são continentes dispersos no mundo,
como se o corpo pudesse simultânemente entregar-se ao mar e permancer em terra.

Assim cantam os desejos, mas nada do que essa parcela lírica semeia pode ser levado demasiado a sério.
Esse desejo pode cegar e entorpecer a pele.
Um corpo, precisa de corpo para se saber.

3.2.09

12.

As ondas entraram dentro dessa superfície iluminada, que é um coração mesmo quando apagado.

Os poetas abrigados no saco de viagem iluminam-se para leituras.

Se pudessem diriam em voz alta os longos relatos de alma, que foram sendo.

Discursos do tempo,que é como quem entrega a cabeça ao vento e fica a ver o céu sugar-lhe as imagens, transformando-as em mutáveis nuvens.



Este vento não pára.

Nem esta sobrevivência que é levar a

31.1.09

Céu aberto

Preparei-te esta cadeira que tem paisagens de mar à solta.
(sentados, conversaremos com as mãos,
numerando imagens velozes,
cultivando luzes no campo aberto da nudez)
Quando chegares,
escutando a velocidade dos teus passos,
escreverei no silêncio estas metáforas que te nomeiam entre os seres, como o AR,
como a melodia que engravida os dias de sol.

Vestirei o casaco vermelho manchado de coração,
pensarei no que estarás a pensar,
depois não pensarei
e atenta, escutarei o teu movimento de asas,
atravessando as ruas.

Trarás o teu corpo,
onde inscreves e corriges diariamente as estruturas do planeta,
lembrando uma criatura que o meu corpo, por sua vez,
reconheceu milen-AR.

E será um dia completo.

Fui ver as árvores.

tenho estas palavras,
onde cabe exactamente o teu coração.

29.1.09

"Os meus dedos não se cansam de nomear-te" al berto

Sob criação lunar, a casa manifesta-se ao mundo

o discurso projectado pela paixão. herberto hélder .
entrar no coração como um braço vivo
OS MUSEUS IMAGINÁRIOS DE MALRAUX

o continente submerso. o navio de todos os amantes por onde rola a carruagem onde viajamos,
pintada de liberdade e poesia contigo a dormir sobre o meu peito . antónio maria lisboa
tu conhecerás o temor e transformarás a terra. maria gabrriela llansol

trazer aquilo que é anterior ao esquecimento . antónio ramos rosa

um reino tão fascinante que não tinha rei . gonçalo m. tavares


.


"Com a via láctea à volta do pescoço e os dois hemisférios nos olhos" . Blaise Cendrars


Minimal

Repara como esta estação empalideceu durante a noite.

26.1.09

"Chamo-te. Um murmúrio de luz, por instantes, coincide na ilusão de uma resposta" . Nuno Júdice

é tarde e os bolsos estão vazios.
Antes, quando observava o fundo dos bolsos avistava sempre ilhas ou sorrisos, mas hoje, os bolsos adormecem antes das minhas visões e a casa é um lugar que não existe.

disperso pinceladas num céu pela primeira vez antigo de escamas e nu de peixes.
queria segredar às visões do mundo que tenho tempo para amar cada um dos seus pormenores, ondas e barulhos, cinzentos e azuis.
queria dizer que confundo a epiderme com a textura das nuvens e que nunca foi difícil voar, que me está na vocação ser pássaro ou avião.
(NÃO DIGO!)

as ruas não esperam, traçam segredos de um lado ao outro do coração, e o movimento persiste, agitando os rostos à passagem do tempo. Depois de muito agitados, os rostos envelhecem, são comidos pelas imagens do próprio mundo. o amor cansa-se de escavar as suas próprias poções.

é noite, dorme agora.

17.1.09

Fiore de la Città


o mar pode ser muito longo ou não, dependendo do lado que o vês.


Hoje, por exemplo, estou dentro do mar, mas a sua linha horizontal acaba na minha mão direita, a última que tocou o teu rosto antes de partir.

Fiz a mala da viagem e trouxe dentro dos olhos dez retratos teus. Tenho-te olhado há muito tempo e ainda hoje, que o chão está quente de esperas, o fascínio mantém-se latente. Assim pulsa a terra: à velocidade dos teus sorrisos.


(Quando sair para a rua, deixarei um recado

nesta imaginária porta que separa os nossos quartos.

Será um recado longo, mas só o poderás ler, parado.

No silêncio.)

6.1.09

Devagarinho, como a chuva...


“a esta hora dorme dentro da cama a mulher que faria amor
se não estivesse sozinha.
Lento o homem despe-se, nu como a mulher distante,
e desce para o mar.”
césar pavese


Criavas mundos.
Era o teu ofício.

No dia 7333, de um ano impossível, numa varanda de estrelas sumidas eu iniciara-me no amor.

Chegaras.
No saco guardavas corações. Eu amava-os.
Dizias-me que todo o acto criador começa nas mãos, é dentro delas que se pensa.


um novo universo nascia, redentor de todas as tentativas de beleza.

E da luz fez-se a manhã
E da manhã bebeu-se o sumo
E do sumo nasceram muitos filhos, dando lugar ao corpo da imaginação.


DIGO-TE DEPOIS PARA QUE SAIBAS DE MIM:


NÃO SUPORTO COPOS DEMASIADO CHEIOS,


SALAS MUITO OCUPADAS,


VOZES AGUDAS E CORPOS QUE NÃO SAIBAM BAILAR.



ELA TENTAVA ORQUESTRAR O UNI-VERSO.

Agora que partiste
Agora que te partiste,
Encontrar-te é sempre inventar-te noutros.

VOU ESCREVER-TE ESTA CARTA LENTAMENTE.


Mário Henrique Leiria


Eu queria de ti as asas e a formosura.

A sede e a penumbra.



Nunca te disse (não houve tempo, como diria o Almada, ele que diz que só sabe do tempo quem não tem coração), mas nunca mais respirei da mesma forma. Interrompeste o livre curso da minha respiração e ritmos cardíacos. Cantar era agora uma condenação. Estava vulnerável à tempestade emocional, porque tu eras um menino banido das linhas de qualquer mão.



NÃO ME DEIXES MORRER! NÃO ME DEIXES MORRER!



DUAS SEREIAS ANDAM À CAÇA DE UM ANJO MUDO al berto.
Era a inscrição que ocupava o espaço areal/sideral.


Eu sabia que era de ti que falavam, por isso escondi-te num lugar seguro e nunca mais te encontrei.



(Dizias-me:
- Uma alma como a tua já não se encontra nestas terras.)


Digo-te:
Uma lua cheia é uma forma viva e perturbadora.


Escrever-te é ainda um acto de amor.

“Disseram-me um dia que as palavras existem para enganar os sentimentos.
Pode ser isso.
Pode ter sido isso a essência desta caminhada”


in Carne Torpe.


"E não terás mais do que seis minutos para me olhar.


É esse o tempo.


Porque cantar é pilhar uma parte pura do coração por deixá-lo todo à escuta.


As nossas vitimas são a nossa melhor parte."


Vasco Gato

Muitos anos depois de eu nascer, a tua face a atravessar galáxias.
(escreveu alguém, um dia, num caderno de viagem)


Vim devagarinho, com a chuva.

17.12.08

as casas

é nesta casa feita de frio e matinal geada, que o coração repousa. faz frio no mundo. faz frio no coração, mas nada disso rouba esplendor às cores (também frias) do fim do dia.
esta casa tem o tamanho da minha viagem e a passagem para muitas outras casas, todas cheias de portas, qual Alice no país de maravilhas e horrores.
esta casa agrada-me, porque as casas agradam-me. As casas são efémeras ou então peremenecem na memória ( e as efémeras também se guardam). Diz o Gonçalo Tavares que a memória é emocional. Concordo e aceno a cabeça afirmativamente, numa cumplicidade próxima que é afinal distante A memória quando chega, iluminando os olhos de imagens interiores, altera o espaço e o estado do coração dentro e por dentro de si. Como se aumentasse de peso, de estatura, de estrutura.
as casas guardam-se dentro e vivem por fora. (Eu penso que a memória entra pelos olhos. quem disse foi o Herberto Hélder)

3.12.08

Admirável mundo novo


Despe-te de verdades
Das grandes primeiro que das pequenas
Das tuas antes que de quaisquer outras
Abre uma cova e enterra-as
A teu lado
(…)
Mário Césariny

Fazia escuro, fazia luz, as praias rodeavam o silêncio(…) Mas não era o caos, era a caótica natureza da sua carne em marcha que, rodando mais uma vez sobre si mesma se aquietava (…) Não seria sonho ou delírio ou disfarce. Era a realidade absoluta.
Maria Gabriela Llansol


Tratava-se de descobrir um novo idioma na geografia dos afectos. Assaltar de rompante o coração, invadir as artérias como se rasgasse partes planeadas de vida.
(O sangue corre diferente. O corpo tem uma velocidade diferente. As mãos são diferentes.
Toco no meu rosto e noto-lhe linhas diferentes)

Situo-me no presente, mas parte do corpo paira, atmosférico, na memória dos lugares.
(Eu queria dizer-lhe que ficasse tempo suficiente para quebrar o cuidado que nos esconde uns dos outros, mas não digo. Ele é bonito quando esquece o vício que lhe esconde o brilho original.)

A ilha é um deserto ocupado e a antítese corresponde ao ritmo secreto da monótona e sempre nova paisagem.
Explicando (há no gerúndio um tempo em movimento, como disse a Llansol):
Casas que entram noutras casas, lugares como bonecas russas, olhos fundos, saídos da terra que é seca e quente.
Todo o fascínio das revelações.
Depois há um fonema que parece cantar e iguala os vivos aos mortos, os mortos aos vivos.

Assim, dispo o inútil casaco que cobre os meus ombros, mostro-te o coração que guarda cicatrizes, amores e acalentos. Mostro-te o poema para que não compreendas porque vou embora, quando falta ainda repousar.
Digo-te que ainda desconheço o tamanho dos meus braços ou quanta gente lhes cabe dentro. Um movimento, um movimento, um movimento para que eu prenda a vertigem à porta da rua e congele a sua ilusória sede.

Vim dizer-te que cheguei para ficar, mas parto amanhã.

12.10.08

DIZER LUZ

Porque ainda não sei contar esse tempo que dista o desejo de dizer, do acto de dizer,
é agora que preciso dizer-te:
PENSO EM TI.

é agora que digo:
NÃO HÁ FACTOS, NEM FACTORES.
HÁ NECESSIDADE DE COMUNICAR DENTRO DOS MOMENTOS QUE SÃO EXISTÊNCIAS EFÉMERAS E TRANSITÓRIAS.

Tu, comigo, nos dias cheios de partículas-partituras-modos-visões-claras-confusas e as PALAVRAS e as suas múltiplas formas.
Comunico-te para me comunicar e esvazio as imagens que me assolam velozmente.

Agora a LUZ.
Ainda a LUZ.
Sempre a LUZ.

1.10.08

Constróis-me um castelo?

Eu precisava cantar-te à porta e celebrar contigo o próximo aniversário.
Eu precisava inventar-te uma ilha, um motivo, uma esfinge, um destino.
Eu precisava dizer-te tantas coisas que não digo….

Ficou por desenhar


TENTEI DESENHAR-TE

NA PAREDE

DE TUA CASA.

QUERIA QUE TE LEMBRASSES

DE TI

ANTES DE PARTIRES.









24.9.08

Babe, I´m gonna leave you

Fotografia tomada de empréstimo ao belo "Foge, foge bandido" do Manel Cruz

E estou novamente só, contigo dentro,
enquanto rasgo Paris e derramo-me ao vento (que é um estado louco)

Porque a cama tornou-se demasiado grande
Falta-lhe corpo…
O teu.
O meu.
E as possibilidades dos corpos.

Os planos seriam diferentes se percorridos à velocidade do desejo…
Partes de mim cederam ao abandono,
Perderam os incêndios e a capacidade de se incendiarem.

Porque tu rasgaste o meu nome e sorriste e não soubeste e esqueceste.
Porque tu, meu caro amor, vais figurar nos cadernos da vida, como o inadequado escolhido que cabia no meu coração… e voou…

17.9.08

BE KIND . Devendra Banhart

Vinha dizer-te que já não estou aqui.

doce como algodão. One, two, three, four

Eu precisava de um pedaço de fio que ligasse o meu braço direito á asa do teu sorriso.
Eu sei que dito desta forma, parecerá improvável encontrar o fio, depois o braço e por fim a asa do sorriso.

Mas queria lembrar-te que tenho sede de impossiveis e deixei o relógio pousado na cadeira onde sentaste o pragmatismo (disfarçado de homem crescido, com as meias do avesso e uma franja que lhe cobre a doçura).

One, two, three, four
I'd like to sing to you if you'd like me to
I'd like to sing to you if you'd like me to
I'd like to sing, sing, sing, sing, sing to you
Alone
And I'd like to dance with you if you'd like me to
I'd like to dance with you if you'd like me to
I'd like to dance, dance, dance, dance, dance with you
Alone
Devendra Banhart . A ribbon

10.9.08

in your honor. FOO FIGHTERS

"Razor"
Wake up it's time
We need to find a better place to hide
Make up your mind
I need to know
I need to know tonight
Sweet and divine
Razor of mine
Sweet and divine
Razorblade shine
Patience my dear
We could spend a lifetime waiting here
Maybe this time
I hope I get the chance to say goodbye
Sweet and divine
Razor of mine
Sweet and divine
Razorblade shine
Day after day
Cutting after day
But anyway
Wake up it's time
We need to find a better place to hide
Make up your mind
I need to know I need to know tonight
Sweet and divine
Razor of mine
Sweet and divine
Razorblade shine

4.9.08

nunca te disse nada

era assim que eu gostava que compreendesses o fundo dos meus olhos.

absolutamente.

Para tais momentos de duração permite-me o poema usar um verbo especial: eles constelam-se . Peter Handke

Bater no tecto do céu e a partir daí escrever uma pauta. Não interessa se de sons ou de palavras. Trata-se de orquestrar o céu, descodificando-lhe primeiro o azul, depois a carne das nuvens.
Comer os frutos das estrelas, que sabem a noite, escrever um poema ou dois, relê-lo(s) e deitá-lo(s) fora. Sem marcas, como se o tempo fosse essa indiferente leveza.
Trata-se de quebrar a proporção, caprichosamente e depois reclamar a ordem, a organização, como se uma casa coubesse inteira numa respiração.
Não cabe. Nem casa, nem coração. Se atentos, poderemos sentir a expansão dos afectos, dos pensamentos nas ramificadas sedes do pensamento.
Depois de poema rasgado às costas, explorar apenas a superfície lunAR, sem desejo de intimidade. Paisagem apenas.
Without beauty, mon chér.
Assim, sem marcas, apenas a memória de ter tentado compor uma constelação nova (mas faltaram estrelas, pincéis, pianos e o cansaço provoca arritmia nas palavras de beleza. Assusta-as).

31.8.08

cinco sons

ele parecia feito de cristal e avançava discreto e grande, ocupando a noite e o pensamento.
ela olhava-o e, se pudesse, cantava-lha agora ao ouvido da pele e da tempestade, o amor...

23.8.08

A vida na Fanfarra (relato de duas retalhadas... causticadas)

Dias de festa. Dias de luz. A noite transformada em tuba e todos os pés fora do chão. Os violinos tocaram, mas esses nem sequer estavam lá. Apenas corpo e dança e noite por-para caminhar (e quem disse que o dia tem 24 horas, enganou-se).
Eram oito anjos em formato musical. Nós éramos duas e tudo aquilo que sonhávamos ser. Multiplicadas na pauta do coração, seguiamos a luz, deslumbradas!

Porque o movimento era belo e simples.
Porque aquele som -sim, AQUELE SOM!- tem a cadencia da verdade, é belo, arrebatador...


(Nota da retalhada-mor: Ai, tantos anjos juntos!)

20.8.08

beber bagaço

assim, sem nada que me prenda à terra, é mais fácil voar:

conheci poetas, reencontrei almas penadas d rock, jantei em Cabo Verde, bebi licor de mel, mudei de casa, mudei de penteado, mudei de paixões, estive embalada na voz doce dos amigos, falei com desconhecidos como se os conhecesse, chorei muito, ri muito, dormi pouco, bebi muito e quase morri afogada em cerveja,...

(esta lista podia verdadeiramente continuar. não seria difícil. também não tem qualquer tipo de interesse, a não ser a minha vontade de falar destas inúteis e preciosas coisas. fico-me por aqui).

14.8.08

eu sei que incendiaste a tua mão acidentalmente, ao tentar recortar-lhe formatos de asa.
Para que me devolvas o ar, meu amor.
Para que devolvas o espaço que me falta dentro.
Para que recupere a capacidade de incendiar o chão e dormir,
ao lado dele,
sobre ele,
acima dele,
dentro dele.

Sem queimar a pele.

8.8.08

unhas

eram apenas as minhas unhas sujas da tua pele.

ao longe um cântaro de água, que poderia usar para beber ou lavar.

parti o malfadado cântaro com os dentes de um anjo velho e inútil que tinha bocados da minha cara espalhados no rosto (bizarra criatura passeando no dorso do meu cansaço).
persegui a sujidade da noite, com uma esperança de coisa nenhuma, (coisa rara essa de já não me comprometer com nada)


respirei. estavas finalmente morto.
agora sim, posso começar a escrever-te.

2.8.08

...


vim para te dizer que roubei milhares de pássaros à noite.

...


e que eram para ti.

26.7.08

...

Escapaste ileso, meu amor.
Agora guarda a aragem do não dito pelo dito. Contradiz a minha vontade de marcar o teu número na minha pele.
Impede-me de alcançar o teu sorriso. Fecha a boca ao hálito do desejo e deixa que a voragem e o assombro, sejam desejos deslocados, como mãos sujeitas a esforços prolongados.

Cerra-me as pestanas minuciosamente, repetindo a cada segundo a fuga, até me veres morta de cansaços.
É um desassossego, viver com tanto amor nos olhos…
Vira as páginas do meu cabelo, acelera o compasso da melodia que celebra os teus regressos.
Essa melodia é um engano, meu amor.

Não dês importância ao tamanho absurdo das minhas palavras, para que eu esqueça a proporção dos afectos.

O amor lateja nas pálpebras.
O amor lateja nas pálpebras.
O amor lateja nas pálpebras.


…Deixa-me ir mesmo quando regresso.

23.7.08

COMO UM ROMÃ-CE ou Penélope, a história de um fenómeno meteorologico

Penélope, tinha um nome exótico e um corpo abandonado ao mar. Repetindo o caminho e revendo a paisagem, verificava pormenorizadamente o percurso e as suas falhas.
Nesse trajecto, esquecera muitos nomes, e contava as caras que perdera de vista, variando a ordem de afectos, como quem varia a polpa dos dias.
Penélope corria para longe de si, mas era inútil a fuga, porque vestia-se de melancolia. Penélope respirava mais fundo do que o fundo do mar onde se abandonara, procurando coragem, audácia, secretos alimentos de alma, que pareciam levá-la mais depressa para novos lugares.
Hoje podia ter chorado, mas não chorara. Deixara-se perdida, frente ao sentido obrigatório, que aponta lugar nenhum, fora da carne, fora de si, na extremidade do possível. A mente coberta de fina neblina e frio no interior dos ossos, e frio entre os dentes e frio nos poros da pele e frio na cavidade do coração. Penélope não sabia para onde se dirigia, mas persistia. E era tolo quem lhe encontrava algum acto de bravura, porque estava frágil e só podia partilhar esta verdade, silenciosamente e sozinha.
Mais logo, quando a noite chegar, Penélope pensará mais e o frio será maior. Vai ver uma bela mulher a dançar com os seus fantasmas. Mulheres à beira do desamparo. O que fazemos com isso? Como gastamos isso? Surge vivo o café, muitos cafés, muitas cadeiras, que são miradouros de passagem. E uma vez mais os caminhos, um, dois, três, quatro, muitos. Há caminhos que não se contam, há caminhos que não se cantam. “Há textos que são a transformação de uma vida”, ela lê a frase, repete-a. Estão 19 graus, e ela está num lugar que não quer nomear, porque isso seria situar-se onde ela não está.
Farta de lugares comuns, farta de ideias de lugares, farta de LUGAR, LUGARES, L-U-G-A-R.
Defende-se com memória e projecta no horizonte a vontade repetida. Perdeu a vizinhança, que é como quem diz, ficar dentro de uma casa vazia, com gente dentro. São caixas em cima de caixas. É cinzento e pedra. São braços que faltam aos braços, tudo ao contrário, como num espelho que reflecte o inverso, como num corpo que repele o peso das circunstâncias. Farta de pragmatismos baratos, acredita que o coração pode ter aço dentro e no entanto, para lá de todas as evidências, quebrar-se com o tempo, quebrar-se com o vento.
Só um livro como aquele podia salvar o mundo, leu, mas esse livro não existe. É pena, pensa, mesmo que a salvação seja precária, exija dedicação, esforço, continuidade. Coisa que ainda não sabe se tem dentro, ou, no caso de não ter, como fazer para alcançá-la.

17.7.08

LOVE YOU LIKE THE SUN

I love you like I love the sun in the morning
But I don't think a few words of mine are gonna make you change your mind
I'm gonna spend the day in bed and I'm planning on sleeping my life away
You'd better come right down and do it all over again.
spiritualized

alguma espiritualidade

Spiritualized- Anyway that you want me

If its love that you want
Baby you got it
From the depth of my soul
Baby you got it
I've been watching you
Am I loving you in vain
Girl there's no need to explain
Anyway that you want me
Anyway that you'll take me
Anyway that you'll make me feel a part of you
Anyway at all

If there's dreams in your heart
They'll last forever
from the depth of my soul
I'll make them come true
I've been watching you
Am I loving you in vain
girl there's no need to explain

Anyway that you want me
Anyway that you'll take me
Anyway that you'll make me feel a part of you
Anyway at all

15.7.08

NEGRO- AMARELO

Começar a recordar numa nova casa amarela. O mundo é redondo, mas angular por dentro. Esta descrição é contraditória, engasga-me (mas isso deve ser por causa de um mal físico, que padeço- temporariamente).

A casa perdida num monte, com um amor lá dentro e sementes de girassol. Nessa casa, havia muitos e diversos lugares. Eu vivi lá mais de cem anos, não é nada que se esqueça do dia para a noite!

Perdi muitas coisas. Coisas importantes. Coisas valiosas. Se crescemos por isto, dou por mim mais alta daqui a uns tempos...

E no fundo, tenho sorte, amanhã arrancam-me a garganta e se tiver sorte, pode ser que o Boris Vian me visite, e arranque também o coração.
FIM

10.7.08

CORAÇÃO

O coração sai do corpo para voltar depois a correr para dentro dele. Nessa altura instala-se, soberanamente, por entre os precipícios do medo e quando corre bem, consegue construir um castelo.

O coração é inocente e tem o tamanho de um ovo. Prepara-se sempre para transmutar a pele em pena, anseia um corpo bizarro: quatro braços, ancas duplas e longos dedos.

O coração é pequenino, de uma infância comovedora e cruel. Encontrá-lo dentro do peito, aceso, em longa erupção, é ainda um fascínio, mesmo depois de conhecido o deserto de um co-R-po vazio.

O coração parece quente, quando visto à distância do longe. Conhecendo-lhe a temperatura interior será, escusado falar dos trópicos e dos pólos. Escusado será procurar o calor exacto, que torna comuns os diferentes.

(cont.)

9.7.08

coisas que não se possuem

A casa era minha, na imaginação. Tal como o passeio, o asfalto, os sapatos enfiados no coração, para cruzarem insinuosos caminhos (e um coração deve andar descalço).

As mãos eram minhas, os pulmões eram meus, mas as funções vitais eram outras. Mãos que apanhavam o ar, pulmões que seguravam afectos e bicicletas (que pensando bem nas coisas são a mesma coisa).

A noite era minha, o farol era meu, mas não tinha barco para cruzar as ondas de cabelos por tocar.

(cont.)

25.6.08

13.

YOUR EYES,

THEY TELL ME...

14.

fechas a mão porque te dói agarrar o tempo.

com os dedos cerrados, a duração que é um poema de amor (peter handke) destróis o castelo de cartas por escrever e a memória apaga-se, caprichosamente.

24.6.08

15. "Lá fora é Verão outra vez"

a luz percorre este mundo de lés a lés.

Agora a memória aperta e vai para todos os lados, indistintamente.

Ao mesmo tempo, o desejo de arrumar tudo no lugar certo, esvaziar o armários, rodopiar.



Escrevo-te para dizer que a estação das chuvas acabou, que agora o caminho

20.6.08

há lá muitas iguais a esta

nÃO CANTes esta CaNÇÃO. ElA não vAi ReveLar o NosSO aMOr.
(In Foge, Foge Bandido. Manel Cruz)

Eu gosto muito. Eu gosto tanto. é um livro a cantar lá dentro. Manel Cruz e amigos. Foge, foge bandido

A música tem imagens e caras e vive o ritmo da vida, como um pensamento em contínuo ou um poema muito vivo. Encantador. PENSA EM ALGO BOM.

13.6.08

Intolerável , meu caro amigo

Agora é tarde e deves descansar o dorso do teu silêncio, numa almofada cheia de velhos ácaros.

Encostas-te à janela, mas é indiferente o movimento da luz, porque os olhos ardem, aflitos... ausentes.

De qualquer forma, sabes que vais voltar a tentar. É como subir um elevador para lugar nenhum, disseram-te com escárnio.
Confia em ti, pateta, vinga o peso do teu corpo.
Sem cedências.

(De qualquer forma, o vidro está partido outra vez. O carro cheira a cinza e está sujo. A avó ligou, diz que o gato está doente. Não mia, nem fala.O meu dedo está farto de apontar o norte. Sigo-o ou sigo-te mais logo, quando a lua estiver mais alta do que o meu ego).

9.5.08

Weird Fishes/Arpeggi . Radiohead


In the deepest ocean The bottom of the sea Your eyes They turn me
(myspace.com-radiohead)

Suburbanos - parte 1

"A coisa é outra coisa. Mais esquisita. Maior."
A coisa a que chamam vida, essa que passa depressa e devagar, submissa a insondáveis caprichos, feita de pequenos nichos, pequenos nadas, é outro assunto.
Essa coisa que dá pelo nome de matéria humana, que sou eu, que és tu , aqui, a passear-te por todo o lado, a passear-te dentro de mim, a passar-me despercebida, quando a rua está cheia e eu perco a paciência e fujo para um lugar qualquer dentro de mim, e não importa se são tripas ou coração, ou…
Esse ser, que sou eu, ainda aqui, sentado, sozinho, ao lado de ninguém, sou mais eu do que alguém, algum dia poderá ser. E esse outro ser que és tu, dentro da minha cabeça, ou como disse o Pimenta - TU, DENTRO DA TUA CABEÇA - ou o outro lado de ti quando te olhas ao espelho e observas as irregularidades da tua pele e o lugar mais escondido dos teus olhos.
Este corpo que é um sentido, este corpo que são muitos sentidos. Este corpo que come e que te come, se desejares. Esse homem de apetites, esse homem de apetências, esse homem que talvez te apeteça, sou eu. Sou um homem de deus e do diabo.

25.2.08

.

ele era um homem que passava muito tempo a arrumar as coisas no sítio, a colocar os olhos no lugar do sal, a esfregar as mãos com sabonete de alfazema e a diagnosticar doenças de ocasião.

ponto final

Tulipas e vento


Quando chegares, depois de percorrido o caminho onde hipotecaste o brilho da lua, eu estarei calada, sentada, observando o vento dentro das tulipas.
Vais perguntar-me porque observo, calada e sentada, tulipas e vento. Eu vou dizer-te que desde cedo, procuro belezas raras e morosas.

E que não há nada mais belo e melancólico, do que esperar.

14.2.08

Se tiveres sede...

Se tiveres sede, não bebas rapidamente a paisagem.
Desliza lentamente nos líquidos da tua invenção e deixa que eu te surja sob o mais profundo desejo.
Não teças desilusão no meu capricho, a vida é amarga e nem sempre pedras fazem castelos.
(tudo para que saibas que afinal o capricho é também uma forma de amar)

8.2.08

since I've seen you smile

Well it's been a long time, long time now
since I've seen you smile.
And I'll gamble away my fright.
And I'll gamble away my time.
And in a year, a year or sothis will slip into the sea
Well, it's been a long time, long time now
since I've seen you smile
Sob escuta: Beirut . Nantes

Extremamente simples



Não sei se serei mais feliz.


No máximo será diferente.


No máximo serei diferente.

5º ANDAR


5.2.08

Deslumbramento



Este seria também um poema inventado, se não fosse agora mesmo concreto, legível.


Porque era escuro e denso como uma Primavera trocada, comprada por encomenda a um mercador de enganos. Porque era ágil e movia-se sob os pés, tocando a superfície invisível do poema. Porque era grave, acentuando-se vertiginosamente na pelugem dum hemisfério inventado. Porque sabia de leis, ditando-as suavemente, numa cadeira que construía à medida dos ventos e das marés. Porque às vezes feria a última pele imaginada, o último reduto de vida. Porque às vezes os seus braços eram grandes e dentro deles cabia a onírica cabeça do corpo apaixonado. Porque não tinha pressa de chegar ao fim do amor e ficava muito tempo a observar-lhe o interior dos olhos, como se lhe enaltecesse todas as belezas. Porque dava amor na mesma proporção com que roubava a luz por dentro. Porque o seu peito acolhia sementes novas e guardava-se depois secreto até nova colheita. Porque o seu riso transbordava de cor, mas fazia-se cinzento quando invadido pelas tempestades.

Porque era feroz e deslumbrante.


Restava amá-lo.

14.12.07

nudez

nada do que trazia despido parecia conveniente para receber o deslumbramento de ti, por isso deu-me para inventar:

coloquei asas onde outrora reinavam circulares braços, saqueei a epiderme dum poema exótico e maltratado (para que te crescesse o entusiasmo), coloquei olhos no corpo, para rever de lés a lés os teus segredos e decorar o teu perfil... os poros fechei-os um a um, para que não me soprasse nenhum vento, nenhuma aflição, no interior do corpo.

exigias-me a nudez dos amantes, aquela parte de corpo, que se perde quando se dá. eu gostava de ti ao sol, quando transpiravas luz e queimavas o medo.

deu-te para praticar. com alguma habilidade, rabiscaste no interior do meu coração a palavra AMOR. disseste que nunca a tinhas escrito desta forma, que sempre falhara o pretexto para compor o último tema.

a mim, faltara-me a elocução para levar a preceito a descoberta. por isso dormi sem a tua visita, tive sonhos, tremi.

sem temor, como quem sabe segura a palavra escrita, deixaste-me uma pequena morte no sangue, que é como quem diz, nos olhos, nos ouvidos, na boca.

talvez regresses com tinta durável, promessas de permanência. eu acreditarei
.

sobre ausências....

teria dito que o fruto era doce, que as mãos estavam cheias e que nada faltava na paisagem.

teria dito também que tanta satisfação aniquilaria de vez os dedos e com eles os pianos, as melodias por inventar.

teria dito que mesmo assim, era bom comer cerejas frescas, nuns lençóis muito usados (e isso nem sequer pareceria feio...) e deixar a noite suavizar o corpo.

30.11.07

rasgar

disseste que se rasgasse cada um dos meus cabelos, reconstruirias as nuvens e com elas novos cenários.

eu não acreditei, mas por via das dúvidas, sentei-me e executei a morosa tarefa. Demorei muito tempo, lembro-me do sol e da chuva. lembro-me dos dedos muito cansados e muito velhos, rasgando cuidadosamente, cada cabelo. lembro-me de sentir a noite e depois o dia. lembro-me de ter a sensação de ver passar a vida inteira e repetir um a um os meus gestos.

lembro-me também que não chegaste a voltar.

24.10.07

porque hoje o dia tem o teu cheiro

..."falo-te das coisas que amo, para que as ames comigo"... eugénio de andrade
é no ouvido que deves segredar o essencial, no entanto é por dentro do coração que deves espalhar essências raras do corpo- do teu corpo.
partilho contigo este segredo cheio de intimidade, para que seja único e eterno cada momento. para que a casa, seja sempre um lugar possível a cada paragem. para que não estranhemos a decomposição das paisagens, porque o amor é mutável e nós somos eternos no que dele se altera.
e para que fiques muito tempo, mesmo quando te ausentas.

19.9.07

16. sarah kane. hoje. porque sim. CRAVE. O que sera? (a flor da pele). chico buarque

A- E eu quero brincar às escondidas contigo e dar-te as minhas roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me nos degraus enquanto tu tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e encontrar-me contigo no Rudy e falar sobre o dia e passar à máquina as tuas cartas e carregar as tuas caixas e rir da tua paranóia e dar-te cassetes que tu não ouves e ver filmes óptimos, ver filmes horríveis e queixar-me da rádio e tirar-te fotografias a dormir e levantar-me para te ir buscar café e brioches e folhados e ir ao Florent beber café à meia-noite e tu a roubares-me os cigarros e a nunca conseguir achar sequer um fósforo e falar-te sobre o programa de televisão que vi na noite anterior e levar-te ao oftalmologista e não rir das tuas piadas e querer-te de manhã mas deixar-te dormir um bocado e beijar-te as costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo dos teus olhos dos teus lábios do teu pescoço dos teus peitos do teu rabo do teu
e sentar-me nos degraus a fumar até o teu vizinho chegar a casa e se sentar nos degraus a fumar até chegares a casa e preocupar-me quando estás atrasada e ficar surpreendido quando chegas cedo e dar-te girassóis e ir à tua festa e dançar até ficar todo negro e pedir desculpa quando estou errado e ficar feliz quando me desculpas e olhar para as tuas fotografias e desejar ter-te conhecido desde sempre e ouvir a tua voz no meu ouvido e sentir a tua pele na minha pele e ficar assustado quando estás zangada e um dos teus olhos vermelho e o outro azul e o teu cabelo para a esquerda e o teu rosto para oriente e dizer-te que és lindíssima e abraçar-te quando estás ansiosa e amparar-te quando estás magoada e querer-te quando te cheiro e ofender-te quando te toco e choramingar quando estou ao pé de ti e choramingar quando não estou e babar-me para o teu peito e cobrir-te à noite e ficar frio quando me tiras o cobertor e quente quando não o fazes e derreter-me quando sorris e desintegrar-me quando te ris e não compreender por que é que pensas que eu te estou a deixar quando eu não te estou a deixar e pensar como é que tu podes achar que eu alguma vez te podia deixar e pensar em quem tu és mas aceitar-te na mesma e contar-te sobre o rapaz da floresta encantada de árvores anjo que voou por cima do oceano porque te amava e escrever-te poemas e pensar por que é que tu não acreditas em mim e ter um sentimento tão profundo que para ele não existem palavras e querer comprar-te um gatinho do qual teria ciúmes porque teria mais atenção que eu e atrasar-te na cama quando tens de ir e chorar como um bebé quando finalmente vais e ver-me livre das baratas e comprar-te prendas que tu não queres e levá-las de volta outra vez e pedir-te em casamento e tu dizeres não outra vez mas eu continuar a pedir-te porque embora tu penses que eu não estou a falar a sério eu estou mesmo a falar a sério desde a primeira vez que te pedi e vaguear pela cidade pensando que ela está vazia sem ti e querer aquilo que queres e achar que me estou a perder mas saber que estou seguro contigo e contar-te o pior que há em mim e tentar dar-te o meu melhor porque não mereces menos e responder às tuas perguntas quando deveria não o fazer e dizer-te a verdade quando na verdade não o quero e tentar ser honesto porque sei que preferes assim e pensar que acabou tudo mas ficar agarrado a apenas mais dez minutos antes de me atirares para fora da tua vida e esquecer-me de quem sou e tentar chegar mais perto de ti porque é maravilhoso aprender a conhecer-te e vale bem o esforço e falar mau alemão contigo e pior ainda em hebreu e fazer amor contigo às três da manhã e de alguma maneira de alguma maneira de alguma maneira transmitir algum do / esmagador, imortal, irresistível, incondicional, abrangente, preenchedor, desafiante, contínuo e infindável amor que tenho por ti.” Sarah Kane, in Falta (Crave)

Chico Buarque -erá que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

15.9.07

17.

deixa que te agarre pelo braço e vamos ver as ondas dos mares e dos cabelos. deixa que te compre um retrato novo ou pouco usado, como aquele que vimos ontem e gostaste tanto. deixa que te trate pelo nome que

11.9.07

Tratado para a reinvindicação do real


Quero dizer-te que:
os braços, os dedos, os dois cotovelos e a sua pele enrugada, os pelos descolorados, o nariz aquilino e grave, os olhos.


Quero dizer-te que:
as artérias, o sangue, a água da saliva, os rins, o estômago, cheio ou vazio.


Quero dizer-te que:
o batimento cardíaco, o sono trocado, a ansiosa transpiração, o aperto no coração, as dores de ovários.


Quero dizer-te que:
o ideal romântico, a imaginação acesa, a desordem interior, a certeza de continuar, a perturbadora timidez.


São pura e absolutamente reais.

4.9.07

nenúfar na memória breve. hoje ouvi dizer que faria sol, do outro lado da península do desejo. Ouvi dizer que "hoje" é um lugar demorado e tardio

e era noite há muito tempo, ou assim me parecia... tornara-se noite no repente que traz um poema e desfaz as mãos em caruma (qualquer coisa que se queima, qualquer coisa que se incendeia... e a vida volátil, ri-se irónica, por cima dos meus ombros agrestes).
e vai-se a mácula e rasgo as cartas que escrevi dentro da cabeça ou nas paredes do corpo (confundo a anatomia, tenho dormente o cérebro e talvez durma muito, quando passares por completo) . Todo ele - O CORPO- cheio de cartas por abrir, outras por escrever, outras por baralhar... e eu que baralho tudo, que penso saber importantes métodos de salvação, saio à rua e estou vazia, oca.
deixas então o espaço possível, ultrapassas-me os braços e és muito veloz (e eu tenho todos os sustos despertos desde então, porque não voltas a imaginar divãs, nem eu volto a ser diva, ou qualquer coisa de muito humano, muito simples, muito fácil de amar) . Dizes-me que afinal, os poemas são das matérias difíceis, as mais fáceis de desperdiçar. Não ouves o outro lado da voz, mas estás seguro e eu tenho-te inveja e uma incomparável ternura.
Apetece-me balear-te a voz com discursos surpreendentes, comover-te de espanto, ver abundante água a pass(e)ar, comer gelados de chocolate, inventar sopas e chinesas, tocar pianola e folhear-te os olhos.
Hoje apetecia-me que tudo acon- tecesse.

27.8.07

Resoluções definitivas

Não atires a última pedra.
Atira a primeira que vires, e certeira.

Considerações dispersas


- eu volto, como quem regressa a um disco muito antigo, selado numa memória. O caminho não é doce, mas seduz-me a aridez onde escondes o mais brilhante de ti.

- tenho hoje vinte braços à minha volta e faz-me falta um último abraço.

- não me disseram ser simples o teu caminho, não pensei ser fácil o labirinto da tua pele, mas agora que me vejo transformada na supra-projecção do meu delirio e a rua fica fria como gelo, gostava de voltar atrás e apagar algumas linhas do teu caderno, onde me desenhaste com outro rosto (um rosto que não é o meu).

26.8.07

The Smiths - There is a light that never goes out

Take me out tonight
Where theres music and theres people
And theyre young and alive
Driving in your car
I never never want to go home
Because I havent got one
Anymore

Take me out tonight
Because I want to see people and i
Want to see life
Driving in your car
Oh, please dont drop me home
Because its not my home, its their
Home, and Im welcome no more

And if a double-decker bus
Crashes into us
To die by your side
Is such a heavenly way to die
And if a ten-ton truck
Kills the both of us
To die by your side
Well, the pleasure - the privilege is mine

Take me out tonight
Take me anywhere, I dont care
I dont care, I dont care
And in the darkened underpass
I thought oh god, my chance has come at last
(but then a strange fear gripped me and i
Just couldnt ask)

Take me out tonight
Oh, take me anywhere, I dont care
I dont care, I dont care
Driving in your car
I never never want to go home
Because I havent got one, da ...
Oh, I havent got one

And if a double-decker bus
Crashes into us
To die by your side
Is such a heavenly way to die
And if a ten-ton truck
Kills the both of us
To die by your side
Well, the pleasure - the privilege is mine

Oh, there is a light and it never goes out

Re - Visitar a Pó - Esia

http://www.aveiro.tv/scid/aveirotv?refID=0|5|386|0

22.8.07

sobre o avesso


o que me ensinaste foi precioso.

ensinaste-me por exemplo que o avesso de qualquer coisa, não é sempre o seu contrário.

que o lado de lá do amor, não é o desamor.


e que por vezes, o avesso não regressa a lado nenhum.