5.2.08

Deslumbramento



Este seria também um poema inventado, se não fosse agora mesmo concreto, legível.


Porque era escuro e denso como uma Primavera trocada, comprada por encomenda a um mercador de enganos. Porque era ágil e movia-se sob os pés, tocando a superfície invisível do poema. Porque era grave, acentuando-se vertiginosamente na pelugem dum hemisfério inventado. Porque sabia de leis, ditando-as suavemente, numa cadeira que construía à medida dos ventos e das marés. Porque às vezes feria a última pele imaginada, o último reduto de vida. Porque às vezes os seus braços eram grandes e dentro deles cabia a onírica cabeça do corpo apaixonado. Porque não tinha pressa de chegar ao fim do amor e ficava muito tempo a observar-lhe o interior dos olhos, como se lhe enaltecesse todas as belezas. Porque dava amor na mesma proporção com que roubava a luz por dentro. Porque o seu peito acolhia sementes novas e guardava-se depois secreto até nova colheita. Porque o seu riso transbordava de cor, mas fazia-se cinzento quando invadido pelas tempestades.

Porque era feroz e deslumbrante.


Restava amá-lo.

7 comentários:

  1. ... que lindo!!.., mesmo. É um deslumbramento ler-te...

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  2. ... que lindo!!.., mesmo. É um deslumbramento ler-te...

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  3. Anônimo5.2.08

    "Restava amá-lo"

    Como se fosse a ultima opção, soa a um amor vencido, contrariado... triste

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  4. Anônimo6.2.08

    Porque o amor é sempre o resto.

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  5. porque os restos também são bons... mesmo quando são a última opção...

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  6. Anônimo7.2.08

    O resto pode ser um modo de vida.
    É o meu. Restar é um ofício que se aprende. Até não haver mais nada.

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  7. é um amor ABSOLUTO, como a casa de Herberto, como a pele e o sangue que sustenta o mundo, como a expressão de todas as forças...

    não é um resto... é a constatação de uma evidencia. Um amor assim, ama-se...

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