23.7.08

COMO UM ROMÃ-CE ou Penélope, a história de um fenómeno meteorologico

Penélope, tinha um nome exótico e um corpo abandonado ao mar. Repetindo o caminho e revendo a paisagem, verificava pormenorizadamente o percurso e as suas falhas.
Nesse trajecto, esquecera muitos nomes, e contava as caras que perdera de vista, variando a ordem de afectos, como quem varia a polpa dos dias.
Penélope corria para longe de si, mas era inútil a fuga, porque vestia-se de melancolia. Penélope respirava mais fundo do que o fundo do mar onde se abandonara, procurando coragem, audácia, secretos alimentos de alma, que pareciam levá-la mais depressa para novos lugares.
Hoje podia ter chorado, mas não chorara. Deixara-se perdida, frente ao sentido obrigatório, que aponta lugar nenhum, fora da carne, fora de si, na extremidade do possível. A mente coberta de fina neblina e frio no interior dos ossos, e frio entre os dentes e frio nos poros da pele e frio na cavidade do coração. Penélope não sabia para onde se dirigia, mas persistia. E era tolo quem lhe encontrava algum acto de bravura, porque estava frágil e só podia partilhar esta verdade, silenciosamente e sozinha.
Mais logo, quando a noite chegar, Penélope pensará mais e o frio será maior. Vai ver uma bela mulher a dançar com os seus fantasmas. Mulheres à beira do desamparo. O que fazemos com isso? Como gastamos isso? Surge vivo o café, muitos cafés, muitas cadeiras, que são miradouros de passagem. E uma vez mais os caminhos, um, dois, três, quatro, muitos. Há caminhos que não se contam, há caminhos que não se cantam. “Há textos que são a transformação de uma vida”, ela lê a frase, repete-a. Estão 19 graus, e ela está num lugar que não quer nomear, porque isso seria situar-se onde ela não está.
Farta de lugares comuns, farta de ideias de lugares, farta de LUGAR, LUGARES, L-U-G-A-R.
Defende-se com memória e projecta no horizonte a vontade repetida. Perdeu a vizinhança, que é como quem diz, ficar dentro de uma casa vazia, com gente dentro. São caixas em cima de caixas. É cinzento e pedra. São braços que faltam aos braços, tudo ao contrário, como num espelho que reflecte o inverso, como num corpo que repele o peso das circunstâncias. Farta de pragmatismos baratos, acredita que o coração pode ter aço dentro e no entanto, para lá de todas as evidências, quebrar-se com o tempo, quebrar-se com o vento.
Só um livro como aquele podia salvar o mundo, leu, mas esse livro não existe. É pena, pensa, mesmo que a salvação seja precária, exija dedicação, esforço, continuidade. Coisa que ainda não sabe se tem dentro, ou, no caso de não ter, como fazer para alcançá-la.

Um comentário:

  1. sinto-me penelope, a ponto de ir embora

    sonhei que o diogo tinha morto

    que os teus caracois eram loiros

    que havia ossos ralados de animais na massa das pizzas

    tinha fome

    nao havia mercados, nem negros, nem brancos, nem peixes

    o pedrinho tinha um bar baixo da terra

    a melancolia era uma cançao constante no ouvido

    a cidade do vento era cor cinzento e fria

    sonhei que o diogo tinha morto e tu eras loira

    acordei a me sentir triste e vazia

    . . .

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