2.12.10

NE

pouso longamente os dedos nas teclas.
se pudesse tocaria neste piano de fundo
esta lembrança em oitava menor,
como um vestido antigo que ficou sempre à minha espera.

sei que amarias a calmaria do meu olhar debruçado no teu,
mas enquanto chegas e partes,
o meu coração desvanece-se em fumos
e eu "angelizo" os meus frémitos.

preciso que saibas como é perigoso o meu riso,
o meu quintal,
o meu animal de estimação predilecto
(para que saibas, tem uma capa preta em vez de pêlo,
tem cortes nas patas de papel, mas não usa coleira)
precio dizer-te as coisas que sei melhor e por isso,
não sei dizer.

Palavreado em forma de gente,
sou eu a rir do tu,
conjuga-te comigo no pretérito imperfeito
e ama esse trágico destino,
que é ter cordas em vez de batuque,
e não me fiar nos doces da avó.

Tenho um carrasco sentado na minha língua,
quando lhe falo, ele grita-me e cala-me.
deixo que ele actue por mim
(essa voz é minha, seu falhado!)
até que de exaustão cai para dentro da caixa da bailarina velha
e enche a boca de bijuteria
(o brilho efémero ofusca)

este é o relato obejctivo do meu delírio feito vivo.
quando estiveres a rir,
anima-te,
anhinha-te
cai para o lado de dentro daqui...


do poema.

23.11.10

I'm in love with Bill T. Jones ( o amor é uma cratera deveras funda, embora partilhada)

"Estive à procura de quem eu era e do que quer dizer existir num mundo o da arte do qual sempre me senti alienado. Foi o mundo da arte que me fez, mas, dentro dele, nunca cheguei a perceber quem eu próprio era. Lembro-me de, em 'Last Supper at Uncle Tom's Cabin', que é de 1990, ter decidido ter a minha mãe no palco a rezar ao seu deus enquanto eu dançava às cadências da sua oração. Não estava a dançar a sua oração estava a dançar com a oração (é uma dança abstracta, no sentido pós-moderno). Fiz isto porque quis falar dos enquadramentos de intenções na arte. Se um artista diz que qualquer coisa é arte, para mim é arte. Pensei que se pegasse na minha mãe e nas suas orações e as pusesse em cena, elas se tornavam outra coisa. Quis acabar com as barreiras entre o que era entendido como cultura erudita e cultura popular. Era uma guerra que eu travava há anos mas para pessoas de horizontes limitados este tipo de atitude tinha sempre a ver com protesto social."
Bill T. Jones

21.11.10

Á

É um sol!
É o sol com olhos curiosos,
quando se alastra recupera em vez de perder.

Curou-se-me  uma doença
que me sufocava o dedo mindinho
e agora crescemos juntos,
temos mais mãos,
as tuas, as minhas, as nossas:
a amplitude é um fenómeno de amor,
mesmo que o Verão Azul seja uma metáfora de mau gosto quando se troca o continente
por uma rua sem patacas.

Afinal,
um sorriso também se compra por outro sorriso semelhante,
esse preço rasgado em notas deixadas ao acaso nas algibeiras.
Releio em voz alta o que me dita este acaso escrito em epiderme:
visto-te de lua cheia e levo-te para a rua,
para ensaiarmos novamente o teu desejo
OU
sempre que te escapas dos teus olhos
apuras o condimento essencial, eu comovo-me.

Se tiver saúde na alma,
este Inverno vou tentar praticar a beleza,
é bom que não me repreendas pelos maus hábitos dos meus caprichos,
não gosto quando me anoiteces o sonho.
Escorrega antes  para dentro do meu silêncio,
podemos trocar ideias acerca de determinados rituais
que somente as plantas conhecem.

A última mulher que eu conheci hoje,
chamava-se Feliz e só parecia triste
- não sei o que faça destas ironias-
mas vestia os lábios de palavras honrosas!
A verdade é que ela sabia o que era estar só e
essa, era nela a única coisa verdadeira.

Vamos trocar ideias acerca desta assunto?
Em que lugar classificas o teu mundo?
Competes com o teu diafragma ou cansa-te respirar fundo?
Amacias o amargo ou dedicas-te a praticar-te limão?

África ensinou-me a aprender tudo outra vez,
não me esgano, nem te atropelo,
sou um carrinho de linhas a coser linhas num caderno por escrever.
Mais tarde voltarei a cantar-te,
Toumani sabe mais de mim do que eu imaginava.

19.11.10

queria dizer-te:

ontem deu-me para morrer assim como quem nasce.
fui vendo lentamente  os rostos
e reconheço,
o amor move, ode tudo.

sou um produto SÓ-cial.
não te percas neste referencial que é o meu espanto a tentar ser algo..

amanhã -para que saibas- vou dedicar-me a apetrechar esta casa
( a única que reconheço como IDENTIDADE)
esse país é o meu sorriso moreno.
eu sou uma geometria errante a cantar-te sobre um estranho esquema.

tenho pena.
porque tudo, involuntariamente, se atrasa ou antecipa
e eu tenho uma lebre de março no quintal do coração
(atarrachar o relógio ao útero
e não mais biologia ou tempo)
no entanto, tu sabes muitas coisas
e o teu afecto é alto e bem parecido.
Admiro-te, sabias?...
decerto não, nós nunca dizemos o importante,
temos cordas ancestrais em vez de vocais,
e quando nos dá para o grito,
atrasa-se o coro.

estar só é clarividente
voltas a abrir o teu sorriso,
o único lugar onde sou capaz de depositar tesouros,
como a folha de Outono que apanhaste de propósito para mim...44

é tarde e eu estou de luz apagada a ver o cosmos,
treme-me a espinha e a alma,
creio que é um alerta fundamental
para te relembrar. 


2.11.10

.

Retoma a minha frase,
poderei dançá-la mais tarde,
num país inventado pela tua sede e pelo meu frágil equilibrio
Segura na ponta da corda que mais te agradar,
aguarda.
Observa
 como percorro os versos e as versões,
Cocteau insite em pronunciar-se perante um público satírico.
Desta vez, será diferente:
na plateia recortarei o meu público preferido,
normalmente gente muito morta ou muito gasta
...muito sábia,
dos que metem medo e afagam objectos para escutar o coração ido
numa cançao muito antiga e um corpo muito quente.

Onde se guarda o calor de quem se ama?
As "temperaturas extremas" de Herberto, cintilam nas moradas de silêncio de Al berto,
eu retomo a sentença:
os dez primeiros livros são eternos.

Recortei o bar,
faltavam-lha janelas, ressacava luz.
Eu, que era uma planta crescida nos seus delírios,
decidira cuidar de quem me mostrara os primeiros dez livros
-OS PERMANENTES.

O quão estranha a palavra permanência,
esse fluxo,
esse burburinho algures entre correntes de ar.
Queria dizer-te que vais ficando
mas perdi as plumas,
as vegetações bizarras da paisagem e diminui-me tamanho lupa.
Não creio que te agrade
a minha nova pequenez.
Reconstituo
a Teoria Geral dos Inversos,
mas no oposto que concluo,
manténs-te ileso, soberano desse reino aquoso e precioso,
onde não se define cor
para além da absoluta:
a que cega.

Devo-te o sorriso,
a ternura,
uma carta ridícula de Boas Festas,
alguma desventura natural de quem insitentemente se ama
depois de gastos os lenços e
os lençóis.
Mas somente o relógio dirá das horas exactas
em que abraçar-te era escrever a cada segundo a Obra-Prima Universal que salvaria o mundo da demência.

Regresso cansada,
mas sei finalmente como te agrido:
bilateralmente.

Não guardes os poemas nos tijolos,
faz uma casa e abriga-te da penúria.
Um dia,
ainda viveremos no mesmo quarteirão,
e amar será espreitar à janela,
ver-te 
e sorrir.


.

12.10.10

para onde vamos

Parece repetido.

Não é repetido.
A memória arquiva lugares como essências de perfumes únicos (isto faz-me lembrar o “Perfume” que eu nem sequer li ou vi, confesso).

Estou em Singapura, mais uma vez OU pela primeira vez.

Espero.
Aguardo no centro vivo destas passagens em trânsito que separam hemisférios (e línguas e modos e sons e cores e jeitos de estar e até jeitos de amar ou odiar), repenso tudo e repito.
Nada é igual. Tudo é igual. Saco do revólver e disparo contra a monotonia. No entanto, esta tristeza parece-me familiar, próxima, conheço-lhe a evolução, sei como cresce (sou eu que a rego e alimento), imagino o que se seguirá... acrescento à tristeza uma apatia que me anestesia: as pala-vr-as est-ão lentaaaaasssss,
como eu,
como as imagens,
como os teatros do mundo.

Apetecia-me outro corpo para vestir e uma cara mais alegre... penso no que me disseram: aceitação,é preciso aceitar. Mas é inútil, sou péssima a trabalhar tal estado.
Estou em Singapura, frente à Areia Branca, anseio abraços de sobrinhas e tenho ritmos quentes a bailar no meu imaginário. Somos realmente habitantes de muitos lugares, ao mesmo tempo.

Um pé de feijão para escalar e ver o mundo lá de cima
ou uma alamofada tamanho XXL para ter um sono maior do que esta ansiedade.

Hoje estou a rasgar os teatros, as cortinas, os papéis. Cansada dessa metamorfose, admito não me saber viva doutra forma. Volta-me o Mia Couto e uma conversa de fim de noite: o que ele escreve é tão irreal, que é real. O que ele escreve é tão específico de um lugar, que é do mundo. O Mia Couto faz relembra os lugares desconhecidos que praticamos com menos frequência... deixo uma sugestão: práticas de ternura exagerada várias vezes ao dia, falar mais de mitos do que de “miNtos”, fazer um baile, beber o vinho, amar a mulher-a-dias, escrever as melodias no beiral do mundo.

Se extendessemos a capacidade de VIVER (essa capacidade INATA) pelos minutos do dia, creio que menos livros seriam necessários para nos revelarem esse “ímpios” caminhos, que no limite são apenas uma alma inteira.

(Ou transformar-se-íam os livros em páginas novas e imprevisiveis,
letras coreografadas pelo poder dessas visões.)

Não quero adormecer as quimeras que me movem, os sonhos que me encantam. Se me falhar essa asa, essa C-asa, esse pousio inconstante de constância, terei que me fazer outra, doar a biblioteca a um qualquer cemitério de gente viva que já morreu e ver se o rastilho funciona com outra lenha.

Fica a certeza partilhada: tudo até hoje, com dedicação, preguiça, altruísmo, individualismo, curiosidade, ânsia, voracidade, teve, se não amor, essa voz de fundo que é um coração a guiar um volante de um veículo orgânico, ora pernas, mãos, pensamento, ora emoção sozinha e grande.

Timor meu, disse o Nélson. E hoje tenho esse eco, essa terra, no meu frágil jardim humano. Espreito a janela do aeroporto e faltam palmeiras e ervas secas...
e falta-me esse caos, essa beleza.

Agora vou chover com as nuvens do lado de lá.
Encontramo-nos já, ou agora mesmo que vos penso...

21.9.10

Inverno quente de 2010

vinha falar-te deste caderno que escrevi no Inverno quente de 2010.
lugar onde, por irreverente costume, colei as imagens dos teus olhos carregados de coisas pesadas,
substâncias húmidas de mar,
lentos veículos para sonhar.

nessas páginas, as travessias têm desejo exposto,
são fúria e queimam,
não lhes nego a persistência!
repeti o caminho todas as manhãs e agora, que o finalizo,
dou por mim de costas voltadas ao sentido de partir,
talvez fique se te agradarem estas madrugadas,
que inventei com tabuadas de encantar.

Os teus pés invertidos apontam a galáxia,
eu sorrio ao ver-te inapto para correr um fio onírico.
Decides: "Volto a casa."
...e aconchegas as mãos num silêncio milenar.

Ver-te triste anoitece-me,
mas o caderno escreveu a parábola,
uma predestinação divina feita sem coragem,
(mas o amor também é esse medo).

Com a corda enlaçada na veia sideral, recorda:
faz um baloiço para avistares o sol de perto,
a beleza confina-se por momentos a desejar o inalcançável.

23.8.10

Sobre a escrita (o que ainda apetece dizer sob o candelabro intermitente do coração)


Escrever em act….o….s d…esc….ontí.-n----uos.
Escrever em diferentes cenários.
Escrever em esquizofrenia.
Ausentar-se para aproximar.
Tomar café e morrer.
Depois, tornar lúcido, sob a superfície translúcida da chuva.

Inadaptação contínua
As notícias do telejornal projectam o estado do mundo:
continua a revolução superficial!
“Só acredito na revolução feita dentro dos homens”
Artur do Cruzeiro Seixas


(em voz off, alguém improvisa desígnios)
1. A verdade a partir da pele chega para transtornar.

2. Qualquer mudança, se estrutural, é incendiária.

3. O amor pode acalmar a sede de arquipélagos, mas não aniquila o poema, transforma-o.

4. Quando quiseres volta a dormir junto à pele, o único lugar onde - ouvi dizer - é possível renascer incessantemente.

… e eu sei que te anima sentires-te um homem novo,
que te dói a velhice e não suportas cansaços...
mesmo que seja inevitável fragmentar a epiderme em rugas
e ver a agilidade dos olhos quebrar-se na monotonia dos dias iguais.

21.8.10

B Fachada . Cantiga de Amigo (e algumas notas cénicas)


(para dizer a gritar baixinho)
Segura a mão frágil deste vento,
debaixo do movimento esconde-se uma parede de sol.

Ondjaki escreve estas letras
em pormenores poéticos
- os mesmos que Bernardo canta e
são todos um, num reino onde Deus é gente! -
A mim falta-me um pigmento de luz,
essa aproximação que estala os dedos do tempo,
marcando compassos a partir da seiva e não do fel.
Tenho uma música de eleição que me ocupa
inteira a comoção,
por isso também me falta um jeito de Lulu,
uma sensibilidade, uma barba e um pincel.

(para cantar)
"... diz-lhe é bom ser teu amigo, mas igualmente bom ser teu amante..."

16828 vezes! - sempre eu,
sempre a mesma música.

(para ler em surdina)
Tarde demais.
Desligo o botão do repeat,
mas a pele cola-se à música.
o mesmo salão,
o mesmo baile,
o mesmo par:
a máscara sou eu!
A primeira vez tinha 18 anos,
apanhava o metro e crescia-me um medo corajoso,
como um rímel que alonga pestanas.
Depois sentei-me, recuperei essa escuta,
tinha mais de um metro e setenta de memórias
e amara o suficiente para desejar vinho, poesia e rimas difíceis.
Hoje são 16:49 na ilha e enquanto a casa se muda de mim,
navego nesta melodia vezes sem conta,
perco o jeito para os poemas
-se o tive ... se o tivesse -
e tenho um calor dentro,
uma ânsia.

No mundo que eu pensara
a real agonia era ver desfeito o sonho,
nenhum desses desalentos me obscureceu,
mas alterou-se de mansinho
uma coisa que talvez consiga explicar:
dedos maiores, onde se vertem tintas de canetas,
mas poemas calvos, como os cabelos castanhos
que voltam a ser brancos,
como se tivessem comido neve
e ficassem frios,
duros.
A pedagogia da alma treme aflita,
deseja não aprender nada,
não ver segura a vela do navio,
para ser peixe ou alga
ou algo...
A música repete-se.
Este poema acaba sem jeito,
nem (e)feito.

FIM

2.8.10

AULAS DE TEATRO. Porque antes do teatro ser fingimento, é verdade e encontro com o que de mais íntimo transportamos em nós


"Nesse mundo o teatro é a realidade, é o palco que formamos hora a hora, segundo a segundo. É este palco que tenho diante de mim.
Não há sinais de trânsito, nem multas, nem códigos, nem leis a cumprir, não há justiça, nem injustiça!- e sim, ao mesmo tempo há tudo isto!
(...)
Por detrás das fachadas que as pessoas apresentam caminha uma poesia que nos deixa ver um palco imenso, que em cada cena apresenta uma síntese dada por um espiríto universal, num momento preciso em que a verdade é a sua arte de comunicar."
Ruben A. - Páginas (V)

Aulas de Teatro em Díli, para gente crescida que gosta de passear-se dentro, de mexer o corpo, com a cabeça e o coração.
Que tem ganas de dizer tudo o que verdadeiramente interessa e gastar-se em dissertações inutuilmente saborosas.
Que acredita que o espectáculo está vivo e o maior argumento está em transmissão directa e chama-se VIDA.
Que quer horas diferentes no dia e na noite.

Juntemo-nos e façamos de novo, pela primeira vez, o nosso espectáculo vivo.

Quarta-feira . 19:00 às 20:30
Lugar a definir.
Início previsto: 4 de Agosto
Preço da mensalidade: 25 dólares
Preço por sessão: 7 dólares
Limite de inscrições: 15







22.7.10

My name, Lhasa sob escuta (uma espécie de eternidade) E Manuel António Pina sob leitura (uma espécie de efemeridade)


Why don’t you answer Why don’t you come save me Show me how to use All these things That you gave me Turn me inside out So my bones can save me Turn me inside out. LHASA My name

.."a ausencia instalada no coração da nossa realidade, isto que nos permite separar vida e morte, que nos duplica imaginariamente, só a pura exterioridade o alcança.
A nossa condição -até na relação com os outros, mesmo os mais amados- é sermos gémeos divididos."
in Jornal de Letras, num artigo sobre Manuel António Pina

Sobre Manuel António Pina
Humuildemente apresenta-se como jornalista. Consciente da transitoriedade e efemeridade dos "hojes" (essa palavra sem plural conhecido), relembra: "Um jornal, como diziam os velhos tipógrafos, serve no dia seguinte para embrulhar peixe."

11.7.10

PELE (registo em contínuo, atravessando as águas)

São novamente ossos estendidos no paredão:
não são de gente,
nem dos sonhos invocados,
ou das tragédias geradas pelas suas cúmplices catástrofes.

O manual de capa preta
-também ele estendido no areal-
guarda os teus poemas,
tu sabes que és um ilusionista inato,
por isso quando te prendes,
manténs soltas as outras pontas.

As arquitecturas de cada alma são obras-primas! -
soletras, enquanto esculpes o teu último rosto,
pareces mais novo, mais alto, mais outro.
Vou fotografar o teu medo primeiro,
para que saibas da memória,
essa ausencia em sustenido que afaga o abismo.

Respiro muitas vezes e, se me canso prossigo,
-é habitual! -
porém, nem sempre faço o esforço
de reparar a intensidade dos ventos:
inalo pradarias e emociono-me!
Faltam-me mais dedos do que livrarias,
a minha persistência consiste em manter cheio o nível das águas de Herberto,
a minha planta preferida..

Se eu tivesse o poeta de ocasião
que te enrosca o abandono em trágica beleza,
felicitaria este destino que te desenha a boca
e te desfaz o sorriso em pranto.
Mas o poeta, mesmo que me habite dentro,
é-me desconhecido,
toma-me de voodoos as pernas
e dá-se ao azar de se tornar metáfora:
o livro dos poemas guarda o último anjo,
esse ser que talvez não nasça.

Um pigmento de lua há-de enfeitar o débil azul,
veremos que depois desta exaustiva caminhada,
a luz da manhã será primórdio de um capítulo ilustrado,
onde seremos livres...

(Arranha-me em eterno a labuta organizada em semelhança.
Ainda são os pássaros que me comovem,
principalmente aqueles que se fazem grandes nas mãos.
Chagall é uma coincidência divina,
nas intermitências que transportam o precioso.
Revelo a fotografia,
hei-de fazer um altar a tudo aquilo que sem ser meu, me comove e transfigura.
Sou um ser espalhado em milhões de seres.)

5.7.10

Lisa Gerrard Ou o salto para o enorme vazio das almas (esse vazio deslumbrante)

Once there was a gardener,

Who's horse became a dream.
It then became a nightmare,
And nothing was redeemed,

His heart was over shadowed,
It yielded to the pain,
Of lost and broken memories,
Of love he'd spent in vain.

They're within the labyrinth,
He bathed in vapors green,
He poured his very essence,
Into pools that can't be seen,

He fell into the press-apes,
By choice he entered through,
Dark waters yet unspoken of.
A loss,
He could not bear to be true.
His fate lay among the flowers
Of the desert morning stars,
Uncharted lands and faithful
hands beckon from afar,

In time, his eyes will open,
And he will begin to see,
The beauty of his innocence,
Free from memory.

His horse that was a nightmare,
will be a promise seen,
No longer there a prisoner,
he'll realize his dream,
And souls will join and be
reborn in the Eden of his heart,
He'll bring forth a light of unity,
from which he will not part.

Loving eyes will no longer pour acid
on his soul, for forged within integrity
His horse becomes a foal.
There begins his reckoning
a freedom from the past,
The pain in vain will dissipate
and peace will come to pass.

Lisa Gerrard

6.6.10

anatomia




"descobri que consigo gritar por dentro"...

Em prosa, faço um relatório, que é como afinal deviam ser os relatórios do mundo:

autênticos, emocionais, fluviais
(desses rios que correm à margem do sangue comum).

no livro leio palavras que me páram. Umas porque me surpreendem, abalam, chocam.. outras porque identificativas... afinal, as palavras daquele livro são minhas! Não são, o livro não é meu, mas canta em voz alta e vasta o caminho que avisto, aqui, de mim para mim, olhos no rosto, coração cruzando o deserto.

só me apetece escrever e entregar-me depois ao sono, exausta...

uma vez vi um filme em que a imagem final era igual a este deserto, que agora se transladou para o centro das minhas acções: uma mulher que caminhava sob um espaço incógnito e sem dimensão.

para procurar uma casa, devo aceitar este desígnio, porque os ímpetos são vários se me deixo ficar pela flor da pele... avanço caule, aguardo raíz, essa estrutura inteira, gigantesca na sua unicidade, mas quando vista ao longe, sorri, em descanso sob um jardim de muitas flores, muitas cores, muitos cheiros.
cada cheiro uma memória, cada cor um coração, cada flor uma história.

mas, dentro, eu grito como tu gritas, e eu penso que um grito que encontra outro grito, pode criar a sonoridade de um novo silêncio... talvez um areal, onde os braços não nadam mas voam, sob as águas, os peixes e as criaturas, que como nós, desertam para este lugar...

se avisto agora esta planície, onde não pressinto montanhas, nem precipicios, também o devo a ti, aos outros, que com sorrisos e facas criram parte desta escultura humana, que se move como uma bailarina ferida na asa.. é o equilibrio que me seduz, mesmo quando me perco numa vasilha oca, regada de fel..

queria o lugar da escrita, onde introspectar fosse tão natural como o ar que entra...
quero este lugar, onde inabilmente faço isto, porque sou aprendiz nesta planície, neste areal...

5.6.10

conjecturar sob a ameaça da emoção (Arvo Part sob escuta, tocando Alina até à exaustão, que é nunca)

falar sem heras na mão,
aceitar essa ausencia de verde, de floresta interior,
onde João sem Medo, avançou com o alento corajoso de um sonhador.

recuperar a audácia,
apostar na nuvem mais alta!
-essa era a do Fernão e aconteceu há muito tempo na minha vida)-
e ceder à tentação do azul.

perceber a coreografia do sono e das pestanas.
dançar um baile íntimo,
com uma garrafa cheia de solidão,
que deriva de sol.

fazer contas,
e reparar os números como se de esculturas se tratassem,
invocar o 22,
esse mito,
essa quimera.

acrescentar altura às pernas, aos braços,
fazê-los girar sob a galáxia,
perceber o tamanho pequeno da aspereza
e cultivar sorriso em vez de arroz.

em antítese, saborear o amargo e gostar,
devorar o prato antes da sopa,
pentear com garfo, antes do corte,

e, enquanto esta música tse retocar
- até ser uma melodia cada vez mais bela e inaudível-
aceitar a inevitável predestinação do corpo azul...

3.6.10

INTEGRAÇÃO (a carta que o dia escolheu)

Era assim que a carta escrevia:

"A imagem da integração é a união mística, a fusão dos opostos. Este é um momento de comunicação entre dualidades da vida, anteriormente vivenciadas. Ao invés da noite opondo-se ao dia, a escuridão suprimindo a luz, as polaridades estarão trabalhando juntas para criar um todo unificado, transformando-se ininterruptamente uma na outra, cada qual contendo a semente do seu oposto no seu âmago mais profundo.

A águia e o cisne são ambos seres alados e majestosos. A águia é a encarnação do poder e da solitude. O cisne é a corporificação do espaço e da pureza, flutuando e mergulhando com suavidade no elemento das emoções, totalmente satisfeito e realizado em sua perfeição e beleza.

Nós somos a união da águia com o cisne: macho e fêmea, fogo e água, vida e morte. A carta da integração é o símbolo da autocriação, da vida nova e da união mística, conhecida também como alquimia".

VIAGEM DENTRO DA MINHA ANTIGA PELE - um gatilho por acender e mais tarde fumar



HOJE É DIA DE CITAR ESSA MARESIA -"A RESSONÂNCIA DAS VAGAS CONTRA OS ROCHEDOS"- AL BERTO É O MITO DA CONTINUIDADE E O MEU CORPO É UMA ESTRUTURA MARÍTIMA.

DUAS CINTILAÇÕES

OUVE-ME

UMA PÉROLA

NÉMU (fugitivos sempre)

Bagagem suficiente para fazer esta viagem no dia quente, que se instalou na epiderme da voz.
Enquanto procuro um recanto, penso que curei algumas devastações. Sinto essa alegria, esse alívio... e essa perda. A minha voz ainda tem contornos da cinza da última fogueira ( e a cinza também fertiliza a terra).
Bastava-me falar assim, silenciosamente, ou com gestos de peixe, durante uma tarde que coubesse numa manhã, ou uma noite que tivesse nascer do sol,
Troco o disco, Al berto relembra - "O MESMO DISCO SEMPRE A TOCAR"- hoje saio com o poeta erguido nos olhos, a testar os limites da linha que corta o mundo.

31.5.10

Turbilhão ou se esta roda girasse sempre em redor do sol...

uma forma única desenhada nas nuvens, repito a lenga-lenga do azul,
deixando deslizar as letras para longe, até serem apenas um anagrama incompleto:
LUZ.

pus-me a pensar nas dicotomias bizarras,
emocionei-me,
escuta:
duas longas mãos com o eco de pérola,
um lago de ouro em vez de um corpo,
uma canção em vez de uma morte.

no céu deste lugar,
a solidão é um estado de graça,
um planeta pode ser quadrado e pressagiar infinito,
um coração pode rodopiar-se no seu próprio pião,
ou procurar-se imaturo,
como quem pela primeira vez  -finalmente- cresce inteiro.

Preciso avisar-te:  um incansável fantasma maquilha a angústia,
e natural que haja vinho no copo,
água na turbina deste motor vivo.

será ilusão permitir este mergulho?
diamante, dinamite,
uma inconstância corta-me as garras,
acalmando o felino com êxtase,
essa droga que faz ceder os tendões do arrependimento.

tudo é outra vez o novo, de novo.
o gato espera um tapete que voe,
Aladino quimérico,
consome o retrato com a tua fotografia de passe,
passando primeiro a tua rua,
depois a tua fúria
-hoje gira para ti!-
guarda-te num bolso cheio de janelas,
cobiçada arquitectura da morada que não prometes.

é um gato e está cansado,
aninha-se no meio do tufão,
contrariando a ciência,
voa...

18.5.10

ainda sobre tamanhos, alturas, compassos e medições

Não arrastes o relógio, deixa-me debruçar sob o ponteiro,
reparar o lapso da linha que se pressente a desmoronar.

as matérias dos meus vícios brilham nesse palco,
chamado TEMPO,
mutáveis e gigantes,
já foram moldadas por outras mãos,
reconhceidas por outros narizes,
Miró deitado ao meu lado, recorda-me
as constelações,
por isso dedico-lhe
-dedilho-lhe-
esta metáfora,
enquanto aprendo novamente a comover-me,
a sentar-me direita numa cadeira torta,
a cozer batatas para apedrejar o ruído do meu coração.

Acrobatas e poetas,
chamados á recepção!
- a mulher onírica tem caprichos,
quer chorar!
Sozinha não consegue,
tentou, inutilmente:
espetou a agulha no mesmo sítio,
oito vezes, sem parar.
As lágrimas  não vieram...
daqui a uns anos, quando se lembrar,
terá nos olhos esse rio,
essa consequência.

A MEMÓRIA É O KARMA DOS DESASSOSSEGADOS.

Por agora é tudo,
tenho o compasso quebrado
e ainda gostava de desenhar um sol
ou um daqueles rostos que fazía quando
pensava que as caras eram todas iguais redondas e a sorrir.

Vai tarde esse tempo,
julgo que Maria ou Francisca saberão do que falo,
mas elas são os tesOUROS calados,
a navegar num outro mar.

Regresso.
O relógio afinal, esteve sempre parado.

17.5.10

DEDOS

Este poema em gerúndio recorta-se,
junta-se para formar a inesquecível película deste retrato,
mas tem sépia no eco,
quer-se em púrpura,
que é esse incêndio atrás da paisagem.

Os dedos podem ser gente,
repara como se movem, como se limpam,
são rápidos!
Também os dedos dedilham,
fazem um tricot malabarista-
sabia que te comoveria este meu modo inseguro de fracturar o tédio,
mas ao que chamarias cinética,
eu chamei vulcão.

Eu sou pequena,
muito pequena...
não me corras se eu te doer,
aparo a franja deste destino,
mas sou descuidada,
só quero livros escritos,
letras em cima de letras,
e mais uma vez,
letras em cima das minhas letras que soletram o teu nome.

se tiveres o copo vazio, aguarda pacientemente a tempestade

Este poema está cansado,
vai ler uma revista da sua actualidade,

Lá fora -pelo menos tão cedo- não voltará a ser Primavera.

20.4.10

Em 2005, a poesia corria-me assim...

Chamava-se ImaginaryHumans e era das epidermes do sonho. Nessa altura, era mais água, do que aquela que hoje sou ou choro. Existia rítmicamente e a partir daí -ou antes daí- nada disso se alterou. Este caderno ainda é o meu caderno, mas de humano fez-se casa, decidira-se habitar.
Só escrevo por egoísmo, não repares se me encontrares as máscaras derrubadas nas entrelinhas.
Esta humana espécie, existia em 2005 e antes de 2005, depois morreu. Foi morto. Uma fatalidade alastrara-se, ao ver  esse caderno queimado, inúteis cinzas,.. parcas memórias.
Nesse ano escrevi assim:

O CORPO NA VIAGEM DO MUNDO.

Barcos


(...) "Há barcos que gostamos de perder,
que partem devagar para outras mortes
e nos deixam juntos, sem palavras."
Manuel de Freitas . in  Resumo. a poesia em 2009
Ed. Assírio & Alvim . Fnac

18.4.10

.

Concreto

Rasgámos a silhueta desta festa.
Podia ter sido a dança a construir o ritual,
mas preferimos a fractura exposta,
alastrando-se sob o piano dos teus ossos,
do teu queixo,
do penedo por onde sucumbiste para
(re)sentir vida.

Coberta por um véu silencioso,
bastava-me a comoção do volante na noite,
dirigindo-me para um lugar de mim,
cada vez mais fundo-
abismal!

Sabes que depois de passar as negras algas dessa cova,
um mar de coral invadiu-me a alma?
Nunca mergulhei num mar,
e, no entanto,
foi com tanta delicadeza e pormenor
que me revelaram este oceano,
que ouso ripostar essas oníricas evidencias.
Digo-te que semearei narrativas surreais:
uma princesa enamora-se pelo seu espelho,
mas é o espelho que a abandona,
aleijado por reflecti-la.

Dentro de mim,
tenho sempre sete seres em labuta,
derivam da espiral nomeada.
Porque páras em mim?
Eu ambiciono poetizar a minha mágoa,
não deves seguir as façanhas do meu juízo.

Sentemo-nos para este café abandonado,
preciso retocar a redoma palpável.
Não faças perguntas. Boris.
Acelera a máquina e vai.

13.4.10

blue butterfly (Mogwai sob escuta. Estou a correr -sentada- a 3,33 km hora)

Ontem, ainda não se fazia noite neste pedaço de coração.
A estrutura, se lhe queres conhecer o íntimo dinamismo,
define-se vulcânica.
Aparento este condão por um acaso lunar,
no entanto, dou alma em troca de tempo:
poderás aguardar enquanto troco de disco?
Dancemos a tua música preferida, enquanto te falo do meu cansaço.
Quando estaremos preparados para aceitar o espelho inteiro?
Por onde começar a escrita?
Será esta a última linha de um longo testamento de ausências?
Faz Abril neste calendário
e vejo nítidos os dias e os seus tamanhos,
na proporção dos meus mundos seguro a parte real deste pão e
atiro-o às aves,
para que o devorem.

Fenómenos estranhos ocorrem neste mês:
acordei e tinha entre mãos uma borboleta azul,
um rapaz sentou-se na cadeira ao meu lado e pediu-me luz em vez de lume.

É grave o que me fica,
mas apenas na tonalidade dessa melodia,
por mim, tenho voz e canto,
não sei o que fica da pele quando dramaticamente, queimada de sol ou dinamite.

É assim, que agora me vejo,
numa pauta montanhosa onde a moléstia é a própria fé.
Recupero as páginas dos livros todos do mundo,
e faço esta fogueira.
Se tivesse frio aquecia-me (e o frio é tanto).

Voltemos a ver a borboleta azul,
a poeira incandescente que ela te deixa no irregular diário.
Sem perícia,
naufraguemos no desígnio deste vento-
velozmente.

6.4.10

AOS AMIGOS

a única forma de poder falar,
seria começando pela rua que canta uma voz antiga,
fado enaltecendo a brisa da tarde,
a brisa da alma.

ficamos com gente dentro,
habitando esta planicie que é um corpo sozinho no mundo.

Quando esse metálico ser voar,
derrubando esta paisagem até trazer de novo a primordial,
ficaremos distantes.
Coisas que nem réguas nem compassos conseguem medir..

Tenho afinal um coração em vez de uma cabeça,
são-me inúteis as pragmáticas práticas,
por isso tento a vida como um poema.

O meu alento era este sol,
agora derrubados
-eu e a luz-
tentamos atalhos improvisados,
sorrir de esguelha, como quem diz para ficar mais um dia ou um ano...
talvez o tempo de uma interminável festa neste caderno que se escreve.

Depois de doer,
acredito,
existe uma imaculada mão,
o primeiro dedo apontando o primeiro cometa.

É na busca do simples que vos encontro.
tenho sete adeus e uma seta rodopiando num reflexo baço,
que é o meu, que sou eu.

Dedico-vos a luz que hoje, ao caminhar, avistava no longe:
era laranja azulada e só criava eternidade.

1.4.10

"estou cheio de palavras que só cabem no coração" . D

rasante nome teu,
sob o silêncio ergue uma torre,
lá dentro vive um pássaro e um monge,
murmuram baixo melodias de ave,
são os sons do amor puro, dizem os que por ali sempre-nunca passaram.

o fonema que se produz nos redutos preciosos que ali ficam,
servem de inspirada constelação à alma transeunte,
amélie poulain recorda que ainda existem cidades verdes no íntimo dos olhos:
esta valsa é para dançar ao contrário,
esticar as notas para que façam corda de um lado ao outro lado do mundo.

proponho-te a escalada deste trapézio,
passaremos pela fome de mãos enxutas e valentes,
a preciosa pétala da tua angústia lentamente florescendo para outra imagem...

se o coração tiver o tamanho destas revelações,
o ritmo de um novo samba alastrará beleza
e o pássaro não terá sido em vão.


fecho os olhos,
coloco os ouvidos do lado avesso
- o único que ainda inteiro escuta cantante sangue-
existes.

28.3.10

Part Two: Aria (de tanto respirá-la, dou-lhe um poema)

sentei-me na primeira fila de um invento,
não me interessavam os congressos sobre as matérias concretas.

éramos um grupo de mais de mil niis,
multiplicadas cópias de malkovitch numa sala
e num cérebro,
as cadeiras rangiam como violinos:
assombroso e belo!-
a rapariga do casaco branco empaledecia-se de propósito
com um pincel e uma tinta.
o rapaz tentava formas recortando o seu cabelo,
outrora nuvem espessa.
a mulher descalçava-se e calçava-se num ritual absurdo.

descrevê-los era voltar a ver o fractal reflexo nas águas,
dorian gray esquecido do seu narciso,
criando erva num jardim sem terra,
ruminando herberto..
...se este poema finalmente saltasse para fora deste templo descuidado
onde ritualiza na mais absoluta solidão
uma ave,
uma árvore,
um pé,
um poço.
"A lista dos niis do niilismo que me colocaste em memória tem um tamanho maior do que o nada".

27.3.10

T

Arrancar um violino,
decepar um girassol,
por motivo desconhecido, retocar uma pauta e escrever nela a biografia da dor.

Devia ser assim o aviso:
altivo e imenso,
ter pernas para se movimentar,
incendiar-se fogueira nos detalhes:
este cansaço é a minha labuta,
o herói de B.D. aventura-se ao vôo e cai..
afinal também ele era humano,
escrever doía-lhe
mais na quimera do que no prato.

Esta é a tua música,
se aqui chegares,
significará que o mar ainda pode ter outras águas,
como natas ou volumes de matérias imaginadas,
sem feridas,
sem rugas.

Recupero o argumento,
os actores estão no palco, aguardam-te,
tens debaixo dos novelos,
a camisola dos teus antepassados
-argumento para o dia-
mas aconchegas-te no frio,
não estranhes que te arda.

Cabes neste país que é o último poema e
Desfazes a metáfora,
talvez não concluas que esta música é tua.

23.3.10

INOMINÁVEL

De todos os poemas,
se partir da sua obscura raíz,
este é o primeiro que deriva do fonema do teu nome.

Desisto de me passear altiva nesses meandros,
quero uma montanha inteira onde descansar e um abandono,
qualquer sentença que não me questione.

Eu quero a doença da tua pele,
o frémito da tua inquietude.

Vim recortar a tua nuvem,
despejá-la num inadequado espaço de formas,
isento de latitudes
(essas que inutilmente cingimos à alma).

Tenho pautas vazias,
fugiu-me a música para algum devaneio,
Vê-me, entertainer de mim mesma,
distraindo o tempo.
Quando voltar serei maior
-não sei se volto-
terei um destino exemplar para réguas como essas,
que dividem o mundo entre o certo e o errado.
(Ah! Se este poema cantasse!)

Tenho mil cavalos dentro
e o seu galopar devasta-me!
Como se constrói um faraó autêntico,
essa peça de história que cria dominância na paisagem do espírito?

Reflecte sobre estes achados que ainda te escrevem,
talvez sejam a única prova fidedigna de que um amor persiste.

Recupera o perímetro da minha aflição,
viajo para me entreter,
sou entediante e procuro enforcar a mão,
o dedo,
a partícula inonimada que se escreve e tem o tamanho do maior grito da galáxia.

A Física é outra inquietude,
porque deu-me para sentir, cientir (de cientista), prenominar catástrofe.

Aguardo enquanto os últimos cadáveres vão comprar sorrisos,
também eu tenho crueldade nas coxas,
não ensino a arte do vôo,
incapacito crepúsculos.

Sou um bolo desfeito, desmerecido de mesa.

É grande a desgraça e, no entanto,
tenho-te amor:
é uma coisa que se alastra!
Não tenho outra forma de to dizer,
dispo a metáfora e entrego-ta na última folha de um jornal sem data.

Este é um grito e não se ouve.

21.3.10

AnyWHERE ARe you

Tenho estes espaços nos meus braços,
recuperam formas que nunca tive e parecem odes:
Comovem.

Eu estava sentada, o tempo era lento e ignorante,
desvendava sinais pelo hábito da confrontação.
Porque se eu rasgasse inteira a folha 30 do meu diário,
teria a BOLD um recado único e primeiro:
descobre o tracejado dos meus olhos,
essa incontínua linha que pretende revelar amor.

Em palavras numeradas,
o amor arruma-se num armário,
o quarto desfaz-se... afinal, o armário ocupa tudo!

Dá-me as tuas mãos longas de sombras,
derruba a carne neste alpendre virado ao sol,
somos dois e temos um jardim,
basta-te?
´
No último compasso envelhecemos e rimos,
afinal é bom saber a teoria das rugas,
o chão move-se e não há catástrofe,
os rostos são de pão e comem-se.

Eu espero-te num relógio sem hemisférios,
sou um insecto nervoso, sentado no cotovelo do meu susto.
Parei para fazer este poema e não lhe vejo o fim,
tem gente que se move dentro, cativa-me,
devias chegar para ver como a ilha é e não é.
Esta ilha que emerge,submerge,
e eu tenho um arquipélago a servir-me de dor.

Regressa quotidiano à minha argila,
moldemos este chão, este cheiro, esta dor.

Ocorre-me que é Verão, neste lugar que chove quente,
guardas-te, empoleirado pássaro, no cotovelo do meu braço esquerdo
- o mesmo da dor-
quando emitires a corajosa frequência,
escrevo-te inteiro.

11.3.10

I i

Alarguei o tamanho das mãos no caso de ter que me habitar,
construi morada a partir do meu próprio corpo.


Nada se irradia para lá do que somos capazes de suar-
beleza comparada a fetos, projectos em eminencia
que percorrem a linha irregular de uma vida
( a única linha, que por convicção, arranquei da mão e coloquei no chão:
decidira caminhá-la)


Desta forma, toda a teoria ensinou-me a desaprender,
faço pela primeira vez o abecedário, coloco-o em cima da mesa,
observo as estranhas formas que tornam legiveis,
partes diminutas dos lugares por onde nos navegamos.
retorno à emoção,

sou um animal de estufa caprichoso,
a minha pretensão quebrou a janela errada,
vejo esta paisagem por um acaso que escapa à alquimia.


Tu eras um ouvinte perfeito,
embora te faltasse humana forma.
O filme - o teu- era na verdade, biográfico de mim,
eu construira o personagem, pincelando-lhe bigodes de gato
para criar mistério nesta dilacerante cratera, que é um planeta compacto chamado CORPO.
Deviamos atentar ao céu paraque uma chuva entranhasse na terra dos olhos,
recuperasse a ihúmida e incandescente chama do coração primário.

Falta-me manual e manípulo para actividades climatéricas,
Major Tom is a outsider.
Vivemos a praticar idiomas, ideologias, ideias, idiotas.

Romper os cascos de um cavalo,
Roer as folhas de um pinheiro,
Encher de perícia uma caneta e escrever uma noite inteira, sem parar.

Este é o primeiro registo desta caminhada quiromática,
a ilha refloresce numa antiga península de mim.
Resta-me caminhar.

23.2.10

ODE

Apercebi revolta revolução no espaço de um corpo,
qualquer coisa como uma onda que rebenta artérias,
vasos que são de sangue em vez de flores.
Nessa altura, relembro a urgencia de escrevê-lo,
erguer-lhe um templo no deserto,
recuperar-lhe a barba perdida,
um navio ou uma seara.
Nunca soubera por onde navegá-lo.

Ele sentara-se,
o piano tinha três teclas indistintas,
a escala presumia Evereste melodia
(era alta a fasquia do seu corpo arruinado),
no entanto, visto sob olhar e pele nua,
reprimia alheios ímpetos de cantar,
sumia-se canário inacessível,
inábil para dialogar.

Aguardando-o,reparava:
o somatório da espera criava rugas no chão,
sismógrafos de alma apelavam às erupções,
mas nada se premiditava em absoluto,
o trio de teclas em vez de tocar, pedalava
e a cidade
outrora negra, confusa, cabisbaixa-
abria-se inédita paisagem,
prédios vestidos de salgueiros,
mulheres despidas das suas múmias,
levitando apenas dóceis movimentos de maternidade
-TODAS AS MATERNIDADES-
filhos ou arte,
poeiras ou livros.

Da semi-sombra por onde se erguera,
era longa a pauta e o seu avesso,
orquestrara o vento para se tocar,
cedendo à carícia do seu próprio tufão.

A última estação não trouxe piano nem bicicleta,
fez frio e nada mudou.
Aguarda correspondencia,
um reparo no pente que organiza a floresta.

Retira-se para se abismar.

23.1.10

A KIND OF

Há lugares para onde é escusado ir morrer,
gasta-se o colo em gatafunhos que projectam Leonardos,
mas o milagre é um grão num celeiro devastado.
Falo-te desta casca de pinheiro que se colou ao meu dorso,
engavetou-se num natal sem deus nem menino,
irreligioso e livre,
partido em frágeis catedrais .

Dessa terra ocre, não é de estranhar o azul ciano:
é com as cores primárias que se gera a derivação cromática,
deixa-me por isso pequena, início por maturar,
raíz sem tronco, mutável e serena.
(Com quanta física se estuda uma alma?
Escreve-se o relatório ou faz-se um poema?
Reduz-se a gordura das coxas e das ancas ou modela-se
-finalmente-
as folhas de uma árvore e transforma-se ramo?)
Na eventualidade de Maria ou eu,
não conseguirmos escapar à dor dos sapatos minúsculos,
escreve um requerimento ao céu,
requisitando entidades divinas
para desgastar as cefaleias.
Tenho dúvidas na prova de existir.
É BOM QUE NESTA CARTA FIQUE TUDO QUANTO ARDE.
Era um livro.
Eu lia e repetia, num ponto certo,
desfiando o dedal, desnudando pele,
mas era carne o que havia depois de aguçadas as fomes:
enganei-me,
julgava ser matéria mais alta, mais elevada,
afinal tenho corpo e sede,
tenho medo.

São sete da tarde e eu falto ao compromisso,
as crianças madrugam,
são rápidas - A KIND OF LULLABY-
bye bye, silver girl,
let's fuck with the rising sun.
As rimas são patetas.
Tornaste as rimas patetas.
Tu és pateta.
(é só um desabafo)
O poema acaba,
o pastor não tem ovelhas,
o queijo furtou o leite ao vinho,
a Primavera coalhou por antecipação.
A última linha é absurda e exige corda.

ENGOLIR IMAGENS E ATIRÁ-LAS AOS OLHOS. PARA QUE VEJAM. OS ELEMENTOS DO POEMA. ODE ÀS 21 GRAMAS DE ALMA LHASA