21.8.10

B Fachada . Cantiga de Amigo (e algumas notas cénicas)


(para dizer a gritar baixinho)
Segura a mão frágil deste vento,
debaixo do movimento esconde-se uma parede de sol.

Ondjaki escreve estas letras
em pormenores poéticos
- os mesmos que Bernardo canta e
são todos um, num reino onde Deus é gente! -
A mim falta-me um pigmento de luz,
essa aproximação que estala os dedos do tempo,
marcando compassos a partir da seiva e não do fel.
Tenho uma música de eleição que me ocupa
inteira a comoção,
por isso também me falta um jeito de Lulu,
uma sensibilidade, uma barba e um pincel.

(para cantar)
"... diz-lhe é bom ser teu amigo, mas igualmente bom ser teu amante..."

16828 vezes! - sempre eu,
sempre a mesma música.

(para ler em surdina)
Tarde demais.
Desligo o botão do repeat,
mas a pele cola-se à música.
o mesmo salão,
o mesmo baile,
o mesmo par:
a máscara sou eu!
A primeira vez tinha 18 anos,
apanhava o metro e crescia-me um medo corajoso,
como um rímel que alonga pestanas.
Depois sentei-me, recuperei essa escuta,
tinha mais de um metro e setenta de memórias
e amara o suficiente para desejar vinho, poesia e rimas difíceis.
Hoje são 16:49 na ilha e enquanto a casa se muda de mim,
navego nesta melodia vezes sem conta,
perco o jeito para os poemas
-se o tive ... se o tivesse -
e tenho um calor dentro,
uma ânsia.

No mundo que eu pensara
a real agonia era ver desfeito o sonho,
nenhum desses desalentos me obscureceu,
mas alterou-se de mansinho
uma coisa que talvez consiga explicar:
dedos maiores, onde se vertem tintas de canetas,
mas poemas calvos, como os cabelos castanhos
que voltam a ser brancos,
como se tivessem comido neve
e ficassem frios,
duros.
A pedagogia da alma treme aflita,
deseja não aprender nada,
não ver segura a vela do navio,
para ser peixe ou alga
ou algo...
A música repete-se.
Este poema acaba sem jeito,
nem (e)feito.

FIM

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