15.1.12

Inútil "song"

Devemos ter a poesia atenta quando olhamos o mundo,

ou a repará-lo que seja como  imaginada criatura ,
filho de madeira de embondeiro,
inútil Gepeto a criar obras para amar à sua imagem.


Sem enganos creio: o mundo deve ser um estar só,
porque quando ouço do lado norte da Terra  a voz da minha mãe
apetece-me atentar ao deus e seus infinitos subditos,
para que leve fogo onde ele faz falta....
e toda a gente sabe:
o fogo faz falta ao gelo para que se equilibre em paisagens deveras apaziguadoras
ou uma coisa que não lixe o juízo  e muito menos a alma!


Há quem diga que quando a alma não é pequena tudo vale a pena,
mas eu não sou da maioria: 
a alma não tem estatura,
a alma não tem estrutura.
E quem mais sente, será também quem mais mente?


Eu acho que a alma tem voz de Raul Seixas a lembrar que ela sim,
a cena ALMA,
o mecanismo alma,
a medusa alma, venenosa, fascinante, leve alma,
é metamorfose ambulante,
a vender-se para encontrar significados.


Tenho andado num exercício faz hoje 32 anos e uns dias,
trata-se de me tentar incorporar num militar dicionário de sinónimos.
Falho e penso: o que te digo tem riso de mim e rizomas das passagens,
influenciam-me as marés e eu escavo teorias convictamente,
coisa como esta que só a ti tenho coragem de dizer:
a malta tem é medo de arriscar, tudo vestido azul e branco para não destoar do
céu e das nuvens.
Mas a paz não é um estado pacifico! 
É antes uma busca num volátil encontro,
areia que se some entre os dedos...
 (e de nada vale juntar muito os dedos e até acrescentar os dedos 
de quem mais queremos juntar a nós...)
As mão nada sabem da técnica marroquina de fazer tapetes invencíveis
a arenas e areias,
por isso descuidam essenciais coisas....
e não é por mal, é por incompetência!




É de tal modo denso o estar existencialista
que relembro uma imerecida profecia de um amigo perdido no tempo.
Dei-lhe cabo do coração sem querer,
mas para um coração isso não interessa nada:
dás cabo e pronto,
agora se és bonzinho como madres e Teresas,
isso não importa.
Aqui aplica-se a popular sabedoria:
de boas intenções está o inferno cheio
e o coração para mim, com todos os seus defeitos,
é de todas as vísceras  a única que vale a pena continuar  acreditar.


Explico o porquê:
Quando deslindraram os mil tubos que seguravam o meu pai a este mundo,
o coração audaz dava sinais de si como quem diz
- "Este homem vai partir, mas olha para ele digno e forte a provocar de frente a morte!"-
e eu emocionei-me e consolei-me pela interpretação dos factos.
Interpretar é aproximar tudo a um estado de conforto - a dita zona de segurança-
sem tiros de guitarras,
qual Hendrix a revolucionar o telhado de alegria.


Na Guiné o dia é indescritível,
Cabral justifica a derrota,
afinal um partido é uma coisa simples de entender:
um partido parte. Parte gente e partes das gente.


Ontem escrevi com sentido
e quero desviar-me dessa incandescente luz...
sou da etnia poeta e tenho dentro todos os sonhos do mundo,
não me faças -por favor- falar deles,
perco o contacto com a realidade e instauro um  estado novo.


Eu quero estar no aqui que já não é um lugar,
é um cansaço e uma utopia,
é uma derrota e um recomeçar.
Tenho a estaca no coração: mato melhor à noite e morro melhor de dia,
na minha alma marco -1 grau,
a temperatura ambiente da emoção.


Se puder ainda hoje aqui volto.
Já gostei mais disto diga-se de passagem,
agora escrevo para esvaziar os bolsos.

1.12.11

Agressivo

Vou escrever o teu nome até que lhe esqueça os ecos...
Imagina comigo:
 as tuas mãos distantes como ilhas observada em mapas antigos,
o sol desfeito em dois, metade para ti, metade para mim,
sem discutir acasos ou ocasos.
(afinal fui eu que vi o pôr-do-sol e isto sim, era um capricho).

O mar faleceu nas profecias,
nunca tarde, nunca cedo,
apenas Verão.
Este ano demasiado longo, diz-se
(olha para mim a julgá-lo ainda aqui, perto de mim).

Que tens que pagar as contas,
fazer carreira,
justificar o tempo a enchê-lo de coisas.
Pois que seja, eu vou pelo mansinho que me trouxe,
faço o manifesto longe e há-de ser um poema agreste.

15.11.11

B ( "e agora para algo completamente novo")


Vim dizer-te que nesse dia contei os dedos das mãos para confirmar a tua inesperada chegada ,
como sol que insiste brilhar quando o dia acaba...
Seria um dia à medida e capricho Boris Vian e a sua Espuma dos Dias,
um dia em que a vida reinou por completo na utopia e se fez pessoa, sorriso e caminhou.

Vi-te passar em slowmotion, o mundo desenvolvia finalmente as suas verdadeiras habilidades,
tornar próximo o que a cabeça distancia em pensamentos e criações.
As redes afinal estavam todas por concretizar: infinitas e possivéis, como o sonho.
Eu que decretara o fim do "Capitão Romance", eu pirata e gato e sozinha,
a escrever-te desde então os instantes da vida,
como se de repente fosses tu a acender-me a memória.
Como te chamas?
Como chegaste?
Onde te dói?

Escrevo-te para te lembrar que este segredo é longínquo  e ao ver-te naquela  fotografia de passe, faz hoje um mês ou mil anos,o rosto era o mesmo que antes vira impresso no teu olhar e me prendera de beleza e angústia...um rosto muito antigo como o amor.
E vi-te pequeno e guardei a emoção para este poema,
porque socialmente seria incómodo lembrar-te que nunca te vira e no entanto,
parecia que nunca te tinha esquecido.

Vou tomar um café forte, preciso adormecer o intuitivo rasgo,
que me leva a ser nua de metáforas e dizer-te tudo.

Quando amanhã estiveres lá,
o homem da bata branca há-de sorrir e era bom que acreditasses inteiramente nos seus talentos,
nunca houve motivos para temer e quero ver-te velho a falar da vida e do futuro.
Sabes, eu acho que há sempre futuro...

Amanhã (também) o escorpião António faria 71 anos,
mas quando voou estava mais jovem do que eu,
era um menino a correr com um balão voador,
a percorrer a eternidade:
"When our wings are cut, can we still fly?"
Eu sei que tu mais do que eu dirás que sim,
és um leitor dos silêncios, mesmo quando a vida arrepia com os seus contornos de mau gosto
e só apetece cosmos que leve em buracos negros tudo o que sente ou mexe.

Não somos só pessoas felizes,
somos pessoas inteiras.
Eu estou inteira aí,
aqui o corpo mexe, tecla, está veloz.
Precisa acalentar o teu silêncio,
precisa recortar nuvens para a tua janela.

Passeio pelo laranja da tua casa e gostava de ser alma e vôo,
cair-te num sonho e ter as ilhas do sul e o sol.
mas sabes que nem sempre se realizam os planos:
escrever é uma forma de mantê-los vivos como a esperança.

Agora vou só abraçar-te,
se puder fico aí esta noite

...truz...truz...posso entrar?

13.8.11

P



Jean Michel-Basquiat

Estávamos a um passo de ver o primeiro sol.
Era assim que suspiravas, enquanto o sol,
atraiçoando-te,
se colocava completo esticado no céu,
demasiado alto para se deixar atingir  pelo teu corpo frágil.

Nunca me disseste como te doíam os sonhos,
por onde te cresciam as rugas,
por onde semeavas as interrogações.
por iso, à minha maneira,
imagino-os.
Se escrevo é porque penso que quero que escrevas:
há razões mais fortes do que os mitos,
e no fim, só ficam sepultadas as caveiras.

Creio por isso, que dentro de cada um existe a possibilidade:
salpicar o cosmos com as anunciadas 21 gramas que um corpo perde aquando o seu último respiro.
Gosto de anoitecer a magicar maneiras de te colocar no espaço sideral,
mas terás feito isso melhor do que eu,
do que ela,
do que nós.

Eu ainda tenho um corpo, um sopro.
Ouço Zeca Afonso, penso beleza - interior, interior, interior- como eco vibrante:
tudo fica,
tudo vai,
e no remate final pretendo aniquilar o pretérito perfeiro,
esse modo agreste  de conjugar a vida.

Deixa-te ficar sentado na cadeira se a tua vontade assim quiser,
ou segue pelo calor dessa viagem,
onde tudo é fátuo e eterno.

Eu vinha para dizer-te que a minha cabeça pairou,
sobre os fios que te enlearam o sangue,
as veias,
os rins,
as tuas mãos tão quietas.
Quero repetir o teu nome no silêncio
e servir-te anjos pela janela da tua ausência.
(mas)
Sou frágil e não tenho o cetim que envolveu o teu corpo defunto,
mas cabe-me abraçar a manhã,
cabe-me abraçar-te amanhã.

Se eu falhar na tarefa de existir,
ou se também o meu corpo atraiçoar o meu tempo de inspirar azul,
talvez te encontre e possamos dizer o não dito,
coisas como gostar de ti fez-me ser difícil,
confuso retalho de pensamento
e por isso agradeço-te.

Vou instruir os meus dedos, cada vez mais alucinadamente.
Não imaginas -ou talvez imagines- como me enche de entusiasmo crer no indizível ou
nessa sede de revelar o espectro da paisagem repetida
ou na  maneira idêntica-diferente como a noite se derruba no colchão e adormece.

Tenho ideilizado uma peça de teatro,
vejo o palco,
a caixa negra
e  mais uma vez o azul de Klein,
acentuando-se nos cantos,
essas fronteiras que delimitam os espaços
- o actor e o observador-
metáfora certa do tempo,
do corpo,
da passagem.

Talvez realize esse espectáculo.
Talves realize esse espectáculo de forma sublime,
e a morte que "sai à rua",
possa entrar finalmente na vida,
sem triunfar.

25.7.11

azul



Recordo a imagem que falaste,
eram duas da tarde e o sol fervia-nos na pele.
Havia mosntros, mas apenas na minha imaginação
(ainda há. em mim. e na música. e na dor)

mas retalhaste as partes mais luminosas desse dia.
ampliavas assim as formas mínimas,

Na verdade, apenas isso me interessava.

Em mim ficou a tela.
(e agora sei do que falavas)

28.6.11

A biografia do homem do lado de lá

Em termos práticos aconteceu assim:

Cansado de sonhar com o sofá fez-se à noite,
sem farnel, a fome comeu-lhe as estrelas.
Tal atitude valeu-lhe um estado mais oniríco, mas pouco adequado:
o cabelo comprido como algas, ou evocações de algo
algo para ser dito,
como por exemplo, o modo raro de ser manequim da demencia,
ou de fazer reinar o imprevisivel riso  numa festa.

Tudo se tornara fora do lugar onde antes, agora, depois estivera,
por isso inadaptou-se dos modos e costumes,
inverteu hierarquias, definindo:
- MEU COMANDANTE É A LUA!

Porém, mantinha-se distintito na forma rara de decapitar jornais:
dormia sobre as noticias do mundo,
conjungando com as letras maiores os nomes dos  que mais amava:
Joaquim, o filho mais novo
(roubou o nome ao mítico avô português),
Raquel, a segunda mulher, a da voz doce como mel...
Machel, o rebelde libertador.

O seu nome não escrevia, o seu nome já não sabia.

Os pés em mutação: ora chatos, ora audazes, ora negros de pó de terra...pó sideral.
(depois de dar a alma ao cosmos perde-se a capacidade de distinguir céu de chão
e flutua-se)
Caminhando em tempo certo, marcando o desconcerto,
tatuava nos muros em letras garafais - Só Jesus salva! -
depois ria da afronta e da mentira.

Era assim a sua oração, incerta.

Ele ausentara-se do circunstancial mundo,
eu escrevia-lhe nas rugas uma ternura
que não sei partilhar.

De qualquer forma,
o poema é dele,
como é dele este navegar.



27.6.11

/re/parar o tempo


Se abrir a porta, repare no estendal:
as peças são todas musicais e autênticas,
artigos raros, vividos em primeira mão
- cinematograficamente.

Não ligue à desorganização das artérias,
o sangue é um criatura apaixonada, embora caprichosa,
irrompe por covas fundas e feridas de difícil cicatrização
(tornamo-nos a matéria que pisamos)
Seria uma vantagem aceder consigo ao lado de lá desse muro-pessoa,
saber de perto o som da sua dor,
quantas vezes bebeu o vinho do seu desatino,
quantas insónias ocuparam os ponteiros dos relógios que alberga,
quantas mãos amou pelo modo particular de serem ternas,
quantos gritos deu em vão,
quantos risos desenhou no seu lado solar.

(mas)

É minguante a corda e ténue o sonho .
A memória está preenchida pelas visões
e viver perdeu impacto.

Terei que explicar o enredo para que não se enleie na confusão:
fui eu que teci esse estendal, tentando o anonimato.
Sequei a folha do caderno onde era oleira das minhas visões:
nesse tempo estava muito viva e tudo me corria para as mãos,inspirando-me!

Hoje a chuva não chove,
nem há sementes de nuvens.

A roupa seca em cima dos ombros
e cai para dentro,
exausta.

8.6.11

in Beirut ( Veneza que não existe OU evocando David Mourao-Ferreira

A
carta que te escrevo
chega desfasada em longos segundos ,
nada saberás do peso do ar que inspiro quando deito a minha cabeça na almofada do mundo,
esse que por incompetencia lunar
          - tramou-nos a astrologia -
me escapa!

Se viesses sozinho,
entregue a este pedaço de sol recortado em ninharias
- para que saibas do que te falo, nomeio-as:
- um retalho de falsificado cetim,;
- um álbum antigo de Nick Cave;
- a minha fotografia mais sombria (quiçá, a mais verdadeira!);
- um livro por escrever do Pedro Támen;
- o malmequer amarelo na casa morta de al berto (o vivo);
- a minha tesoura de pegas verdes (para recortar mundos e fundos e fundos com mundos)

e se até um manatim - esse estranho -tem história que vale a pena ser narrada, amada, amarrada,
a minha história tem coisas que se mudam de lugar, instintivamente (são as sedes).

Outra coisa importante: acho inútil uma vida sem parêntesis... é como uma vida mais acre, sem travões a fundo de nós, sem partiçhas inconscientes, movimentos desorganizados de círculo, pertença: MO-RAN-ÇA.

(...)

30.5.11

http://cercarte.blogspot.com/

Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.

Eugénio de Andrade - Os Sulcos da Sede

modus navegável


És o meu estudante de poemas preferido.
 Essa danação há-de viciar-te a melancolia.
Peças mais que fundamentais para seres duplos inteiros de coisas máximas e minúsculas – por outras palavras, TUDO . o excesso do tudo.

“Que dizer de ti virado ao contrário, sem vertigens? Como atravessas este céu sem matéria? Vamos ao jardim, as árvores nunca dormem, esqueci-me de te sossegar e os poemas são pesados de sentidos..”
“Talvez vislumbres quem fui, talvez saibas que todos os nossos rostos estão presentes na memória… para que os sentidos se revelem…”
In Ant. Ramos Rosa . Bichos Instantâneos


Um ferro-velho de emoções como a última despedida.
Nuno Júdice

Seria fácil, se abrisses estas páginas abstractas, que se geram dentro da minha cabeça.

 

15.5.11

last beat of my heart . siouxie and the banshees

árido é o terreno desta manhã,
convocado pela longa espera.

afinal. são anos a aguardar a luz do sol
no pior lado da casa
(daqui avistam-se barcos mortos,
os dedos estão sempre afogados num copo,
os olhos são baços)

no registo deixei uma passagem invisível!
talvez sejam de luz os olhos alheios,
leiam as entrelinhas do meu corpo a dançar-se
para distrair a sua própria ausência..

de qualquer forma, hoje a paisagem adoeceu de tempo,
como eu de congeminar escassas possibilidades.

caminho com a aridez da minha boca calada
e isso ocupa-me inteira.

10.4.11

Angelfish Decay

(Tema em repeat, escrito noutras horas, noutros ritmos, mas com ecos do hoje.
Hoje com ecos do ontem)
Cancioneiro astral OU que triste se tornou a minha solitária lusofonia
a KIND of something OU se pudesse cantava-te esta canção

Era escusado morreres-me repentinamente,
agora que abrira as janelas e prepara um amanhecer radiante.
Ficou-me um milagre de grão num celeiro devastado,
um gatafunho de Chagall na ementa
-agradava-te o verde esbatido em púrpura e as transparencias da alma-
Porque na verdade, só por ti poderia colorir uma tela,
fazer uma casa,
recortar cebolas para te chorar baixinho,
de propósito, de propósito... sem propósito.

Falo-te de uma casca de pinheiro que se colou ao meu dorso,
pressagiando duas promessas,
uma era tonta e bela:
ir contigo ver de frente o hemisfério sul, romper as botas e as rosas,
Outra – a mais inútil-
era a de carregar no botão desse casaco de cetim queimado e fazer-me friamente à vida,
puxar o colarinho do vizinho,
trocar os sapatos e calçá-los, alegremente.
Creio ter falhado no predestinado,
(tão previsivel, não achas?)
Escrevo o poema que invalida o pragmatismo
e incendeia o vício.

Tu e eu: coincidencia de matéria orgânica

Da terra ocre que se seguiu, não é de estranhar o azul ciano:
é das cores primárias que se gera a derivação,
deixa-me por isso pequena, início por maturar,
raiz sem tronco, mutável e serena.
(Com quanta física se estuda uma alma?
Escreve-se o relatório ou faz-se um poema?
Reduz-se a gordura das coxas e das ancas ou modela-se
-FINALMENTE-
as folhas de uma árvore e esculpe-se o ramo?)
Na eventualidade de Maria ou eu,
não conseguirmos escapar à dor dos sapatos minúsculos,
escreve um requerimento ao céu,
requisitando entidades divinas
para curar as cefaleias.
Tenho dúvidas na prova de existir.
ERA BOM QUE NESTA CARTA FICASSE TUDO QUANTO ARDE.

Era um livro.
Eu lia e repetia, num ponto certo,
desfiando o dedal, desnudando pele,
mas era carne o que havia depois de aguçadas as fomes
-enganei-me!-
julgava ser matéria mais alta, mais elevada,
afinal,
tenho corpo,
tenho sede,
tenho medo.

São sete da tarde e eu falto ao compromisso,
as crianças madrugam,
são rápidas! - A KIND OF LULLABY-
bye bye, silver girl,
let's fuck with the rising sun.
As rimas são patetas.
Tornaste as rimas patetas.
Tu és pateta.
(é só um desabafo)
O poema acaba,
o pastor roubou as ovelhas,
o queijo furtou o leite ao vinho,
a Primavera coalhou por antecipação.
A última linha é absurda e exige CORDA.


8.4.11

Barco e marcha fúnebre



Começo por te contar novidades desse barco sem ré
( a ausência de uma nota musical -para que relembres- é razão suficiente
para falecer-se de maleitas várias,
como um riso que não se dá,
um baile que não se dança,
um copo que se atrasa e aquece - o INSUPORTÁVEL!)

O barco -esse pequeno utensílio das marés e dos brilhos - navegou doidamente,
invadindo caminhos que se outrora pudesse, desejaria sem cruzar,
porque antes era altamente quimérico,
um pouco mundano,
flectido, jenuflectido em actos de contrição duvidosa.-
e isso bastava-lhe para o livro de memórias.

Um barco tem madeira
-como porventura saberás-
corpo, alegria e desespero de troncos de árvore,
uma espécie de albergue de falecidas naturezas,
pescando outras espécies,
outras belezas.

Este barco não foi feito por mãos humanas,
cresceu dentro do seu próprio mar,
parido de loucura e alguns rituais
( as águas deste ser gritam alto ao impossível).

Não presumas milagre,
o barco nasceu para morrer,
e hoje há um triste funeral,
numa hora em que chegues de madrugada
para remendar as velas em chamas.

Não basta ser marinheiro para navegar sozinho,
este mar é traiçoeiro e gasta-te a tinta a escrever coisa nenhuma.

É um barco demasiado vivo para se importar com o fatal destino
da sua mortalidade.

Hoje vai tornar-se cimento numa parede esburacada,
esvaziar as ondas,
voltar à prodigiosa ignorância do desconhecido.

26.3.11

Tum Tum Tum

Agarra-me com a fivela dos teus dentes,
onde - ouvi dizer - morrer é amanhecer crocodilo,
peixe de Nantes (esse inimaginado),
figura de cinemateca a aguardar estrelato
no cosmos desatento de um qualquer lunático.

Estou a desfazer esta nuvem em bocados de papel,
para reparar a combustão de um motor que nada a vento lento..
eu tento, eu tento, eu tento,
mas pouca terra, dá pouco fruto
e a nêspera morreu, tal como o Leiria previra nos seus gins.

O mundo - disseram-me - vai acabar no dia 21 de Maio,
por isso, decidi conspirar contra Noé
e levantar-te da poeira.
Se morrer, que seja em grande:
um sorriso minimal - teu -
arte contemporânea no meu visceral tum-tum-tum interior.

Vamos por aí cantar esta canção,
quero ouvir esta música na tua mão,
essa concha complexa, onde escreves sobre mares que te desapontam os lápis
(és tão menino, pequenino, docinho de limão, grainha de Aquiles no céu da minha boca)

Se te lembrares de trazer o piano (tua certeira identidade),
guarda-o nessa varanda com vista para a imensidão,
poderemos retocar as teclas com o que nos resta da fantasia
e rebolar, poetas-profetas, como catástrofes mundiais.

Celebremos a recente antologia onde nada se preveu
passível de singrar,
somos todos artistas falhados a repetir o palco
(tenho asfalto nos bolsos para desconcertar as ruelas)
Amanhã volto a tocar o sucedido acontecimento:
corpos de peixe náufragos de uma manhã contínua,
chuviscos de suor e fadiga
e um copo tinto de ti,
tambor,
guitarra,
delícia.


24.1.11

CROWDS . Bahaus

Hoje,
quando o ar foi mais fundo,
o travão mais fundo,
reparei na cor em que me diluira,
nos minutos em que me ausentei deste escorregar de matérias inúteis
e entristeci de alegria
(devolve-me a bicicleta,
o sapateado
 e o lusco-fusco lunar do poema inédito,
onde navegavamos em paisagem idêntica)

passara a relativizar o absoluto,
essa doença consome os pulmões,
enerva os dedos!
(estou lenta para criar cenário e fundo musical,
à tua altura,
perdoa a velhice do meu respirar)

depois voltaste,
só agora me apercebo do continuum deste latejar,
talvez seja por isso,
que Bahaus senta-se à mesa,
come o melhor que há cá em casa
e pernoita,
alternando-se:
ora mel, ora malancolia.


Observo o teu semblante envelhecido pelo excesso poético
(eu estava delicerada . eu estava deliciada)
aguardara as tuas metáforas durante uma manhã que me cansou o relógio
e alterei a fisionomia interior deste verso
para manifestar o meu descontentamento,
o meu deslumbramento:
voltaste mais forte,
creio que preparado para morrer
(foi a conclusão a que cheguei quando te vi, apressado
e livre, a amar os abismos que convenientemente tecias)

Vieste sem agasalho
- nunca diria que acabavas de chegar da terra do frio -
talvez já não tenhas medo,
mas lanço-te o desafio:
recompensar a perda de  mar,
com sangue e fio,
costurar essa cicatriz demente,
que é mundo e  gente
e tragos de coisa nenhuma.
Depois repicar os sinos e
movimentar o subterrâneo.

Let´s trouver la beauté.

2.1.11

em busca (ainda) das casas absolutas. fragmentos . live in Guiné

O relógio voltou a acertar na hora errada.

Um roteiro para a solidão.

Paul Celan

"AMOR TRAÍDO PROVOCA TRAGÉDIA"

Perdi a caixa de maquilhagem do mundo.

Padeço de uma epidérmica simbiose com o que aparentemente repele, choca e/ou arrepia.

Que todos temos medo e água pura. Pedro Támen

Uma mesa alargada pelo sol.



Afinal, só vim aqui para escrever poesia e deixar que a morte aconteça um bocado mais. falar da Guiné é ter em conta os improváveis, mas também algum -relativo- conhecimento de causa, ou das causas de cada um e que cadaqual, à sua mercê conta ou faz acontecer.
A minha última aventura foi correr atrás do pó vermelho... profundamente.
 
VENDE-SE ERRADICAÇÃO DA POBREZA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
PARA MAIS INFO. CONSULTAR TESE E PRATICAR TEORIA NO TECLADO DO SEU PANO MENTAL.
 
Preciso sentar-me e recortar novissímos projectos.

Fotocópias SEM aviso prévio

FAZEM-SE FOTOCÓPIAS.
FOTOCOPIE O LIVRO PARA DENTRO DE SI, MAS EVITE APAGÁ-LO OU DEIXÁ-LO DILUIR-SE NA CHUVA DO SEU PRÓPRIO CANSAÇO.
FAÇA FOGUEIRAS - SE NECESSÁRIO- MAS CONSERVE O CARVÃO PARA REESCREVER NOVOS (E FOTOCOPIÁVEIS) LIVROS.

2.12.10

NE

pouso longamente os dedos nas teclas.
se pudesse tocaria neste piano de fundo
esta lembrança em oitava menor,
como um vestido antigo que ficou sempre à minha espera.

sei que amarias a calmaria do meu olhar debruçado no teu,
mas enquanto chegas e partes,
o meu coração desvanece-se em fumos
e eu "angelizo" os meus frémitos.

preciso que saibas como é perigoso o meu riso,
o meu quintal,
o meu animal de estimação predilecto
(para que saibas, tem uma capa preta em vez de pêlo,
tem cortes nas patas de papel, mas não usa coleira)
precio dizer-te as coisas que sei melhor e por isso,
não sei dizer.

Palavreado em forma de gente,
sou eu a rir do tu,
conjuga-te comigo no pretérito imperfeito
e ama esse trágico destino,
que é ter cordas em vez de batuque,
e não me fiar nos doces da avó.

Tenho um carrasco sentado na minha língua,
quando lhe falo, ele grita-me e cala-me.
deixo que ele actue por mim
(essa voz é minha, seu falhado!)
até que de exaustão cai para dentro da caixa da bailarina velha
e enche a boca de bijuteria
(o brilho efémero ofusca)

este é o relato obejctivo do meu delírio feito vivo.
quando estiveres a rir,
anima-te,
anhinha-te
cai para o lado de dentro daqui...


do poema.

23.11.10

I'm in love with Bill T. Jones ( o amor é uma cratera deveras funda, embora partilhada)

"Estive à procura de quem eu era e do que quer dizer existir num mundo o da arte do qual sempre me senti alienado. Foi o mundo da arte que me fez, mas, dentro dele, nunca cheguei a perceber quem eu próprio era. Lembro-me de, em 'Last Supper at Uncle Tom's Cabin', que é de 1990, ter decidido ter a minha mãe no palco a rezar ao seu deus enquanto eu dançava às cadências da sua oração. Não estava a dançar a sua oração estava a dançar com a oração (é uma dança abstracta, no sentido pós-moderno). Fiz isto porque quis falar dos enquadramentos de intenções na arte. Se um artista diz que qualquer coisa é arte, para mim é arte. Pensei que se pegasse na minha mãe e nas suas orações e as pusesse em cena, elas se tornavam outra coisa. Quis acabar com as barreiras entre o que era entendido como cultura erudita e cultura popular. Era uma guerra que eu travava há anos mas para pessoas de horizontes limitados este tipo de atitude tinha sempre a ver com protesto social."
Bill T. Jones

21.11.10

Á

É um sol!
É o sol com olhos curiosos,
quando se alastra recupera em vez de perder.

Curou-se-me  uma doença
que me sufocava o dedo mindinho
e agora crescemos juntos,
temos mais mãos,
as tuas, as minhas, as nossas:
a amplitude é um fenómeno de amor,
mesmo que o Verão Azul seja uma metáfora de mau gosto quando se troca o continente
por uma rua sem patacas.

Afinal,
um sorriso também se compra por outro sorriso semelhante,
esse preço rasgado em notas deixadas ao acaso nas algibeiras.
Releio em voz alta o que me dita este acaso escrito em epiderme:
visto-te de lua cheia e levo-te para a rua,
para ensaiarmos novamente o teu desejo
OU
sempre que te escapas dos teus olhos
apuras o condimento essencial, eu comovo-me.

Se tiver saúde na alma,
este Inverno vou tentar praticar a beleza,
é bom que não me repreendas pelos maus hábitos dos meus caprichos,
não gosto quando me anoiteces o sonho.
Escorrega antes  para dentro do meu silêncio,
podemos trocar ideias acerca de determinados rituais
que somente as plantas conhecem.

A última mulher que eu conheci hoje,
chamava-se Feliz e só parecia triste
- não sei o que faça destas ironias-
mas vestia os lábios de palavras honrosas!
A verdade é que ela sabia o que era estar só e
essa, era nela a única coisa verdadeira.

Vamos trocar ideias acerca desta assunto?
Em que lugar classificas o teu mundo?
Competes com o teu diafragma ou cansa-te respirar fundo?
Amacias o amargo ou dedicas-te a praticar-te limão?

África ensinou-me a aprender tudo outra vez,
não me esgano, nem te atropelo,
sou um carrinho de linhas a coser linhas num caderno por escrever.
Mais tarde voltarei a cantar-te,
Toumani sabe mais de mim do que eu imaginava.

19.11.10

queria dizer-te:

ontem deu-me para morrer assim como quem nasce.
fui vendo lentamente  os rostos
e reconheço,
o amor move, ode tudo.

sou um produto SÓ-cial.
não te percas neste referencial que é o meu espanto a tentar ser algo..

amanhã -para que saibas- vou dedicar-me a apetrechar esta casa
( a única que reconheço como IDENTIDADE)
esse país é o meu sorriso moreno.
eu sou uma geometria errante a cantar-te sobre um estranho esquema.

tenho pena.
porque tudo, involuntariamente, se atrasa ou antecipa
e eu tenho uma lebre de março no quintal do coração
(atarrachar o relógio ao útero
e não mais biologia ou tempo)
no entanto, tu sabes muitas coisas
e o teu afecto é alto e bem parecido.
Admiro-te, sabias?...
decerto não, nós nunca dizemos o importante,
temos cordas ancestrais em vez de vocais,
e quando nos dá para o grito,
atrasa-se o coro.

estar só é clarividente
voltas a abrir o teu sorriso,
o único lugar onde sou capaz de depositar tesouros,
como a folha de Outono que apanhaste de propósito para mim...44

é tarde e eu estou de luz apagada a ver o cosmos,
treme-me a espinha e a alma,
creio que é um alerta fundamental
para te relembrar. 


2.11.10

.

Retoma a minha frase,
poderei dançá-la mais tarde,
num país inventado pela tua sede e pelo meu frágil equilibrio
Segura na ponta da corda que mais te agradar,
aguarda.
Observa
 como percorro os versos e as versões,
Cocteau insite em pronunciar-se perante um público satírico.
Desta vez, será diferente:
na plateia recortarei o meu público preferido,
normalmente gente muito morta ou muito gasta
...muito sábia,
dos que metem medo e afagam objectos para escutar o coração ido
numa cançao muito antiga e um corpo muito quente.

Onde se guarda o calor de quem se ama?
As "temperaturas extremas" de Herberto, cintilam nas moradas de silêncio de Al berto,
eu retomo a sentença:
os dez primeiros livros são eternos.

Recortei o bar,
faltavam-lha janelas, ressacava luz.
Eu, que era uma planta crescida nos seus delírios,
decidira cuidar de quem me mostrara os primeiros dez livros
-OS PERMANENTES.

O quão estranha a palavra permanência,
esse fluxo,
esse burburinho algures entre correntes de ar.
Queria dizer-te que vais ficando
mas perdi as plumas,
as vegetações bizarras da paisagem e diminui-me tamanho lupa.
Não creio que te agrade
a minha nova pequenez.
Reconstituo
a Teoria Geral dos Inversos,
mas no oposto que concluo,
manténs-te ileso, soberano desse reino aquoso e precioso,
onde não se define cor
para além da absoluta:
a que cega.

Devo-te o sorriso,
a ternura,
uma carta ridícula de Boas Festas,
alguma desventura natural de quem insitentemente se ama
depois de gastos os lenços e
os lençóis.
Mas somente o relógio dirá das horas exactas
em que abraçar-te era escrever a cada segundo a Obra-Prima Universal que salvaria o mundo da demência.

Regresso cansada,
mas sei finalmente como te agrido:
bilateralmente.

Não guardes os poemas nos tijolos,
faz uma casa e abriga-te da penúria.
Um dia,
ainda viveremos no mesmo quarteirão,
e amar será espreitar à janela,
ver-te 
e sorrir.


.

12.10.10

para onde vamos

Parece repetido.

Não é repetido.
A memória arquiva lugares como essências de perfumes únicos (isto faz-me lembrar o “Perfume” que eu nem sequer li ou vi, confesso).

Estou em Singapura, mais uma vez OU pela primeira vez.

Espero.
Aguardo no centro vivo destas passagens em trânsito que separam hemisférios (e línguas e modos e sons e cores e jeitos de estar e até jeitos de amar ou odiar), repenso tudo e repito.
Nada é igual. Tudo é igual. Saco do revólver e disparo contra a monotonia. No entanto, esta tristeza parece-me familiar, próxima, conheço-lhe a evolução, sei como cresce (sou eu que a rego e alimento), imagino o que se seguirá... acrescento à tristeza uma apatia que me anestesia: as pala-vr-as est-ão lentaaaaasssss,
como eu,
como as imagens,
como os teatros do mundo.

Apetecia-me outro corpo para vestir e uma cara mais alegre... penso no que me disseram: aceitação,é preciso aceitar. Mas é inútil, sou péssima a trabalhar tal estado.
Estou em Singapura, frente à Areia Branca, anseio abraços de sobrinhas e tenho ritmos quentes a bailar no meu imaginário. Somos realmente habitantes de muitos lugares, ao mesmo tempo.

Um pé de feijão para escalar e ver o mundo lá de cima
ou uma alamofada tamanho XXL para ter um sono maior do que esta ansiedade.

Hoje estou a rasgar os teatros, as cortinas, os papéis. Cansada dessa metamorfose, admito não me saber viva doutra forma. Volta-me o Mia Couto e uma conversa de fim de noite: o que ele escreve é tão irreal, que é real. O que ele escreve é tão específico de um lugar, que é do mundo. O Mia Couto faz relembra os lugares desconhecidos que praticamos com menos frequência... deixo uma sugestão: práticas de ternura exagerada várias vezes ao dia, falar mais de mitos do que de “miNtos”, fazer um baile, beber o vinho, amar a mulher-a-dias, escrever as melodias no beiral do mundo.

Se extendessemos a capacidade de VIVER (essa capacidade INATA) pelos minutos do dia, creio que menos livros seriam necessários para nos revelarem esse “ímpios” caminhos, que no limite são apenas uma alma inteira.

(Ou transformar-se-íam os livros em páginas novas e imprevisiveis,
letras coreografadas pelo poder dessas visões.)

Não quero adormecer as quimeras que me movem, os sonhos que me encantam. Se me falhar essa asa, essa C-asa, esse pousio inconstante de constância, terei que me fazer outra, doar a biblioteca a um qualquer cemitério de gente viva que já morreu e ver se o rastilho funciona com outra lenha.

Fica a certeza partilhada: tudo até hoje, com dedicação, preguiça, altruísmo, individualismo, curiosidade, ânsia, voracidade, teve, se não amor, essa voz de fundo que é um coração a guiar um volante de um veículo orgânico, ora pernas, mãos, pensamento, ora emoção sozinha e grande.

Timor meu, disse o Nélson. E hoje tenho esse eco, essa terra, no meu frágil jardim humano. Espreito a janela do aeroporto e faltam palmeiras e ervas secas...
e falta-me esse caos, essa beleza.

Agora vou chover com as nuvens do lado de lá.
Encontramo-nos já, ou agora mesmo que vos penso...

21.9.10

Inverno quente de 2010

vinha falar-te deste caderno que escrevi no Inverno quente de 2010.
lugar onde, por irreverente costume, colei as imagens dos teus olhos carregados de coisas pesadas,
substâncias húmidas de mar,
lentos veículos para sonhar.

nessas páginas, as travessias têm desejo exposto,
são fúria e queimam,
não lhes nego a persistência!
repeti o caminho todas as manhãs e agora, que o finalizo,
dou por mim de costas voltadas ao sentido de partir,
talvez fique se te agradarem estas madrugadas,
que inventei com tabuadas de encantar.

Os teus pés invertidos apontam a galáxia,
eu sorrio ao ver-te inapto para correr um fio onírico.
Decides: "Volto a casa."
...e aconchegas as mãos num silêncio milenar.

Ver-te triste anoitece-me,
mas o caderno escreveu a parábola,
uma predestinação divina feita sem coragem,
(mas o amor também é esse medo).

Com a corda enlaçada na veia sideral, recorda:
faz um baloiço para avistares o sol de perto,
a beleza confina-se por momentos a desejar o inalcançável.

23.8.10

Sobre a escrita (o que ainda apetece dizer sob o candelabro intermitente do coração)


Escrever em act….o….s d…esc….ontí.-n----uos.
Escrever em diferentes cenários.
Escrever em esquizofrenia.
Ausentar-se para aproximar.
Tomar café e morrer.
Depois, tornar lúcido, sob a superfície translúcida da chuva.

Inadaptação contínua
As notícias do telejornal projectam o estado do mundo:
continua a revolução superficial!
“Só acredito na revolução feita dentro dos homens”
Artur do Cruzeiro Seixas


(em voz off, alguém improvisa desígnios)
1. A verdade a partir da pele chega para transtornar.

2. Qualquer mudança, se estrutural, é incendiária.

3. O amor pode acalmar a sede de arquipélagos, mas não aniquila o poema, transforma-o.

4. Quando quiseres volta a dormir junto à pele, o único lugar onde - ouvi dizer - é possível renascer incessantemente.

… e eu sei que te anima sentires-te um homem novo,
que te dói a velhice e não suportas cansaços...
mesmo que seja inevitável fragmentar a epiderme em rugas
e ver a agilidade dos olhos quebrar-se na monotonia dos dias iguais.

21.8.10

B Fachada . Cantiga de Amigo (e algumas notas cénicas)


(para dizer a gritar baixinho)
Segura a mão frágil deste vento,
debaixo do movimento esconde-se uma parede de sol.

Ondjaki escreve estas letras
em pormenores poéticos
- os mesmos que Bernardo canta e
são todos um, num reino onde Deus é gente! -
A mim falta-me um pigmento de luz,
essa aproximação que estala os dedos do tempo,
marcando compassos a partir da seiva e não do fel.
Tenho uma música de eleição que me ocupa
inteira a comoção,
por isso também me falta um jeito de Lulu,
uma sensibilidade, uma barba e um pincel.

(para cantar)
"... diz-lhe é bom ser teu amigo, mas igualmente bom ser teu amante..."

16828 vezes! - sempre eu,
sempre a mesma música.

(para ler em surdina)
Tarde demais.
Desligo o botão do repeat,
mas a pele cola-se à música.
o mesmo salão,
o mesmo baile,
o mesmo par:
a máscara sou eu!
A primeira vez tinha 18 anos,
apanhava o metro e crescia-me um medo corajoso,
como um rímel que alonga pestanas.
Depois sentei-me, recuperei essa escuta,
tinha mais de um metro e setenta de memórias
e amara o suficiente para desejar vinho, poesia e rimas difíceis.
Hoje são 16:49 na ilha e enquanto a casa se muda de mim,
navego nesta melodia vezes sem conta,
perco o jeito para os poemas
-se o tive ... se o tivesse -
e tenho um calor dentro,
uma ânsia.

No mundo que eu pensara
a real agonia era ver desfeito o sonho,
nenhum desses desalentos me obscureceu,
mas alterou-se de mansinho
uma coisa que talvez consiga explicar:
dedos maiores, onde se vertem tintas de canetas,
mas poemas calvos, como os cabelos castanhos
que voltam a ser brancos,
como se tivessem comido neve
e ficassem frios,
duros.
A pedagogia da alma treme aflita,
deseja não aprender nada,
não ver segura a vela do navio,
para ser peixe ou alga
ou algo...
A música repete-se.
Este poema acaba sem jeito,
nem (e)feito.

FIM

2.8.10

AULAS DE TEATRO. Porque antes do teatro ser fingimento, é verdade e encontro com o que de mais íntimo transportamos em nós


"Nesse mundo o teatro é a realidade, é o palco que formamos hora a hora, segundo a segundo. É este palco que tenho diante de mim.
Não há sinais de trânsito, nem multas, nem códigos, nem leis a cumprir, não há justiça, nem injustiça!- e sim, ao mesmo tempo há tudo isto!
(...)
Por detrás das fachadas que as pessoas apresentam caminha uma poesia que nos deixa ver um palco imenso, que em cada cena apresenta uma síntese dada por um espiríto universal, num momento preciso em que a verdade é a sua arte de comunicar."
Ruben A. - Páginas (V)

Aulas de Teatro em Díli, para gente crescida que gosta de passear-se dentro, de mexer o corpo, com a cabeça e o coração.
Que tem ganas de dizer tudo o que verdadeiramente interessa e gastar-se em dissertações inutuilmente saborosas.
Que acredita que o espectáculo está vivo e o maior argumento está em transmissão directa e chama-se VIDA.
Que quer horas diferentes no dia e na noite.

Juntemo-nos e façamos de novo, pela primeira vez, o nosso espectáculo vivo.

Quarta-feira . 19:00 às 20:30
Lugar a definir.
Início previsto: 4 de Agosto
Preço da mensalidade: 25 dólares
Preço por sessão: 7 dólares
Limite de inscrições: 15







22.7.10

My name, Lhasa sob escuta (uma espécie de eternidade) E Manuel António Pina sob leitura (uma espécie de efemeridade)


Why don’t you answer Why don’t you come save me Show me how to use All these things That you gave me Turn me inside out So my bones can save me Turn me inside out. LHASA My name

.."a ausencia instalada no coração da nossa realidade, isto que nos permite separar vida e morte, que nos duplica imaginariamente, só a pura exterioridade o alcança.
A nossa condição -até na relação com os outros, mesmo os mais amados- é sermos gémeos divididos."
in Jornal de Letras, num artigo sobre Manuel António Pina

Sobre Manuel António Pina
Humuildemente apresenta-se como jornalista. Consciente da transitoriedade e efemeridade dos "hojes" (essa palavra sem plural conhecido), relembra: "Um jornal, como diziam os velhos tipógrafos, serve no dia seguinte para embrulhar peixe."

11.7.10

PELE (registo em contínuo, atravessando as águas)

São novamente ossos estendidos no paredão:
não são de gente,
nem dos sonhos invocados,
ou das tragédias geradas pelas suas cúmplices catástrofes.

O manual de capa preta
-também ele estendido no areal-
guarda os teus poemas,
tu sabes que és um ilusionista inato,
por isso quando te prendes,
manténs soltas as outras pontas.

As arquitecturas de cada alma são obras-primas! -
soletras, enquanto esculpes o teu último rosto,
pareces mais novo, mais alto, mais outro.
Vou fotografar o teu medo primeiro,
para que saibas da memória,
essa ausencia em sustenido que afaga o abismo.

Respiro muitas vezes e, se me canso prossigo,
-é habitual! -
porém, nem sempre faço o esforço
de reparar a intensidade dos ventos:
inalo pradarias e emociono-me!
Faltam-me mais dedos do que livrarias,
a minha persistência consiste em manter cheio o nível das águas de Herberto,
a minha planta preferida..

Se eu tivesse o poeta de ocasião
que te enrosca o abandono em trágica beleza,
felicitaria este destino que te desenha a boca
e te desfaz o sorriso em pranto.
Mas o poeta, mesmo que me habite dentro,
é-me desconhecido,
toma-me de voodoos as pernas
e dá-se ao azar de se tornar metáfora:
o livro dos poemas guarda o último anjo,
esse ser que talvez não nasça.

Um pigmento de lua há-de enfeitar o débil azul,
veremos que depois desta exaustiva caminhada,
a luz da manhã será primórdio de um capítulo ilustrado,
onde seremos livres...

(Arranha-me em eterno a labuta organizada em semelhança.
Ainda são os pássaros que me comovem,
principalmente aqueles que se fazem grandes nas mãos.
Chagall é uma coincidência divina,
nas intermitências que transportam o precioso.
Revelo a fotografia,
hei-de fazer um altar a tudo aquilo que sem ser meu, me comove e transfigura.
Sou um ser espalhado em milhões de seres.)

5.7.10

Lisa Gerrard Ou o salto para o enorme vazio das almas (esse vazio deslumbrante)

Once there was a gardener,

Who's horse became a dream.
It then became a nightmare,
And nothing was redeemed,

His heart was over shadowed,
It yielded to the pain,
Of lost and broken memories,
Of love he'd spent in vain.

They're within the labyrinth,
He bathed in vapors green,
He poured his very essence,
Into pools that can't be seen,

He fell into the press-apes,
By choice he entered through,
Dark waters yet unspoken of.
A loss,
He could not bear to be true.
His fate lay among the flowers
Of the desert morning stars,
Uncharted lands and faithful
hands beckon from afar,

In time, his eyes will open,
And he will begin to see,
The beauty of his innocence,
Free from memory.

His horse that was a nightmare,
will be a promise seen,
No longer there a prisoner,
he'll realize his dream,
And souls will join and be
reborn in the Eden of his heart,
He'll bring forth a light of unity,
from which he will not part.

Loving eyes will no longer pour acid
on his soul, for forged within integrity
His horse becomes a foal.
There begins his reckoning
a freedom from the past,
The pain in vain will dissipate
and peace will come to pass.

Lisa Gerrard

6.6.10

anatomia




"descobri que consigo gritar por dentro"...

Em prosa, faço um relatório, que é como afinal deviam ser os relatórios do mundo:

autênticos, emocionais, fluviais
(desses rios que correm à margem do sangue comum).

no livro leio palavras que me páram. Umas porque me surpreendem, abalam, chocam.. outras porque identificativas... afinal, as palavras daquele livro são minhas! Não são, o livro não é meu, mas canta em voz alta e vasta o caminho que avisto, aqui, de mim para mim, olhos no rosto, coração cruzando o deserto.

só me apetece escrever e entregar-me depois ao sono, exausta...

uma vez vi um filme em que a imagem final era igual a este deserto, que agora se transladou para o centro das minhas acções: uma mulher que caminhava sob um espaço incógnito e sem dimensão.

para procurar uma casa, devo aceitar este desígnio, porque os ímpetos são vários se me deixo ficar pela flor da pele... avanço caule, aguardo raíz, essa estrutura inteira, gigantesca na sua unicidade, mas quando vista ao longe, sorri, em descanso sob um jardim de muitas flores, muitas cores, muitos cheiros.
cada cheiro uma memória, cada cor um coração, cada flor uma história.

mas, dentro, eu grito como tu gritas, e eu penso que um grito que encontra outro grito, pode criar a sonoridade de um novo silêncio... talvez um areal, onde os braços não nadam mas voam, sob as águas, os peixes e as criaturas, que como nós, desertam para este lugar...

se avisto agora esta planície, onde não pressinto montanhas, nem precipicios, também o devo a ti, aos outros, que com sorrisos e facas criram parte desta escultura humana, que se move como uma bailarina ferida na asa.. é o equilibrio que me seduz, mesmo quando me perco numa vasilha oca, regada de fel..

queria o lugar da escrita, onde introspectar fosse tão natural como o ar que entra...
quero este lugar, onde inabilmente faço isto, porque sou aprendiz nesta planície, neste areal...

5.6.10

conjecturar sob a ameaça da emoção (Arvo Part sob escuta, tocando Alina até à exaustão, que é nunca)

falar sem heras na mão,
aceitar essa ausencia de verde, de floresta interior,
onde João sem Medo, avançou com o alento corajoso de um sonhador.

recuperar a audácia,
apostar na nuvem mais alta!
-essa era a do Fernão e aconteceu há muito tempo na minha vida)-
e ceder à tentação do azul.

perceber a coreografia do sono e das pestanas.
dançar um baile íntimo,
com uma garrafa cheia de solidão,
que deriva de sol.

fazer contas,
e reparar os números como se de esculturas se tratassem,
invocar o 22,
esse mito,
essa quimera.

acrescentar altura às pernas, aos braços,
fazê-los girar sob a galáxia,
perceber o tamanho pequeno da aspereza
e cultivar sorriso em vez de arroz.

em antítese, saborear o amargo e gostar,
devorar o prato antes da sopa,
pentear com garfo, antes do corte,

e, enquanto esta música tse retocar
- até ser uma melodia cada vez mais bela e inaudível-
aceitar a inevitável predestinação do corpo azul...

3.6.10

INTEGRAÇÃO (a carta que o dia escolheu)

Era assim que a carta escrevia:

"A imagem da integração é a união mística, a fusão dos opostos. Este é um momento de comunicação entre dualidades da vida, anteriormente vivenciadas. Ao invés da noite opondo-se ao dia, a escuridão suprimindo a luz, as polaridades estarão trabalhando juntas para criar um todo unificado, transformando-se ininterruptamente uma na outra, cada qual contendo a semente do seu oposto no seu âmago mais profundo.

A águia e o cisne são ambos seres alados e majestosos. A águia é a encarnação do poder e da solitude. O cisne é a corporificação do espaço e da pureza, flutuando e mergulhando com suavidade no elemento das emoções, totalmente satisfeito e realizado em sua perfeição e beleza.

Nós somos a união da águia com o cisne: macho e fêmea, fogo e água, vida e morte. A carta da integração é o símbolo da autocriação, da vida nova e da união mística, conhecida também como alquimia".

VIAGEM DENTRO DA MINHA ANTIGA PELE - um gatilho por acender e mais tarde fumar



HOJE É DIA DE CITAR ESSA MARESIA -"A RESSONÂNCIA DAS VAGAS CONTRA OS ROCHEDOS"- AL BERTO É O MITO DA CONTINUIDADE E O MEU CORPO É UMA ESTRUTURA MARÍTIMA.

DUAS CINTILAÇÕES

OUVE-ME

UMA PÉROLA

NÉMU (fugitivos sempre)

Bagagem suficiente para fazer esta viagem no dia quente, que se instalou na epiderme da voz.
Enquanto procuro um recanto, penso que curei algumas devastações. Sinto essa alegria, esse alívio... e essa perda. A minha voz ainda tem contornos da cinza da última fogueira ( e a cinza também fertiliza a terra).
Bastava-me falar assim, silenciosamente, ou com gestos de peixe, durante uma tarde que coubesse numa manhã, ou uma noite que tivesse nascer do sol,
Troco o disco, Al berto relembra - "O MESMO DISCO SEMPRE A TOCAR"- hoje saio com o poeta erguido nos olhos, a testar os limites da linha que corta o mundo.

31.5.10

Turbilhão ou se esta roda girasse sempre em redor do sol...

uma forma única desenhada nas nuvens, repito a lenga-lenga do azul,
deixando deslizar as letras para longe, até serem apenas um anagrama incompleto:
LUZ.

pus-me a pensar nas dicotomias bizarras,
emocionei-me,
escuta:
duas longas mãos com o eco de pérola,
um lago de ouro em vez de um corpo,
uma canção em vez de uma morte.

no céu deste lugar,
a solidão é um estado de graça,
um planeta pode ser quadrado e pressagiar infinito,
um coração pode rodopiar-se no seu próprio pião,
ou procurar-se imaturo,
como quem pela primeira vez  -finalmente- cresce inteiro.

Preciso avisar-te:  um incansável fantasma maquilha a angústia,
e natural que haja vinho no copo,
água na turbina deste motor vivo.

será ilusão permitir este mergulho?
diamante, dinamite,
uma inconstância corta-me as garras,
acalmando o felino com êxtase,
essa droga que faz ceder os tendões do arrependimento.

tudo é outra vez o novo, de novo.
o gato espera um tapete que voe,
Aladino quimérico,
consome o retrato com a tua fotografia de passe,
passando primeiro a tua rua,
depois a tua fúria
-hoje gira para ti!-
guarda-te num bolso cheio de janelas,
cobiçada arquitectura da morada que não prometes.

é um gato e está cansado,
aninha-se no meio do tufão,
contrariando a ciência,
voa...

18.5.10

ainda sobre tamanhos, alturas, compassos e medições

Não arrastes o relógio, deixa-me debruçar sob o ponteiro,
reparar o lapso da linha que se pressente a desmoronar.

as matérias dos meus vícios brilham nesse palco,
chamado TEMPO,
mutáveis e gigantes,
já foram moldadas por outras mãos,
reconhceidas por outros narizes,
Miró deitado ao meu lado, recorda-me
as constelações,
por isso dedico-lhe
-dedilho-lhe-
esta metáfora,
enquanto aprendo novamente a comover-me,
a sentar-me direita numa cadeira torta,
a cozer batatas para apedrejar o ruído do meu coração.

Acrobatas e poetas,
chamados á recepção!
- a mulher onírica tem caprichos,
quer chorar!
Sozinha não consegue,
tentou, inutilmente:
espetou a agulha no mesmo sítio,
oito vezes, sem parar.
As lágrimas  não vieram...
daqui a uns anos, quando se lembrar,
terá nos olhos esse rio,
essa consequência.

A MEMÓRIA É O KARMA DOS DESASSOSSEGADOS.

Por agora é tudo,
tenho o compasso quebrado
e ainda gostava de desenhar um sol
ou um daqueles rostos que fazía quando
pensava que as caras eram todas iguais redondas e a sorrir.

Vai tarde esse tempo,
julgo que Maria ou Francisca saberão do que falo,
mas elas são os tesOUROS calados,
a navegar num outro mar.

Regresso.
O relógio afinal, esteve sempre parado.

17.5.10

DEDOS

Este poema em gerúndio recorta-se,
junta-se para formar a inesquecível película deste retrato,
mas tem sépia no eco,
quer-se em púrpura,
que é esse incêndio atrás da paisagem.

Os dedos podem ser gente,
repara como se movem, como se limpam,
são rápidos!
Também os dedos dedilham,
fazem um tricot malabarista-
sabia que te comoveria este meu modo inseguro de fracturar o tédio,
mas ao que chamarias cinética,
eu chamei vulcão.

Eu sou pequena,
muito pequena...
não me corras se eu te doer,
aparo a franja deste destino,
mas sou descuidada,
só quero livros escritos,
letras em cima de letras,
e mais uma vez,
letras em cima das minhas letras que soletram o teu nome.

se tiveres o copo vazio, aguarda pacientemente a tempestade

Este poema está cansado,
vai ler uma revista da sua actualidade,

Lá fora -pelo menos tão cedo- não voltará a ser Primavera.