(imagem que me fascinou, encontrada em http://www.viralagenda.com/pt, transportada como mera ilustração)
Benjamim segurou-me no sonho.
sempre julgou essencial expor-me a transcendências
Eu chamava por Eupalino, o desertor, porque precisava de histórias para adormecer.
os sonhos têm rugas - disse-lhe -
tenho-os velhos, pouco seguros,
talvez quebrem, Benjamim...
Benjamim disse-me que os sonhos são enormes como torres altas de navios muito transparentes, frequentemente circulares,
confesso que me custou imaginar os seus ditos e feitos sem retorquir plausíveis realidades
plausíveis
plausíveis
plausíveis
COMO OS CANSAÇOS DE ONTEM, DE HOJE, AMONTOADOS.
Os sonhos?
-tocou num desfile de teclas muito harmónicas-
têm a leveza de coisas extremamente belas, frágeis, incomparáveis!
Todos, todos, todos!
- evitando
radicalmente os condenados a humanas excepções-
flutuam ao redor de cada partícula,
preenchem ecos, corpos , vasilhas e frascos vazios de compota doce.
eu chamava por Eupalino porque precisava de sonhos para acordar.
O dia tem espinhas de peixe privado de guelras,
por aqui não paira noite nem dia, Benjamim...
como explicar-to sem te ofender a récita?
Tenho carradas de vida a transbordar melancolia!
não me cabe a faca na mão,
o pão está duro, sabe amargo,
encolhe em migalha, entope o segundo!
Eupalino inspirara-me num segredo antigo e grego
- coisa de deuses ou de magos-
a de fundir forma e função numa massa só.
Rapidamente aprendi que a projecção de palavras cortantes,
atraem o escorrer do sangue como um choro longo de birra de menino.
Benjamim enviou um lobo ou tornou-se lobo,
não posso assegurar,
ciente de que a sua função era a de guardar aquele jardim onde costurei toda uma ausência,
julgando que me cativava a jaula florestal da mitologia,
que só por ela transcendia à minha angustia mortal.
Não te enganes com o que queres ver, Benjamim,
fiz amizades neste reino, Benjamim, arranquei os caroços do chão para que floresça um esplêndido desterro,
gosto de mãos sujas e de linhas que terminam em feitos concretos:
pacotes de massa, latas de conserva, livros de poesia.
Resumi tudo a palestras vazias, gravações radiofónicas de dificílima difusão,
Eupalino era o meu noivo principal, mas eu a-Mara muitos homens, muitas mulheres, diversas flores e alguns animais,
uma desordem que implicava bastante desapego a formas materiais, metafísicas, surreais.
Apoio agora o esqueleto numa reluzente carapaça de tartaruga milenar,
Benjamim, recentemente feito chinês, oferecera-ma de presente jurando entregar-me assim o universo.
Eupalino perdeu-se num solilóquio longo como um túnel em nada desfasado das proporções mais certas e introspectivas da solidão.
Embora contrariada, encerrei-o num livro.
A imagem da capa estava triste como um campo de papoilas suspensas.