20.9.22

Eterno barroco

Joalharia barroca do corAÇÃO

OU

Uma carta de amor encontrada no arquivo do email


A nossa fantasmagórica psicanálise roubou-nos possibilidades de termos visto (-vermos-veremos) as paisagens.
Para além dos fantasmas, também a geografia e outras terrenas circunstâncias que nem vou nomear. 

Tudo porque há paisagens certas que só  se tornam visíveis quando, por obra de santo Rimbaud , o forasteiro, as imagens que constelam,
constelam-se para nós. 

Como se as paisagens
-essas que não vimos-
fossem  CALEIDOSCÓPIO  em constante criação 
e os cristais que nele se conjugam guardassem essas imagens únicas,
místicas,
sublimes,
diáfanas e
instáveis. 

É (só) dessas que sinto falta.

Vivo em colossal estado poético 
quando a tua presença me acompanha.
Ficam grandes os campos, 
imensos os algodões, 

Gostava (muito) que nos tivesses avistado assim.


Não te sei falar dos amores de verão,
forasteiro Primavera-Verão-Outono-Inverno e Primavera. 

Ou sei, mas não quero.

Mas sei dizer-te que os dias hibernaram no meu corpo
que essa lentidão foi tudo o que precisava para suspender o meu pensamento 
e que isso foi bom.

Ghosts,
eu e tu,
que giram e revivem dos sopros de alquimias subterrâneas de dois seres comuns e à deriva, por isso,estranhos e deleitados. 
Secretos.

Vou.
Não sei (nunca) despedir-me de ti.

1.7.22

4

 Éramos 4.

Cada um, lado a lado,.

Olhava para o seu lado.

Era tão inconsciente, tão incandescente.

que a raíz comum não era nossa,

era diversa, fugia, invadia-se.


Éramos 4,

uma frágil famíla a amar-se.

O amor é muito frágil,

concorda, avassalando-se.

Colabora, invadindo-se.


ÉRAMOS 4.



20.2.19

No dedo médio da minha infância residia o futuro.
Numa previsão autêntica ,quimérica,avassaladora,
Os dias premeditados eram um acumular de cismas e de sismos.

As mulheres desfilavam nos meus olhos pequenos de existir,
eram personagens de um tempo muito certo,
fazedoras de segundos carnudos,
alimentando, cozendo, vestindo a rua e a paisagem.

Eram estas mulheres que depois -anos mais tarde- reconheci fracturadas,
parcialmente cobertas de névoa,
de desejos tenros e subterrâneos,
de coxas moles,pesadas,
de um secretismo -mesmo assim- esvoaçante.

Nesse tempo vieram homens,
Pelotões de seres,
magos,cantores,abusadores,
alguns poetas.
Eram caixas de Pandora desnudas
-o mistério estava gasto-
A felinidade encaixada numa tela de 23 polegadas
estendida num corpo,
como se aquele corpo fosse serventia.

9.9.17


Talvez a raiz resista!- dizias.

Era uma raiz morta por dentro,
bastava pressenti-la.

A tua insistência, porém, comovia-me.
e abominava-me.

A casa cheia de poeira,
terra,
plantas anónimas,
árvores inseguras. 
Do cosmos nem nadas,nem nesgas.
Nem sequer a sede.

A nossa casa.

Eu, persistente, amando-te.
Amando o amor.
Particularmente o que dele se desprendia da terra para ser pássaro.

Seguravas esses pequenos troncos interiores e inúteis.
Eu segurava a possibilidade de ascensão,
desfazendo tudo.

Uma luz pequenina abrigava-te do nosso naufrágio.
Seria o mar o lugar marcado. O nosso lugar de morrer.
A quimera incalculável do teu extraordinário saber
(tanta sabedoria -também ela- inútil)
procurando nos germes a germinação,
húmus dos nossos corpos primários,
bailando.

Amava-te muito,
mas os pés estavam frios num caixão sem tempo, nem espaço.


Fechaste a persiana e espalhaste os livros pelo chão da sala.
- Quero salvar-nos!-
O jogo era abrir páginas ao acaso e fazer delas profecia.

As páginas tão erradas, meu amor.
A raiz cada vez mais morta, o amor cada vez mais vivo.
Embora nunca mais
-nem por intervenção literária-
beijasse a candura da tua liberdade.

Abandonámos depressa esse jogo perverso.
A literatura, caso exemplar, assinara um veredicto
que recusavas aceitar.

Abre este livro. É a última vez!- pediste.
"As experiências fazem-se em casa." (Alexandre O'Neill)

Fecho o livro. Fechas a porta.
Há caroços em vez de estrelas.
Comeram a noite, meu amor.
Já não somos luar.









10.11.15

Peter Pan



Inaugural suspiro, o primeiro!
No entanto,
um flagelo no lugar da pedra mãe.

Vamos juntos.
    Embora mais juntos.
    Embora mais separados.
Buscando os inéditos na tua voz,
Reflectindo –EU- TU-incisivamente sobre o teu espaço de acção
(passamos tanto tempo a pensar em ti)

Dizer-te então que não é a pele suave da minha perna
-nunca foi-
mas a pele suave da eternidade,
Ânsia das bênçãos,
Ansiedade de estar
ou o mero eco dos abençoados na primeira noite de rock do mundo.

Creio na criação.
Ato de criar.
Criar o espaço próprio de um amor único.
Porém,
a chuva quente inunda os ossos até ao tutano, diariamente,
e com ela, o amor inunda-se.
E –sabemos- só a criação cria amor e o amor cria a criação.

Há uma espécie de dor ambígua neste vislumbre nocturno,
um corvo vesgo e belo,
um menino trôpego e valente,
uma mão dilacerada e esvoaçante.

A quimera alimenta-se dos despojos
Como se de laranjas de ouro – as sumarentas!- se tratassem.
É ingénua, fatídica, persistente, luminosa.
Pirilampo combalido no reflexo do teu plexo solar.
(Esta será para sempre a melhor metáfora do teu retrato)
Voyeur, poética, patética menina.
Segura a crina do meu livro interior para que seja manifesto,
Segura a dormência da minha cabeça milenar,
Segura o inseguro formato humano do meu poema.
Humaniza.
Humaniza-te.
Humaniza-me.

Tens medo?
Tens fome?
O que guardas?
Onde te escondes?
Por onde te escapas?
OU:
Tenho medo?
Tenho fome?
O que guardo?
Por onde me escondo?

Uma análise feita à superfície da matéria que somos, revelaria, indubitavelmente, pontos extremos:
Polaridade de seres existencialistas.
Questões do profundo comuns.
Léxico dos silêncios compatível.
Dificuldade na gestão prática dos afetos.
Mundanidade imperfeita, dir-se-ia, inadaptada.
Currículo rico de experiências excêntricas.
Olhares vagarosos, deliciosos de deleite por películas de filmes inexistentes.

Tu, mais severo, concreto, saltando baixinho,
(O teu esforço é intenso, mas concentrado)
Eu, espectro dilatado,
em saltos tolos e ambiciosos.
Leva-me a linha do desejo transgressora,
porque me encanta a essência da última camada do universo.

O poema, a poesia,
qualquer coisa de muito perfeito e singular é teu em mim,
Mas há erva ruidosa, feras e um combate,
espalhados no itinerário dos nossos desencontros.

Se voltares esta noite,
Nunca mais seremos a primeira noite no planeta rouge do teu sofá
(essa órbita tão cheia de esperança que impulsionava os nossos passos)
Mas lerei o poema, o teu poema,
para que o sono não seja mito
E possas, finalmente, ver (-me).









16.9.14

AmarAmara


Ela
estava
à 
distância
do respirar.
Coisa intimamente próxima, encantadora!
Corpos atentos considerariam esta circunstância o sinónimo absoluto da nudez.
De tão próxima, dir-se-ia imaterial.
Respiração apenas. Respiração apenas.
No princípio estava o RESPIRAR.
Ela,
invocando a inútil tenacidade de quem tem furacões no sono,
rasgava a montanha do livro para uma composição magnifica e insignificante.
Os dias a rodo.
Os dias a rodo.
O corpo pequeno agigantando a janela de paisagens espirituais,
invocando a doçura do corpo velho de Chagall
ou seres que em nada ou em tudo eram as personagens certas para o sentimento de si.
Segurava cada brilho feroz dos seus dedos- como magia!
Ela haveria de construir rugas nas árvores antecipando-lhes uma meninice tardia
ou escorregar pelo diário de Al Berto e sentir-se nele. ´
Ser ele.
Seres. Eles. Os dois. Apenas um.
Ela dançava com os mil dedos da mão e o mundo era um piano assombroso,
peças que se teciam em demasiados cenários.
Ela faria um livro expirando essas visões e do livro rasgado faria outro e depois outro e outro e outro,
redutos máximos de um acto contínuo
(Vive assombrada pelo deslumbramento!)
Ao adormecer ela voltava a acordar!
Uma fascinante desordem de pessoas inapropriadas ao embalo, abriam os rios como risos e levavam-na a passear muito longe.
As perguntas eram sempre diferentes e difusas:
- Posso contar os batimentos do teu coração a bater no chão?
- De que é feito o azul dos teus olhos castanhos?
- Como recortas em intensa beleza o que antes fragmentara em suicídio?
Ela permanecia de olhos fechados que é a melhor maneira - diz-se - de ver tudo
e de ver tudo MUITO MELHOR!
(poeticamente falando, entenda-se)
Uma música -uma música apenas!- poderia entorpecer a cativante angústia de se ver intensa num aquário de pássaros.
A casa muito cheia era uma pista de sons e de vôos.
Os familiares que se acercavam da sua intensidade eram como alicerces que pululavam as suas antíteses, amando-as.
Projectos, projecções, próximos, próximos...como o sangue.
Ela insistia em colorir o rosto,
fumar incenso,
repetir Lhasa.
Ela voltaria a cantar com a voz do avô,
a sentir com os pincéis de Picasso,
a fazer da parede caderno
e do caderno vertigem.
Ela.
Ela.
Ela.
"O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida quotidiana." Augusto Boal
Se puderes, solta a mão que te agarra ao coração.
Observa-o a crescer, longínquo, como a sede de alguém que conheces tão bem que só a liberdade pode ainda acrescentar surpresas.
Não desanimes com o óbvio dos seus olhos ávidos,
a ferocidade da suas breves paixões

                                                                       - posteriormente-

os solavancos tristes depositados inteiros nos teus ombros,
no teu peito,
no teu limbo.
Tão dócil, o selvagem, encaracolado em ti
(frágil planta de lua cabisbaixa, menino sem hino, nem pátria)!
Se te for possível, deixa que voe para além de ti.
Sonhaste que fosse pássaro, cavalo ou peixe,
- qualquer espécie que não tivesse o cárcere cerebral encerrado em si-
respira-lhe o desígnio e deixa que te fascine em carícias
porque é breve o riso e longa a espera.
O menino cresceu rasgando linha de caderno,
de mãos,
de roupa apertada porque costurada mil números acima do que desejara.
Sem desejo é como ter sol escancarado e não ter mar para amaciá-lo.

Não vale.
Tarda.
Tarde.
É tarde.

24.12.13

AL_Tacuba 12/12 Kronos Quartet


Solstício invertido.
Parte 1, livro primeiro, tabula rasa e tudo cheio na sala de mim.

O copo cheio invoca um certo sentido poético,
embora só haja vinho azedo sob a mesa
(é para o gato)
Quanto a mim, tenho sede.
Por ora, apetecem-me rusgas e incêndios,
coisas de banalizar os santos,
redimir unhas roídas, achaques, promessas,etc, etc...

PAUSA.
Chega este ímpeto e as estantes inteiras, íntegras, incendeiam-se...desintegrando-se em amadas formas.
(Será da tempestade? Serei uma tempestade?)

Não vendo no meu sentir uma clarividência apaziguadora,
Marguerite Duras junta-se ao meu corpo e escreve-lhe por cima:
"Thérèse sou eu. Aquela que tortura o delator sou eu. 
E sou aquela que quer fazer amor com Ter, o miliciano. 
Eu.
Dou-vos aquele que tortura com o resto dos textos.
Aprendam a ler:´
são textos sagrados."

(Ninguém está habituado a amar uma fora da lei)

Por isso, compreendera:
a angústia não nascia de ti para mim,
era eu que provocava a demência,
amordaçada num estilo antigo e minguante de escrever amor.
Percebi que os poemas, se repetidos até à exaustão, tornam-se glóbulos essenciais,
dão riqueza ao sangue, como o ouro dá aos dentes dos exilados,
mas, no reduto, são dependências que fragilizam vôos e paraísos.

Assim, arquitecto um plano já escrito noutros corpos:
"eu estava prestes a levantar voo da prisão da minha imaginação, mas ele
leva-me para o seu quarto e aí vivemos um sonho, não uma realidade." Anais Nin
E deixo ao corpo o corpo,
o baile, a merenda seca na relva.
Enquanto ao longe o gato bebe o vinho e, pela primeira vez,
morre.




23.8.13

POSSESSED II_para não bailar


Falar-te deste deserto que foi capotar a alma,
seria levar-te a uma ruína antiga onde arde em chamas um anjo sideral.
O momento - já que tão insistentemente mo pedes-
é este e chama-se corpo com dor
(ou uma dor com um corpo dentro)

Vislumbrando a cratera e não a lua,
talvez chorássemos os dois, extremamente meninos,
inseguros de nós próprios no futuro -este- que a vida preparou com um requinte perverso.
A poesia não seria feliz, embora desarmante de tamanha sinceridade.
Só por isso -apenas isso- valeria amar esse poema com unhas e dentes,
sobreviventes sôfregos do desejo de utopia.

perdi o incenso, 
a casa cheira a ranço velho.
sei que te enoja a imagem desta feiura.
sabes como odeio asas sujas, fracas para voar.

Tenho o fígado enfiado em pó de estrelas moribundas,
daí a fraca convalescença,
diz-me o pedalar de um velho fula que apesar dos olhos cegos de doença,
olha-me profundamente.
O cão -também doente-  sangra,
bastaria um comprimido pequeno, barato,
para curar todos os cães do mundo.
Bastaria um cão curado para valer a pena padecer tão violentamente.

Porém nada,
apenas uma cintura estreita a alargar o oceano,
uma distância que me retira do acto de viver em transe,
um pão vazio e esta ala de ausências.


















15.7.13


Se porventura amávamos o mesmo sabor a rum,
o rum -que era o mesmo, importa sublinhar- sabia diferente a cada um.
Por isso, o amor é uma semente rebelde (disseram-me ser também uma oportunidade),
embora nauseabunda, fascinante, viral,
de inconstante germinação.

Quando te segurei o sorriso (desde sempre pesado como uma pedra frustrada)
jurara transportar-te triunfalmente para o lado solar.
Para atravessares o caminho isento de perigos,
consertei-o com matérias que eram intensamente eu:
os meus segredos, as minhas ansiedades, os meus feitos heróicos depositados na palma da tua mão.

Apetecia-me devorar-te os lábios como quem finalmente adquire um corpo inteiro!
Dirigida pelo furor avançava,
comprei uma praia no Alentejo,
revelei-te do poeta, da utopia, do vinho forte,
mas essa fome passou e o corpo que era júbilo emagreceu de vontades.

Da lista de peripécias que foi desconstruir-nos o fascínio,
algumas valerão o lembrete:
um gato dividido (nossa herança matrimonial),
um apartamento suicida,
um bouquet de flores murchas num papel sem carimbo, nem promessa.

Por isso, a alma fez rock e quebrou a doçura da primeira penugem
para se dedicar a matérias mais ásperas, violentas.
Imperou a distância do óbvio que o fascínio não deixara ver:
tu levitas em ternuras estranhas,
eu sou um espectro a escrever uma carta sem memória.

"Walk in silence
Don't turn away, in silence
Your confusion
My illusion
Worn like a mask of self-hate
Confronts and then dies."
Joy Division





27.5.13

ligações (in) OU afinal falamos todos baixinho e ninguém nos ouve

"A poesia é um gesto eterno", é o nome de um blogue que encontrei mais ou menos ao acaso
Do Júdice e reencontrado com amor:

como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores 
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos 
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que 
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí 
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas, 
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo 
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros

Iremos devagar até esse maravilhoso precipício.
Marcarei a hora certa para que tudo certeiramente falhe.
A emoção da espera acende desejos encobertos,
o tamanho todo do amor (ou do desejo?)
Dirás disto, desperdiçar ponteiros de relógio, pontas de cigarro,
pontes que distam acertivamente as -nossas- impossibilidades.

Se for caso disso, inventarei recursos estilísticos
para moldar essa quimera:
tropicália,
rum amargo,
passaporte para qualquer destino,
surpreendente odor...o teu.

Antes organizarei a viagem com a minúcia do coração:
os teus olhos para rever,
os teus dedos para observar,
o teu corpo franzino de alma para prender...
momentaneamente.

Depois será manhã sem nenhum tipo de sacrilégio
ou talvez sobrevoe por ali uma pena de pássaro
e escorra a tinta certa para te descrever que em mim nada flutua,
tudo o que te parecer superficial, oco, desconectado,
será a minha melhor performance de gato assustado.
Nunca amo tão longe como o poema
-a torrente do poema-
ama-me a partir daqui ou vai.
Tudo o resto é sempre menor.

De qualquer forma vou propor-te esse passeio,
jantaremos por aí, desde que o vinho seja aceitável teremos motivo para continuar,
mais tarde um beijo, um baile e o regresso a casa.






12.2.13

Mito_Benjamim, muita infância e um piano dado a carícias

(imagem que me fascinou, encontrada em http://www.viralagenda.com/pt, transportada como mera ilustração)

Benjamim segurou-me no sonho.
                                                           sempre julgou essencial expor-me a transcendências

Eu chamava por Eupalino, o desertor, porque precisava de histórias para adormecer.
os sonhos têm rugas - disse-lhe -
tenho-os velhos, pouco seguros,
talvez quebrem, Benjamim...

Benjamim disse-me que os sonhos são enormes como torres altas de navios muito transparentes, frequentemente circulares,

            confesso que me custou imaginar  os seus ditos e feitos  sem retorquir plausíveis realidades
                                                                                                          plausíveis
                                                                                                          plausíveis
                                                                                                          plausíveis
COMO OS CANSAÇOS DE ONTEM, DE HOJE, AMONTOADOS.

Os sonhos?
-tocou num desfile de teclas muito harmónicas-
têm a leveza de coisas extremamente belas, frágeis, incomparáveis!
Todos, todos, todos!
- evitando radicalmente os condenados a humanas excepções-
flutuam ao redor de cada partícula,
preenchem ecos, corpos , vasilhas e frascos vazios de compota doce.


eu chamava por Eupalino porque precisava de sonhos para acordar.


O dia tem espinhas de peixe privado de guelras,
por aqui não paira noite nem dia, Benjamim...
como explicar-to sem te ofender a récita?
Tenho carradas de vida a transbordar melancolia!
não me cabe a faca na mão,
o pão está duro, sabe amargo,
encolhe em migalha, entope o segundo!
Eupalino inspirara-me num segredo antigo e grego
- coisa de deuses ou de magos-
a de fundir forma e função numa massa só.
Rapidamente aprendi que a projecção de palavras cortantes,
atraem o escorrer do sangue como um choro longo de birra de menino.

Benjamim enviou um lobo ou tornou-se lobo,
não posso assegurar,
ciente de que a sua função era a de guardar aquele jardim onde costurei toda uma ausência,
julgando que me cativava a jaula florestal da mitologia,
que só por ela transcendia à minha angustia mortal.

Não te enganes com o que queres ver, Benjamim,
fiz amizades neste reino, Benjamim, arranquei os caroços do chão para que floresça um esplêndido desterro,
gosto de mãos sujas e de linhas que terminam em feitos concretos:
pacotes de massa, latas de conserva, livros de poesia.
Resumi tudo a palestras vazias, gravações radiofónicas de dificílima difusão,
Eupalino era o meu noivo principal, mas eu a-Mara muitos homens, muitas mulheres, diversas flores e alguns animais,
uma desordem que implicava bastante desapego a formas materiais, metafísicas, surreais.

Apoio agora o esqueleto numa reluzente carapaça de tartaruga milenar,
Benjamim, recentemente feito chinês, oferecera-ma de presente jurando entregar-me assim o universo.

Eupalino perdeu-se num  solilóquio longo como um túnel em nada desfasado das proporções mais certas e introspectivas da solidão.

Embora contrariada, encerrei-o num livro.
A imagem da capa estava triste como um campo de papoilas suspensas.

2.1.13

POSSESSEDDDDPOSSEESESSEDPOOOOOSSSEEEEEESSEDESEDDEEEEEEd (Balanescu Quartet 16:57) OU o primeiro poema do ano


Decreto por virtualidade a necessidade URGENTE de respirar (mos) !

Havemos de ter incêndios -diversos- na pele, nas ranhuras da alma, nos limites dos dentes.
Fracturas delirantes ou farturas -de sabor deveras duvidoso- a lembrar-nos de que a vida é tal e qual uma pequena feira (repetida), 
num pequeno largo, 
numa pequena rifa a fazer-nos rir de coisas pequenas (as enormes).

Amanhã seremos aparentemente salvos -e cada vez mais sós-
ah, não percam tempo a interpretar a casualidade da alma humana!,
um verso tem a força de um pensamento presente!
(embora persista, arda, fulmine, sangre, transforme)

Na comunidade, como por exemplo essa, onde o Pacheco (ainda) dança doido e tonto como uma estrela demente,
as mulheres amam-se pelo que de belo têm
e o belo é o silêncio...

1ªvolta da dança:
Vá, vamos!.......................................................................................................................
-  isso é utopia. isso não é esse tanto. a poesia -se dessa estirpe- que se esfregue com limão, que fique ácida e corroa!

2ª volta da dança:
Cresço em modo gerúndio e imperfeito.
Talvez assim se explique o intuitivo rasgo de viver,
o apelo para a escuta do coração
(do teu também. do teu, essencialmente.)
O verdadeiro dialecto -esse, o que não foi dilacerado-
sobrevive encarcerado, celular, vibrante, sensível.

Sem voltas:
Transtorna (-me) a ordem certa do relógio
-para que se saiba, parti o vidro dessa estatura e fiz dos ponteiros raios que me partam e,
esses, que me iluminem ou devorem-
Vou procurar o tempo em ti, no outro, além, ali.
Vou rasgar o itinerário todo, 
incinerar o umbigo, fortalecer a anterior identidade.

À planta dos meus pés oferecerei cometas,
a profecia certa para danças ou conversas
(dói-me a dor que há-de vir, acende-me a alegria que há-de ser)

O calendário cai como folhas de Outono,
tenho sono, 
cesso a paródia,
venham mais cinco ou seis,
se formos muitos podemos rimar a vida com liberdade 
e IR...



finalmente.





18.12.12

"HOW TO DISAPPEAR COMPLETELY" - Francesca Woodman


Esfrega o mundo com cuidado,
apanha-lhe os cacos de vidro espalhados pelos olhos.
Giremo-lo juntas - como quem dança -
projectando as fotografias do nosso primeiro encontro:
17/12/12

Sei que morreste antes dos vidros
-no decorrer das quebras-
ou que foi por causa deles
-outrora muito intactos-
que te suicidaste.
...

Ou terá sido a névoa, o susto, a angústia?

Quando organizavas o corpo para as fotografias (minuciosamente)
as escadas eram outras,
tinham (demasiada) alquimia.
Não saberei dizer-te se um mundo simbólico
-esse que compilaste-
seria também um lugar mais feliz,
mais apetrechado ao delírio
ou capacitado para múltiplas possibilidades.

Temos quase sempre ideias sobre tudo e quase sempre não valem chavos
-lamento dizer-to-
faltam-lhes coisas que perderam o seu natural lugar,
falta-lhes coerência no ritmo cardíaco,
falta-lhes lógica na passagem.
(O mundo tem uma boca GRANDE  que não sabe beijar.)

Sei tudo de ti -preciso que o saibas.
Sei das tuas intenções, da tua saudade e até do estado da tua saúde.
Sei dos teus vícios -os mais  perversos- e da tua ternura -apenas ternura.

Começo a velar-te -sei que é um disparate-
mas não me inibe de te colar em todas as estantes da casa,
- eu sou um edifício com uma arquitectura disponível-
quero recortar-te, compreendes?

Não temas,
hei-de prevenir-te de regressares à génese da dor,
vou alçar os teus pulsos ao movimento primordial,
o teu sangue -se escorrer- vai ser um rio para peixes maravilhosos.
Iremos as duas.
Sem medo.
Sem frio.

E tu, absoluta.

20.11.12

Folhas vermelhas




Talvez -quem sabe!- sairemos nas notícias do dia seguinte
ou disparataremos o corpo em tentativas inúteis de fazer coisas muito belas (as inesquecíveis)!

Podemos também roubar janelas para que entre mais luz nesse cubículo onde refazes palavras-cruzadas
e temos medo que fique demasiado frio ou demasiado calor
                (as temperaturas extremas do Herberto ou a nossa incapacidade para realizá-las enquanto plano)

Havemos de voltar a esta paisagem (nem que passem cem anos ou mais!),
eu hei-de repetir-te dos amores que me nutrem:

repito os pormenores até a um cansaço que no seu derradeiro fim suscitarão apenas indiferença,
depois nem fome nem nada,
a temperatura já nem existirá!
(será que a não matéria tem temperatura?)
rasgarei o teu nome e acharás ofensivo!!!diabólico!!!!, vais arder
(eu quero arder contigo)
Explicarei calmamente o que pretendo fazer:
conjugar-te de novos modos que me pareçam surpreendentes!
(e eu terei um palco de luz dentro do peito!)

É inglório o esforço,
não te convences que a beleza é narcísica, precisa de se recriar constantemente.
Nada.
Nada.
Nada.
Derrubo as damas, os cavalos, as torres
(soubera eu jogar xadrez, mudaria a decoração da tua casa)

Quando regressarmos vais pedir-me o resumo destes dias
eu vou querer falar-te de umas folhas muito vermelhas que se distinguiam no verde da paisagem,
mas -óbvio- não vou ter coragem,
direi que está tudo bem,
que amanhã faço uma formação para fazer contas com mais precisão.

Tu vais sorrir paternalmente,
eu vou fazer rabiscos nos olhos que te  parecerão sorrisos
(muito dentro dos olhos, porque quem vê olhos não vê corações),
tudo será real outra vez,
gato ou gatos
real ou reais,
todos,
outra vez.

10.11.12

SENHOR ABÍLIO



Tornara-se hábito aquele de circular noite e dia pelas ruas da cidade. Que via os astros por dentro, dizia. Que falava com anjos, dizia. Que bebia leite e devorava enlatados, dizia.
Era forte e tinha uma barriga esplendorosa como um sol. Era belo e terno, por isso quando se passeava – nesse eterno passeio- apetecia falar –lhe de perto, vê-lo de perto. Chamava-se Abílio – Senhor Abílio, senhor Abílio! – e era um gosto vê-lo olhar e dirigir-se devagar como quem tem o compasso do mundo nas pernas e nos músculos que lhe fazem o sorriso.
Não lia nada que o atormentasse, recusava-se a compactuar com o desespero desencantado dos homens e das mulheres, no entanto, planeava bombardear os esgotos do mundo e conseguir assim a primordial, a única, a irreverente e mais eficaz de todas as guerras: Se rebentarmos com os lugares que guardam toda a merda humana –congeminava-  damos cabo disto tudo e voltamos a ser coisa nenhuma, partícula de ar (não será aquilo que afinal somos?).
Dito assim pode parecer grosseiro. Não é. O senhor Abílio tem perfil de Bordalo Pinheiro, é rústico, mas autêntico, honesto, transparente. Não tem pudor, por isso o seu léxico tem a cadência do seu pensar, se porventura se chegar a concretizar pensamento desses usuais com princípio, meio e fim.
Não deve nada, paga as contas certas até aos cêntimos, tem hábitos precisos, embora aparentemente disfuncionais. Também não saberei o que subentender por “funcionalidade” e angustia-me, como angustia ao senhor Abílio, a mecanização do existir. Por isso, ligo o aparelhómetro do disfuncionamento e bebo vinho com ele. Embora ele beba água. Ou beba café. Ou beba sumo. O senhor Abílio tem um corpo grande e límpido, como as manhãs cheias de Verão e a ria cabe-lhe bem nas utopias. Essa ria exacta que combina exactamente com o dia de sol descrito e enche tudo de beleza e lonjura.
O senhor Abílio exerce-se por longos ciclos, que cumpre ou sonha cumprir, porque isso também não interessa. Somos quase sempre a verdade do que nos apetece ser. A cada 20 anos renova a sua agenda, os seus gostos, os seus hábitos, menos o de ir caminhando. Esse permanece, dá-lhe vida, como me dá vida a mim vê-lo passear.
Na meninice andou a sonhar o teatro, ser Raul Solnado e provocar o riso. Encher-se de ironias e palavras bíblicas, parecia-lhe um projecto apoteótico! Um espectáculo grande como parece ser este, o da sua vida.
 Quando ele se fundir na paisagem, navegar para mais perto dos seus anjos, tenho a certeza de que vamos pernoitar durante muito tempo naquela melancolia persistente que nos faz vislumbrar fantasmas. Porque ele habita paisagens, ruas que se cruzam –não mais do que dez ou vinte- e essas ruas têm o nome dele e. E nós temo-lo a ele, às ruas e ao seu nome dentro de nós, numa geografia que desenha a nossa cidade.

14.9.12

Cara Parede e Lhasa

Um dia disseste-me:
tenho o meu nome esquecido na tua almofada.
Eu gostei da melancolia de encerrares essas letras no domínio dos meus sonhos
e -erradamente- tomei por certo o desígnio.

Depois passaram-se muitas noites e algumas tinham tempestades (fortes como um pássaro que morre)
outras eram apenas noites na contagem e essas,
ENTEDIAVAM-ME.

(queria espasmos no tempo, máquinas para brincar com a pulsação)

Voltava a ler o teu nome e era uma espécie de sorriso ou crença,
como um deus intermitente.
Milhares de festas ocupavam o calendário para disfarçar o que dói,
embora continue a achar que a alegria é uma tatuagem sem retorno,
embora mutável,
embora mutante.

No Verão ardi a última floresta de ti
e nem precisei de vinho,
bastou a combustão das células embriagadas de cansaços e promessas.

A almofada bordou-te e esse é um lamento que se acrescenta ao mar que canta
(desafinado como o coração)
Os mitos ainda te escutam,
eu não.

Eu sou mulher,
tenho carne e ossos e pensamentos vulgares
como este de tentar um poema para adormecer a ansiedade.





18.5.12

.


Uma vez disse-te,
- Tenho um deserto a crescer-me por dentro. -
Ligaste o rádio por cima da minha voz, em tom de protesto!
O "Harvest Moon" rangia nas madeiras do chão,
fazendo do meu estado de alma, soalho conveniente para se deixar tocar.

Precisava que me desses paisagens que aceleram frémitos
e impulsionam poemas nas mãos,
coisas que os intelectuais compilariam em Tratado
                                                                  -perdendo longas horas a exercitá-lo no interior da sua mente -
tardiamente assinado pelos únicos reais intervenientes.

As pessoas são coisas sós e difíceis de arrumar,
embora eu preferisse facilitar o processo numa tabela quântica
que resumisse em poucos traços a hora exacta da minha morte
(mas as tabelas provocam-me abundante angústia).

Não te compadeças por isto
- isto é pouco!-
lá fora morre gente de frio e de fome,
a monotonia é matéria de alguma disfunção,
como essa  de ver pássaros onde só existem pedras
e de padecer de amor por pedras que sonham erosão.

A escolha devia ser múltipla
ou a ânsia devia ser caustica (até se devorar),
de todo o modo fica-me o declínio para a solidão.
Hoje bebo ondas de mar ao entardecer,
talvez te encontre parado,
paredão,
a renascer.


18.3.12

Ode to the sea (you)

Escrevo-te poemas como quem te diz coisas banais:
ontem  mataste tudo quando violentamente agrediste o precioso que entre nós havia:
uma cerveja Cristal e dois corpos a cantar.

Como empecilho - sabes tão bem quanto eu! -não consigo viver,
prefiro a  a companhia dos mortos e um entardecer.
Bebo para viver
e se falasse espanhol diria-te com mais certeza: vivo para volver!

Não se volta ao que se nos perdeu,
mas essa é uma lei estreita como a seiva de uma árvore mítica ou uma árvore de ouro
(tudo árvores, é um facto):
o tesouro - percebi nos últimos séculos - é estarmos atento e esquecermos a receita.

Vamos fazer  novo do velho e  quando me dançares como quem escuta
serei outra vez tua,
mesmo que nunca o seja,
sendo-o sempre, sempre, sempre, eterna......

Sou-te leal  e para isso basta-nos o cinema....
De resto, hei-de cortar sempre  a Avenida Central para passares,
fazer coisas espampanantes como essa de imitares que me morreste apenas para me magoar.

Lá fora está um calor que não gosto,
e então o Palma canta a melodia que hei-de pensar foleira:
Encosta-te a mim
e depois disso hei-de inventar:
veleiros- serão mais de mil!
o mar- tão grande ! (obrigada por me salvares).

Não tenho culpa.
Não tenho medo.
Vou.
Espero encontrar-te.

9.2.12

"En Heráldica. uno de los modos de designar el azul" (Wikipédia)

Quando ela inverteu o corpo,
para que o movimento lhe ocorresse a partir da cabeça
centrando-o no coração,
emocionei-me.

Deu-me para ficar estática perante o absoluto espectáculo,
chamava-se Celeste Bausch e praticava a dança de existir com ânsias.
Eu descobrira, lendo a profecia dos meus últimos sonhos,
que parte do encanto de prosseguir em respiros,
era o de descobrir gente bonita,
daquela que faz chorar lágrimas válidas (são essas que fazem os rios),
por isso, quando vejo a fotografia do corpo invertido de Celeste
- o corpo celeste-
ou leio os poemas da Susana Aida Poeta Poeta Poeta,
sinto que me elevo e posso saborear a eternidade.

E basta-me.

Um nome ridículo ( L´homme aux bras ballants. Yann Tiersen)


Antes da Partida:
Colocar os poemas nos olhos e navegar.
Distância a percorrer:
Sempre mais e sempre menos do que a primeiramente imaginada.
O mar vai mais a direito para quem tem lados esquerdos cantantes.

O homem tinha um nome ridículo, mas nada nele ecoava matérias daquela estranha fonética.
Como dizer?...Ele era um poeta e tinha a idade do mundo
(que é uma coisa variável e pouco precisa),
Suspirava através da pele, modo tosco de dizer que todo ele transpirava não havendo -no entanto- água visível nas suas redondezas,
somente um suor latente, uma ânsia de eternidade,
ou de ser nu como no primeiro dia em que veio ao mundo,
a única inteireza que ele tinha de tudo ignorar e assim conhecer.

"Retoco os meus poemas todos os dias, antes de adormecer."- disse-me.
(eu gosto tanto que me digam coisas)
Ficou-me a frase, a mim que só me ficam cheiros e suposições
(e intuições),
espécies de tábuas mentais de adivinhação que lêem o mundo
sob uma estranha "INFLUENZA" !
Claro que isso me serviu de explicação para o que se seguiu
e ninguém gostou de ver:
Disparatei e enchi o corpo de esquecimentos,
afinal abandonara-me
- E EU SIM!-  tinha um nome ridículo adquirido no último nascimento (relembro: Novembro de 2010),
aquele que mais arrasou das planícies.

A ventania trouxe-me febre alta,
o fogo todo aceso da extremidade do dedo maior ao cabelo mais ínfimo,
porque sofro das ferozes contra-indicações e apostaram-me num cavalo que não gosta de corridas,
prefere manhã e morrer na Serra a ser silêncio:

O poeta está lá,
invariavelmente todas as noites,
na mesma cadeira, no mesmo vinho,
no mesmo poema,
a limar-lhe os cantos, a acrescentar-lhe outros.
Se tudo correr bem, nunca mais o visito.
Não suporto amá-lo desta maneira,
sem padecer de mim,
da vida inteira.

8.2.12

La derniére fois (Cléo au Trapéze – Yann Tiersen). A kind of Tarantela. Este poema tinha que ser visual, desculpa o mau gosto.

Wings of Desire- Wim Wenders and Peter Handke (a ODE)

Penso:
Põe-me do avesso para poder voltar a ver-te dançar!
Sussurro:
Põe-me do avesso para poder voltar a ver-te dançar!
Repito:
Põe-me do avesso para poder voltar a ver-te dançar!
Grito:
Põe-me do avesso para poder voltar a ver-te dançar!

(a memória guarda-se (te) no lado contrário da cabeça,
no lado de dentro dos olhos
no lado de baixo do mundo)
Quero rever (TUDO)  ,
coisas como por exemplo:

O aquário (improvisada pista de dança) tinha a medida do teu sonho,
o que era uma forma de o nomear vasto.  amplíssimo.  imenso.

A circunstância:    
Era 1997,
fazia Dezembro em todo a banda,
eu envelhecera para ter o tamanho certo para te caber.

Pelas laterais surgiam sóis que eram muitos, ofuscavam!
Essa incandescência era ,no entanto,
mui tímida, silenciosa,
contradizendo os princípios do fácil esplendor.
Redundantes espectros, bem vistas as coisas,
porque a vida a sério nunca se vislumbra em ocasiões festivas.

Porquê?
Porque avistando-te à noite
agarrado a uma mulher de andar estranho e origem duvidosa,
a beber vinho barato que tinge os dentes cor de sangue

…e tu a sangrares coisas de tempos que não sabias materializar
…e eu imersa em desgosto de não ser corda vocal para sonorizar o mais fundo de ti…

Parecias vulgar,
tipo coisa de se dar gratuitamente e sentir alívio ao ver ir-se embora,
porque possuído de ruim /atormentada/ aparência.

Claro que o teu íntimo era outro!
- Esse era o motivo!-
esse foi sempre o motivo pelo qual voltava aos teus lençóis e chorava como um bebé
que sofre de toda a tua ausência - da que foi e da que virá –
TU ÉS A AUSENCIA!
Porque eu era a evidencia -a PROVA- da quimera
quando enredada em ti
e tudo, mesmo o teu predilecto excesso, podia ser objecto simples de agarrar e comer - sem saborear!
O sabor perdura longamente - avisavas-me! - enquanto vestias a cama de coisas que eu não queria ver.
Afinal também sabias ser mau, vocação que te defendia da dor.

Antes de consumir a tragédia,
partias os meus desejos em coisas práticas e feias.
Eu, transformada algoritmo
-sequência finita de instruções bem definidas e não ambíguas, segundo a Wikipédia-
voltava aquela casa “que não tinha tecto, não tinha nada",
viva de irónica infância.

Deixo-me na montra do palacete onde celebraremos o casório do impossível,

Para que não te enganes ao encontrar-me, situa-se numa janela principal
mas talvez atravesses a rua novamente sem olhar.
Sou bibelô onde podes pousar a beata do cigarro
e deixar -como numa dança- o olhar fugir-se e pensar.

15.1.12

Inútil "song"

Devemos ter a poesia atenta quando olhamos o mundo,

ou a repará-lo que seja como  imaginada criatura ,
filho de madeira de embondeiro,
inútil Gepeto a criar obras para amar à sua imagem.


Sem enganos creio: o mundo deve ser um estar só,
porque quando ouço do lado norte da Terra  a voz da minha mãe
apetece-me atentar ao deus e seus infinitos subditos,
para que leve fogo onde ele faz falta....
e toda a gente sabe:
o fogo faz falta ao gelo para que se equilibre em paisagens deveras apaziguadoras
ou uma coisa que não lixe o juízo  e muito menos a alma!


Há quem diga que quando a alma não é pequena tudo vale a pena,
mas eu não sou da maioria: 
a alma não tem estatura,
a alma não tem estrutura.
E quem mais sente, será também quem mais mente?


Eu acho que a alma tem voz de Raul Seixas a lembrar que ela sim,
a cena ALMA,
o mecanismo alma,
a medusa alma, venenosa, fascinante, leve alma,
é metamorfose ambulante,
a vender-se para encontrar significados.


Tenho andado num exercício faz hoje 32 anos e uns dias,
trata-se de me tentar incorporar num militar dicionário de sinónimos.
Falho e penso: o que te digo tem riso de mim e rizomas das passagens,
influenciam-me as marés e eu escavo teorias convictamente,
coisa como esta que só a ti tenho coragem de dizer:
a malta tem é medo de arriscar, tudo vestido azul e branco para não destoar do
céu e das nuvens.
Mas a paz não é um estado pacifico! 
É antes uma busca num volátil encontro,
areia que se some entre os dedos...
 (e de nada vale juntar muito os dedos e até acrescentar os dedos 
de quem mais queremos juntar a nós...)
As mão nada sabem da técnica marroquina de fazer tapetes invencíveis
a arenas e areias,
por isso descuidam essenciais coisas....
e não é por mal, é por incompetência!




É de tal modo denso o estar existencialista
que relembro uma imerecida profecia de um amigo perdido no tempo.
Dei-lhe cabo do coração sem querer,
mas para um coração isso não interessa nada:
dás cabo e pronto,
agora se és bonzinho como madres e Teresas,
isso não importa.
Aqui aplica-se a popular sabedoria:
de boas intenções está o inferno cheio
e o coração para mim, com todos os seus defeitos,
é de todas as vísceras  a única que vale a pena continuar  acreditar.


Explico o porquê:
Quando deslindraram os mil tubos que seguravam o meu pai a este mundo,
o coração audaz dava sinais de si como quem diz
- "Este homem vai partir, mas olha para ele digno e forte a provocar de frente a morte!"-
e eu emocionei-me e consolei-me pela interpretação dos factos.
Interpretar é aproximar tudo a um estado de conforto - a dita zona de segurança-
sem tiros de guitarras,
qual Hendrix a revolucionar o telhado de alegria.


Na Guiné o dia é indescritível,
Cabral justifica a derrota,
afinal um partido é uma coisa simples de entender:
um partido parte. Parte gente e partes das gente.


Ontem escrevi com sentido
e quero desviar-me dessa incandescente luz...
sou da etnia poeta e tenho dentro todos os sonhos do mundo,
não me faças -por favor- falar deles,
perco o contacto com a realidade e instauro um  estado novo.


Eu quero estar no aqui que já não é um lugar,
é um cansaço e uma utopia,
é uma derrota e um recomeçar.
Tenho a estaca no coração: mato melhor à noite e morro melhor de dia,
na minha alma marco -1 grau,
a temperatura ambiente da emoção.


Se puder ainda hoje aqui volto.
Já gostei mais disto diga-se de passagem,
agora escrevo para esvaziar os bolsos.

1.12.11

Agressivo

Vou escrever o teu nome até que lhe esqueça os ecos...
Imagina comigo:
 as tuas mãos distantes como ilhas observada em mapas antigos,
o sol desfeito em dois, metade para ti, metade para mim,
sem discutir acasos ou ocasos.
(afinal fui eu que vi o pôr-do-sol e isto sim, era um capricho).

O mar faleceu nas profecias,
nunca tarde, nunca cedo,
apenas Verão.
Este ano demasiado longo, diz-se
(olha para mim a julgá-lo ainda aqui, perto de mim).

Que tens que pagar as contas,
fazer carreira,
justificar o tempo a enchê-lo de coisas.
Pois que seja, eu vou pelo mansinho que me trouxe,
faço o manifesto longe e há-de ser um poema agreste.

15.11.11

B ( "e agora para algo completamente novo")


Vim dizer-te que nesse dia contei os dedos das mãos para confirmar a tua inesperada chegada ,
como sol que insiste brilhar quando o dia acaba...
Seria um dia à medida e capricho Boris Vian e a sua Espuma dos Dias,
um dia em que a vida reinou por completo na utopia e se fez pessoa, sorriso e caminhou.

Vi-te passar em slowmotion, o mundo desenvolvia finalmente as suas verdadeiras habilidades,
tornar próximo o que a cabeça distancia em pensamentos e criações.
As redes afinal estavam todas por concretizar: infinitas e possivéis, como o sonho.
Eu que decretara o fim do "Capitão Romance", eu pirata e gato e sozinha,
a escrever-te desde então os instantes da vida,
como se de repente fosses tu a acender-me a memória.
Como te chamas?
Como chegaste?
Onde te dói?

Escrevo-te para te lembrar que este segredo é longínquo  e ao ver-te naquela  fotografia de passe, faz hoje um mês ou mil anos,o rosto era o mesmo que antes vira impresso no teu olhar e me prendera de beleza e angústia...um rosto muito antigo como o amor.
E vi-te pequeno e guardei a emoção para este poema,
porque socialmente seria incómodo lembrar-te que nunca te vira e no entanto,
parecia que nunca te tinha esquecido.

Vou tomar um café forte, preciso adormecer o intuitivo rasgo,
que me leva a ser nua de metáforas e dizer-te tudo.

Quando amanhã estiveres lá,
o homem da bata branca há-de sorrir e era bom que acreditasses inteiramente nos seus talentos,
nunca houve motivos para temer e quero ver-te velho a falar da vida e do futuro.
Sabes, eu acho que há sempre futuro...

Amanhã (também) o escorpião António faria 71 anos,
mas quando voou estava mais jovem do que eu,
era um menino a correr com um balão voador,
a percorrer a eternidade:
"When our wings are cut, can we still fly?"
Eu sei que tu mais do que eu dirás que sim,
és um leitor dos silêncios, mesmo quando a vida arrepia com os seus contornos de mau gosto
e só apetece cosmos que leve em buracos negros tudo o que sente ou mexe.

Não somos só pessoas felizes,
somos pessoas inteiras.
Eu estou inteira aí,
aqui o corpo mexe, tecla, está veloz.
Precisa acalentar o teu silêncio,
precisa recortar nuvens para a tua janela.

Passeio pelo laranja da tua casa e gostava de ser alma e vôo,
cair-te num sonho e ter as ilhas do sul e o sol.
mas sabes que nem sempre se realizam os planos:
escrever é uma forma de mantê-los vivos como a esperança.

Agora vou só abraçar-te,
se puder fico aí esta noite

...truz...truz...posso entrar?

13.8.11

P



Jean Michel-Basquiat

Estávamos a um passo de ver o primeiro sol.
Era assim que suspiravas, enquanto o sol,
atraiçoando-te,
se colocava completo esticado no céu,
demasiado alto para se deixar atingir  pelo teu corpo frágil.

Nunca me disseste como te doíam os sonhos,
por onde te cresciam as rugas,
por onde semeavas as interrogações.
por iso, à minha maneira,
imagino-os.
Se escrevo é porque penso que quero que escrevas:
há razões mais fortes do que os mitos,
e no fim, só ficam sepultadas as caveiras.

Creio por isso, que dentro de cada um existe a possibilidade:
salpicar o cosmos com as anunciadas 21 gramas que um corpo perde aquando o seu último respiro.
Gosto de anoitecer a magicar maneiras de te colocar no espaço sideral,
mas terás feito isso melhor do que eu,
do que ela,
do que nós.

Eu ainda tenho um corpo, um sopro.
Ouço Zeca Afonso, penso beleza - interior, interior, interior- como eco vibrante:
tudo fica,
tudo vai,
e no remate final pretendo aniquilar o pretérito perfeiro,
esse modo agreste  de conjugar a vida.

Deixa-te ficar sentado na cadeira se a tua vontade assim quiser,
ou segue pelo calor dessa viagem,
onde tudo é fátuo e eterno.

Eu vinha para dizer-te que a minha cabeça pairou,
sobre os fios que te enlearam o sangue,
as veias,
os rins,
as tuas mãos tão quietas.
Quero repetir o teu nome no silêncio
e servir-te anjos pela janela da tua ausência.
(mas)
Sou frágil e não tenho o cetim que envolveu o teu corpo defunto,
mas cabe-me abraçar a manhã,
cabe-me abraçar-te amanhã.

Se eu falhar na tarefa de existir,
ou se também o meu corpo atraiçoar o meu tempo de inspirar azul,
talvez te encontre e possamos dizer o não dito,
coisas como gostar de ti fez-me ser difícil,
confuso retalho de pensamento
e por isso agradeço-te.

Vou instruir os meus dedos, cada vez mais alucinadamente.
Não imaginas -ou talvez imagines- como me enche de entusiasmo crer no indizível ou
nessa sede de revelar o espectro da paisagem repetida
ou na  maneira idêntica-diferente como a noite se derruba no colchão e adormece.

Tenho ideilizado uma peça de teatro,
vejo o palco,
a caixa negra
e  mais uma vez o azul de Klein,
acentuando-se nos cantos,
essas fronteiras que delimitam os espaços
- o actor e o observador-
metáfora certa do tempo,
do corpo,
da passagem.

Talvez realize esse espectáculo.
Talves realize esse espectáculo de forma sublime,
e a morte que "sai à rua",
possa entrar finalmente na vida,
sem triunfar.

25.7.11

azul



Recordo a imagem que falaste,
eram duas da tarde e o sol fervia-nos na pele.
Havia mosntros, mas apenas na minha imaginação
(ainda há. em mim. e na música. e na dor)

mas retalhaste as partes mais luminosas desse dia.
ampliavas assim as formas mínimas,

Na verdade, apenas isso me interessava.

Em mim ficou a tela.
(e agora sei do que falavas)

28.6.11

A biografia do homem do lado de lá

Em termos práticos aconteceu assim:

Cansado de sonhar com o sofá fez-se à noite,
sem farnel, a fome comeu-lhe as estrelas.
Tal atitude valeu-lhe um estado mais oniríco, mas pouco adequado:
o cabelo comprido como algas, ou evocações de algo
algo para ser dito,
como por exemplo, o modo raro de ser manequim da demencia,
ou de fazer reinar o imprevisivel riso  numa festa.

Tudo se tornara fora do lugar onde antes, agora, depois estivera,
por isso inadaptou-se dos modos e costumes,
inverteu hierarquias, definindo:
- MEU COMANDANTE É A LUA!

Porém, mantinha-se distintito na forma rara de decapitar jornais:
dormia sobre as noticias do mundo,
conjungando com as letras maiores os nomes dos  que mais amava:
Joaquim, o filho mais novo
(roubou o nome ao mítico avô português),
Raquel, a segunda mulher, a da voz doce como mel...
Machel, o rebelde libertador.

O seu nome não escrevia, o seu nome já não sabia.

Os pés em mutação: ora chatos, ora audazes, ora negros de pó de terra...pó sideral.
(depois de dar a alma ao cosmos perde-se a capacidade de distinguir céu de chão
e flutua-se)
Caminhando em tempo certo, marcando o desconcerto,
tatuava nos muros em letras garafais - Só Jesus salva! -
depois ria da afronta e da mentira.

Era assim a sua oração, incerta.

Ele ausentara-se do circunstancial mundo,
eu escrevia-lhe nas rugas uma ternura
que não sei partilhar.

De qualquer forma,
o poema é dele,
como é dele este navegar.



27.6.11

/re/parar o tempo


Se abrir a porta, repare no estendal:
as peças são todas musicais e autênticas,
artigos raros, vividos em primeira mão
- cinematograficamente.

Não ligue à desorganização das artérias,
o sangue é um criatura apaixonada, embora caprichosa,
irrompe por covas fundas e feridas de difícil cicatrização
(tornamo-nos a matéria que pisamos)
Seria uma vantagem aceder consigo ao lado de lá desse muro-pessoa,
saber de perto o som da sua dor,
quantas vezes bebeu o vinho do seu desatino,
quantas insónias ocuparam os ponteiros dos relógios que alberga,
quantas mãos amou pelo modo particular de serem ternas,
quantos gritos deu em vão,
quantos risos desenhou no seu lado solar.

(mas)

É minguante a corda e ténue o sonho .
A memória está preenchida pelas visões
e viver perdeu impacto.

Terei que explicar o enredo para que não se enleie na confusão:
fui eu que teci esse estendal, tentando o anonimato.
Sequei a folha do caderno onde era oleira das minhas visões:
nesse tempo estava muito viva e tudo me corria para as mãos,inspirando-me!

Hoje a chuva não chove,
nem há sementes de nuvens.

A roupa seca em cima dos ombros
e cai para dentro,
exausta.

8.6.11

in Beirut ( Veneza que não existe OU evocando David Mourao-Ferreira

A
carta que te escrevo
chega desfasada em longos segundos ,
nada saberás do peso do ar que inspiro quando deito a minha cabeça na almofada do mundo,
esse que por incompetencia lunar
          - tramou-nos a astrologia -
me escapa!

Se viesses sozinho,
entregue a este pedaço de sol recortado em ninharias
- para que saibas do que te falo, nomeio-as:
- um retalho de falsificado cetim,;
- um álbum antigo de Nick Cave;
- a minha fotografia mais sombria (quiçá, a mais verdadeira!);
- um livro por escrever do Pedro Támen;
- o malmequer amarelo na casa morta de al berto (o vivo);
- a minha tesoura de pegas verdes (para recortar mundos e fundos e fundos com mundos)

e se até um manatim - esse estranho -tem história que vale a pena ser narrada, amada, amarrada,
a minha história tem coisas que se mudam de lugar, instintivamente (são as sedes).

Outra coisa importante: acho inútil uma vida sem parêntesis... é como uma vida mais acre, sem travões a fundo de nós, sem partiçhas inconscientes, movimentos desorganizados de círculo, pertença: MO-RAN-ÇA.

(...)

30.5.11

http://cercarte.blogspot.com/

Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.

Eugénio de Andrade - Os Sulcos da Sede

modus navegável


És o meu estudante de poemas preferido.
 Essa danação há-de viciar-te a melancolia.
Peças mais que fundamentais para seres duplos inteiros de coisas máximas e minúsculas – por outras palavras, TUDO . o excesso do tudo.

“Que dizer de ti virado ao contrário, sem vertigens? Como atravessas este céu sem matéria? Vamos ao jardim, as árvores nunca dormem, esqueci-me de te sossegar e os poemas são pesados de sentidos..”
“Talvez vislumbres quem fui, talvez saibas que todos os nossos rostos estão presentes na memória… para que os sentidos se revelem…”
In Ant. Ramos Rosa . Bichos Instantâneos


Um ferro-velho de emoções como a última despedida.
Nuno Júdice

Seria fácil, se abrisses estas páginas abstractas, que se geram dentro da minha cabeça.